Está mais do que provado: o uso do álcool compromete seriamente o funcionamento do cérebro, trazendo severas alterações neurológicas.
As lesões são crônicas e o estrago é tanto maior quanto mais cedo se tenha adquirido o hábito de beber.
Além dos problemas físicos e emocionais, o álcool está direta ou indiretamente ligado à maioria esmagadora das ocorrências policiais e dos registros hospitalares.
Segundo o médico psiquiatra Fernando Sielski, especialista em dependência química, o consumo de bebidas alcoólicas provoca alterações neurofisiológicas profundas nas pessoas. “Ele produz graves danos à memória, capacidade de abstração e a inteligência”, afirma.
Conforme o psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, presidente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), o perigo do consumo abusivo de álcool por jovens ganha contornos catastróficos.
Embora a venda de álcool a menores seja proibida, levantamento em escolas particulares da cidade de São Paulo, com 5.226 alunos de 37 escolas, revelou que um em cada três estudantes do ensino médio, entre 15 e 18 anos, bebeu cinco ou mais doses de álcool na mesma ocasião (padrão binge), ao menos uma vez no mês anterior à pesquisa.
Saúde pública
“É preciso tomar conhecimento de que a situação está ficando fora de controle”, enfatiza o médico. Uma recente pesquisa mundial constatou que o número de mortos e de incapacitados devido ao abuso no consumo de álcool equivale à soma dos óbitos causados por doenças mais presentes, como a hipertensão e o tabagismo e suas consequências.
Por isso, especialistas reconhecem que uma política sobre o uso do álcool não é mais uma questão nacional, mas sim de saúde pública mundial. Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) atribuiu 3,2% de todas as mortes ocorridas no planeta (cerca de 1,8 milhão de óbitos anuais) ao abuso no consumo do álcool. Metade delas devido às doenças associadas ao vício.
A outra metade, vítimas de violência nas casas, nos bares e, principalmente, nas ruas e estradas, em que, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, 61% dos motoristas envolvidos em acidentes haviam antes ingerido bebidas alcoólicas.
Quando se sabe que o trânsito mata perto de 40 mil pessoas por ano no Brasil, é fácil atribuir aos excessos com bebidas grande parcela de responsabilidade sobre esses altos índices.
Todas essas estatísticas convenceram o governo federal a enfrentar o problema, que se arrasta há décadas, anunciando um pacote de medidas para reduzir e prevenir os danos à saúde e à vida dos brasileiros e combater situações de violência associadas ao uso abusivo de bebidas alcoólicas.
A Política Nacional sobre o Álcool, fruto de uma parceria entre os ministérios da Saúde, Justiça, Educação e Cidades, além do Conselho Nacional Antidrogas, pretende focar, também, a associação entre o uso do álcool e acidentes de trânsito.
Uma das medidas previstas no pacote, por exemplo, reduz a graduação alcoólica usada como base para impor restrição de propaganda, o que incluiria bebidas hoje liberadas, como a cerveja.
O álcool e suas influências
O Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), organização não governamental, alerta sobre os perigos a que estão expostos jovens que consomem bebidas alcoólicas de forma nociva, tais como acidentes de trânsito, ferimentos, violência interpessoal ou sexo desprotegido. O uso de álcool por jovens é tema de diversas pesquisas divulgadas pela instituição, confirma algumas conclusões obtidas em estudos sobre o tema:
Família – Estudo brasileiro recente avaliou a associação entre o uso pesado de álcool por estudantes e fatores familiares, pessoais e sociais. Foram entrevistados 48.155 estudantes de escolas públicas, com idade entre 10 e 18 anos. Os resultados mostram que os fatores associados ,a uma maior chance de ter feito uso pesado de álcool foram: ter mais de 15 anos de idade, relação ruim ou regular com pai e mãe, perceber o pai como liberal, não ter filiação religiosa e ter trabalho formal.
Estudantes – O primeiro Levantamento Nacional sobre Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras, realização da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), revelou que 79% dos entrevistados menores de 18 anos afirmaram já ter consumido algum tipo de bebida alcoólica. Outro ponto surpreendente é que o consumo de álcool, tabaco e outras drogas entre os universitários é mais frequente que na população em geral.
Férias – Estudo indica um aumento na frequência do uso de álcool durante as férias e revela que 91% dos entrevistados entre 13 e 17 anos haviam bebido, apesar da idade legal para o consumo de bebida alcoólica ser de 18 anos. Os autores alertam que pouca atenção tem sido dada ao consumo de álcool excessivo em cidades turísticas e à promoção do turismo associado ao uso de álcool.
Adultos – As consequências negativas do consumo nocivo de bebidas alcoólicas podem permanecer no início da idade adulta. Esta foi a indicação de pesquisa divulgada pelo Cisa, apontando que metade dos homens que faziam uso pesado episódico de álcool na juventude continuaram a fazê-lo no início da idade adulta, comportamento que acaba por consistir em forte preditor para se tornar um bebedor crônico na idade adulta.
“Esquenta” – De acordo com pesquisa publicada na revista científica Addiction, indivíduos que bebem em casa momentos antes de sair para eventos festivos (baladas), comportamento conhecido popularmente como “esquenta”, consomem maior quantidade de álcool e apresentam maior prevalência de problemas sociais do que pessoas que bebem apenas depois de chegarem ao ponto de encontro.
Genética – Atualmente, a dependência alcoólica é considerada um grave problema de saúde pública e o consumo de álcool contribui para 1,8 milhão de mortes por ano no mundo. Pesquisa australiana, divulgada pelo Cisa, indicou que, para indivíduos que relataram o primeiro consumo de álcool antes dos 13 anos, as influências hereditárias sobre os sintomas da dependência são mais pronunciadas.