Ao mínimo sinal de uma possível doença, a secretária Marilene da Silva Bastos procura uma farmácia para comprar antibióticos e solucionar rapidamente o mal-estar. O mesmo hábito ela utiliza quando alguma inflamação ataca o seu filho Thiago, de 10 anos de idade. Marilene conta que desde pequeno, acostumou o menino assim. Com efeito, para acabar com dores de garganta, tosse e resfriado, o antibiótico era o seu remédio de escolha. Para muitos, essa é uma situação corriqueira. Algo que se tornou tão rotineiro que tem levado não apenas à automedicação, mas ao surgimento de marcas preferidas, como se tais medicamentos fossem refrigerantes ou sabão em pó.
Os analgésicos, antinflamatórios e antibióticos são as classes de medicamentos mais prescritos no mundo. ?Devemos lembrar que todo medicamento possui dosagem e formulações específicas que devem ser respeitadas, por isso a dose e o intervalo de administração precisam ser conhecidos e obedecidos para evitar riscos ao paciente?, afirma a infectologista Thais Guimarães, coordenadora de divulgação da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Como se não bastasse, o abuso na automedicação, a especialista conta que é comum encontrar pessoas que ingerem dose dobrada de uma medicação esperando obter efeito mais rápido, fato que, geralmente, não acontece e ainda ajuda a piorar o quadro do paciente.
A pescrição do antibiótico pelo médico só deve efetivada quando o diagnóstico de uma infecção é confirmado ou suspeito, seja por meio de exame clínico, laboratorial ou investigação epidemiológica. Ao buscar a automedicação, o paciente faz com que o uso do medicamento leve a uma resistência por parte das bactérias, ou seja, elas podem se tornar resistentes aos antibióticos prescritos, fazendo com que a infecção não seja tratada. Hoje em dia, as infecções causadas por bactérias resistentes são cada vez mais freqüentes não somente nos hospitais, mas também no ambiente domiciliar.
Antibioticoterapia
?No âmbito da saúde pública, infecções comunitárias como amigdalites, faringites, pneumonias, infecções urinárias e de pele estão se tornando mais difíceis de serem tratadas?, reconhece Thaís Guimarães. A determinação da secretária Marilene ao querer resolver ?rapidamente? os problemas de saúde de seu filho, serve para alimentar as estatísticas que apontam que cerca de 30% dos médicos receitam antibióticos pressionados pelos pais que insistem, geralmente por excesso de precaução, na prescrição desse tipo de medicamento. De acordo com especialistas, esse é um dos motivos que mais faz crescer a ?antibioticoterapia?.
Segundo o presidente da SBI, Juvencio Furtado, a capacidade dos microorganismos, em especial das bactérias se tornarem resistentes aos diversos antimicrobianos é reconhecida há décadas. O tema tem sido amplamente abordado em diversas publicações, pois apresenta grande impacto na morbidade, mortalidade e nos custos associados à saúde. ?A auto-medicação de antibióticos, que são vendidos em farmácias sem receita médica é uma das principais causas do cenário atual de infecções resistentes?, enfatiza o presidente. A recomendação da SBI é de que, ao sinal de sintomas de qualquer tipo de infecção, o paciente deve procurar o médico, pois só ele pode dar a orientação correta quanto ao tipo e ao tempo de uso deste medicamento.
De acordo com o grau de risco
Os medicamentos são classificados conforme o grau de risco que o uso pode oferecer à saúde do paciente. Conheça o significado da tarja dos medicamentos.
Medicamento não tarjado – Venda livre. São medicamentos com poucos efeitos colaterais ou contra-indicações, desde que usados corretamente e sem abusos.
Medicamento tarja vermelha (sem retenção da receita) – Medicamentos vendidos mediante a apresentação da receita médica. Têm contra-indicações e podem provocar efeitos colaterais graves.
Medicamento tarja vermelha (com retenção da receita) – São os medicamentos que necessitam retenção da receita, conhecidos como (psicotrópicos). Só podem ser vendidos com receituário especial de cor branca.
Medicamento tarja preta – São os medicamentos que exercem ação sedativa ou que ativam o sistema nervoso central, portanto também fazem parte dos chamados psicotrópicos.
Só podem ser vendidos com receituário especial de cor azul.
Uma luta inglória
“O uso indiscriminado de qualquer medicamento sem a indicação correta é muito perigoso, pois todo medicamento possui efeitos colaterais”, explica o pediatra Luiz Ernesto Pujol, considerando que a utilização irracional dos antibióticos é ainda pior. Outro costume prejudicial, segundo o médico, é a insistência que muitos pais têm de repetir alguma receita ou ministrar um medicamento que “deu certo” para algum conhecido ou parente.
“Não existe a necessidade, por exemplo, de se receitar antibióticos para tratar resfriados simples, nem para a maioria das infecções de garganta ou bronquite”, afirma o especialista. De acordo com o médico, essas infecções são virais e autolimitadas (evoluem e melhoram sem medicação).
O mesmo acontece com as infecções intestinais, que, na sua maioria, não necessitam da prescrição de antibióticos.
Os cientistas alertam que “a guerra contra as bactérias está longe de se encerrar”.
O ponto mais preocupante é que a proliferação de microorganismos resistentes aos antibióticos tem ocorrido em velocidade e freqüência muito superiores ao ritmo de produção de novos medicamentos. Isso quer dizer que, tão logo surja um novo antibiótico, os microorganismos começam a desenvolver resistência a ele.