Hoje, dia 1.º de dezembro, é o dia mundial de luta contra o HIV/aids. Já são 30 anos desde a descoberta do vírus.

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Depois de promessas (não cumpridas) da descoberta da cura nos anos 1980 e muito esforço e investimentos em pesquisas, o saldo atual que é ainda não temos uma vacina realmente eficaz para o seu combate.

Apesar da tão esperada vacina ainda estar em teste (são mais de 30 experimentos), vários medicamentos antiretrovirais (ARVs) afastam a capacidade do vírus abrir as portas do organismo para infecções oportunistas, com ganhos na qualidade de vida dos portadores, que levam uma vida quase normal.

Mas, o fato é que o HIV ainda é um capítulo consolidado na história da medicina a ponto de os especialistas opinarem de forma uníssona: por hora, não temos muito o que escolher, assim, temos que insistir na prevenção à infecção, no tratamento – caso a pessoa já esteja contaminada -, com as drogas existentes.

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Essa é a opinião do médico infectologista Gustavo Johanson. “A vacina ideal ainda não chegou, ou seja, aquela capaz de criar imunidade suficiente para impedir a infecção de maneira rápida e eficaz ao se deparar com o HIV”, reconhece.

Capacidade de mutação

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O que torna esse vírus tão diferente e difícil de ser controlado mesmo com as tecnologias mais avançadas do século 21 é que ele possui altíssimas taxas de mutação, algumas prejudiciais a ele mesmo, capazes de torná-lo até mesmo menos virulento em algumas situações.

Em outras, no entanto, o HIV se torna resistente aos medicamentos disponíveis. De qualquer maneira, conforme o infectologista, em qualquer das situações, ele acaba “escapando” dos alvos das vacinas, pela mudança estrutural de suas proteínas.

Os especialistas são unânimes em afirmar que é na sua capacidade de mutação para criar resistência aos medicamentos que reside o perigo, principalmente, se quem está em tratamento não o leva a sério, pois o vírus consegue se “esconder” no organismo.

De acordo com Johanson, bastam 15 dias sem os antiretrovirais para que a infecção volte. A estrita aderência ao uso dessa classe de medicamentos é fundamental para o sucesso do tratamento.

O nível do “remédio” no sangue tem que ficar sempre acima do necessário para impedir a replicação viral. Do contrário, o vírus se replica, com chance de cepas resistentes ganharem espaço e condições de sobrevivência. “Recomenda-se não atrasar ou pular uma única dose sequer de medicamento”, alerta o médico.

Estigma permanece

O desenvolvimento do chamado coquetel, com a combinação de ARVs, permitiu que a aids passasse a ser considera como uma doença sob controle. Com efeito, relaxar na prevenção e adquirir o vírus não é mais sinônimo de morte iminente.

A pessoa com o vírus, em tratamento, leva uma vida quase normal, com algumas dificuldades, como tomar medicamento todo dia sem esquecer nenhuma dose, efeitos colaterais das drogas no organismo como alterações no metabolismo, eventuais alterações neurológicas, necessidade de exames e acompanhamento médico periódico para o resto da vida.

Na opinião do infectologista, se compararmos com a década de 1980, em que a sobrevida média de uma pessoa já com aids manifesta era chegava a pouco mais de um ano, hoje em dia vivemos muito mais tranquilos, graças à alta potência dos ARVs existentes.

Entretanto o bônus vem acompanhado do ônus, pois os mesmos medicamentos que salvam, são capazes de causar malefícios em outros órgãos e sistemas do corpo. O estigma ruim ainda permanece, ainda que mais brando que antigamente e as pessoas infectadas são mais vulneráveis emocionalmente.

Mudança de perfil

Outra perceptível mudança é no perfil da epidemia. No início eram atendidos quase que exclusivamente homossexuais masculinos e usuários de drogas ilícitas.

Hoje em dia, a infecção, afeta mulheres (heterossexuais), inclusive as mais idosas, contaminadas por seus parceiros. “Infelizmente, essa foi a parcela dos infectados que mais aumentou ultimamente”, comenta Gustavo Johanson.

O infectologista não é tão otimista, principalmente no caso do vírus. Segundo ele, até hoje, não percebemos um único benefício em termos de adaptação que o HIV tenha causado ao organismo dos humanos.

A integração de genes ao DNA humano e sua transmissão às gerações seguintes pode ser encarado com algo restrito e não deve ser transportado para o nível populacional.

“Todo microorganismo restrito a uma espécie que é muito virulento, que mata de maneira rápida, também impede a sua própria sobrevivência”, completa o especialista.

Modelo brasileiro

O modelo brasileiro é considerado exemplar no tratamento do HIV. A partir de 1991, os medicamentos que compõem o coquetel passaram a ser distribuídos gratuitamente ao soropositivo.

Estima-se que a terapia esteja disponível a 95% dos pacientes com aids. O programa é exemplo, principalmente entre os países em desenvolvimento, que não dispõem de recursos para a distribuição gratuita de antiretrovirais.

Por isso, é necessário que o governo destine os recursos para a manutenção do programa, por meio de parcerias com os laboratórios e até mesmo quebra de patentes, se necessário.

Em outubro deste ano, o Ministério da Saúde anunciou que pessoas que tiveram relações sexuais desprotegidas e correm o risco de infecção pelo HIV podem solicitar ARVs como forma de prevenção.

Para ter acesso aos medicamentos, qualquer pessoa deve procurar um centro de referência em até 72 horas após a relação sexual desprotegida. O ideal é que sejam duas horas.

Antes, essa medida já era aplicada apenas para casos de violência sexual e em profissionais de saúde em contato com sangue contaminado. O receio dos médicos é que a população tome essa possibilidade como desculpa para o descuido na prevenção.

Gustavo Johanson acha, no entanto, que esse medo é infundado, pois apesar de ser uma medida eficaz, é muito difícil uma pessoa ter a disposição de buscar o ARV múltiplas vezes após contato sexual desprotegido.

“Creio que essa será uma medida de exceção, entretanto, só o futuro é que vai nos dizer sobre o real comportamento da população e sobre a taxa de transmissão”, completa.