Tema extremamente polêmico, requer um fecho ditado pelo equilíbrio do respeito à vida, com dignidade e esperança.
Recorde-se que a eutanásia, palavra de origem grega Euthanasia: Eu – bem, tanatos – morte, para significar morte suave, sem sofrimentos.
O que é o sofrimento?
É a impressão ou sensação desagradável que afeta o ânimo do ser humano, causado por um mal, ou pela privação de algum bem.
Claro que os animais considerados irracionais também experimentam sofrimentos diversos. Com a diferença de que eles os suportam, geralmente sem queixumes.
O ser humano tem, além dos sinais que caracterizam o sofrimento, a capacidade de externar e definir o seu sofrimento, por meio de atitudes, gestos, e sobretudo pela comunicação verbal.
O sofrimento, cuja expressão mais conhecida é a dor, afeta o ânimo do ser humano. O ânimo é propriedade humana resultante do equilíbrio físico, mental e espiritual. É o estado de alma. Daí o termo animar, com o significado de dar a alma, vivificar, dar vida. É a total entrega da pessoa por uma causa.
Por que essas considerações?
Porque a Medicina é a profissão da misericórdia por excelência. Aos médicos está afeta a missão de curar, quanto possível, mas aliviar sempre o sofrimento dos seus semelhantes. Ao contrário da eutanásia, que consiste em tirar a vida para acabar com o sofrimento, o alívio do sofrimento propicia ao paciente a sensação de amparo, de conforto, de segurança, produzidos pelo carinho, pelo calor humano, não só do médico que o assiste, como de toda a equipe de profissionais do amor fraterno e misericordioso.
Eis a razão principal que motivou o grande clínico Miguel Couto a afirmar: “Se a Medicina não é toda bondade, menos vale dela separada”.
O médico e os integrantes de sua equipe devem ser animadores. Em seus procedimentos transmitir a sensação que vivifica. É a sua total entrega pela nobre causa vivificadora que salva ou que livra o paciente dos seus sofrimentos. É a Medicina Sacerdócio! Sim, porque o sacerdote é distribuidor dos dons sagrados, ou divinos. Pode haver maior e melhor dom que o dom da vida? E, por extensão, o dom da saúde?
Os profissionais médicos devem sentir-se inseridos no Plano Divino, como instrumentos na distribuição dos dons da saúde e da vida humana.
Diante do sofrimento, é imperioso ter em mente a transcendência do ser humano. Essa lembrança, cheia de esperança, deve animar, tanto o doente que sofre quanto aqueles que o assistem: médico e equipe, muito particularmente os profissionais da enfermagem, os quais permanecem mais tempo junto ao paciente. Também os seus familiares. A presença constante, com o afago da mão amiga e fraterna, propiciam ao doente que sofre, importante sensação de segurança. Mesmo os doentes em fase terminal, moribundos, experimentam essa sensação de alívio e de conforto, mas sobretudo de amparo.
Essas afirmações decorrem da experiência clínica de longos anos; da luta para vencer a doença e a morte, nem sempre possível, mas com a convicção de estar fazendo o melhor, mediante a suavização da dor e do sofrimento. Quando não se dispunha dos recursos existentes hoje, com equipamentos requintados proporcionados pela ciência e pela tecnologia, era preciso recorrer à criatividade, enriquecida e compensada pela presença assídua junto ao doente e seus familiares, no hospital ou no lar.
Sem o amparo médico, que reúne conhecimentos científicos e a convicção da destinação eterna do ser humano, o paciente pode cair em desespero e, desorientado, clamar pela morte como solução para todos os seus males. Nesse clamor desesperançado, surge a idéia trágica da auto-eliminação, ou, com a ajuda de outrem, a eutanásia. Essa “ajuda” pode vir do médico. Desviado de sua missão precípua de defesa e preservação da vida, movido por sentimento de pseudomisericórdia, compactua, torna-se conivente com a degeneração do instinto de conservação, presente em todo ser vivo.
Recentemente, na edição de 21 de janeiro, o jornal O Estado do Paraná publicou, na seção Panorama, notícia vinda de Londres, sob o título “Viagem para a eutanásia”: “Um paciente britânico, em estado terminal, viajou para a Suíça, onde pôs fim à vida, com a ajuda de uma clínica que pratica a eutanásia. Na Grã-Bretanha a eutanásia é ilegal”.
Certamente faltaram a esse paciente informações sobre a destinação transcendental do ser humano, e o apoio de uma assistência capaz de proporcionar ao doente terminal o conforto que lhe permitisse sublimar o sofrimento.
Já afirmou o papa Pio XII, em radiomensagem de 21 de novembro de 1949, dirigida aos doentes de todo o mundo: “A doença suportada serenamente nobilita o espírito, suscita na alma elevados pensamentos, mostra aos corações transviados a vaidade e a loucura dos prazeres mundanos; cicatriza as chagas morais e inspira propósitos generosos. Olhai para a Cruz, olhai para todos aqueles que sofrem. O próprio Jesus, exortando-vos a levar a vossa cruz e a segui-Lo, convida-vos a cooperar com Ele na Obra da Redenção”.
O apóstolo São Paulo, na Carta aos Colossenses (1,24), oferece a toda a humanidade o seguinte testemunho à conformidade: “Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo Seu Corpo que é a Igreja”.
Suportar o sofrimento com vistas à perfeição humana ilumina e eleva a mente, ajuda ao desprendimento das coisas terrenas, dá sentido à transcendência da vida cristã, suaviza as reações psicológicas, afasta o temor diante da morte iminente, transformando-o em aspirações ao encontro com o Criador.
Se não existissem todas as razões que a transcendência humana assegura, deve-se ter presente a constante evolução científica e tecnológica propiciando cada vez mais recursos verdadeiramente eficazes, que alimentam as esperanças de cura para as mais rebeldes patologias, razões deveras justificáveis para infundir aos pacientes, mesmo os que se encontram em fase terminal, a confiança, a expectativa e o ânimo.
Ary de Christan é médico.