A vida é mais valiosa do que um jogo

Muitas pessoas se lembram da morte súbita, ao vivo pela TV, do zagueiro Serginho, do São Caetano, em outubro de 2004. No entanto, nem todos desconfiam que um evento desses em atletas de alto nível é apenas a ponta do iceberg. Centenas de praticantes, entre eles, diabéticos, hipertensos e cardiopatas, são vítimas desses acidentes previsíveis, nas quadras e nos campos. Em uma semana, Eraldo, no bairro do Seminário; Pedrinho, em Pinhais, e Ricardo, na Fazendinha, sofreram mal súbito quando corriam atrás de uma bola. Destes, só Ricardo se salvou, mas continua em observação. É bom lembrar que o universo dos jogadores de ?pelada? não se resume apenas a esses três locais, por isso não existem estatísticas de quantos infartos aconteceram nesse período.

A falta de tempo e de ânimo para praticar esportes com maior freqüência fez surgir os chamados atletas de final de semana, que hoje em dia podem ser chamados atletas da quarta-feira ou da quinta. Pessoas que se mantêm praticamente sedentárias a maior parte do tempo e acabam concentrando a atividade física num único dia. Esse costume pode acarretar sérios problemas à saúde, de dores musculares, estiramentos, entorses e, em casos mais graves, problemas cardíacos irreversíveis, muitas vezes fatais.

Combinação perigosa

É fácil de entender: caminhar por uma hora ou correr por 30 minutos, três vezes por semana, não é o mesmo que correr duas horas em apenas um dia da semana. Sem contar as questões emocionais que envolvem o jogo, a disputa. ?Ainda mais quando o praticante já tem certa idade e sofre de doenças que nem sabe que existem?, adverte o cardiologista Pedro Vicente Michelotto, da Clinicor, que já pendurou as chuteiras e escolheu o golfe como seu novo esporte. Conforme lembra o especialista, muitos ex-atletas em atividade, mesmo completamente fora de forma, insistem em ?bater uma bola? sem investigar se estão com saúde para isso. ?Muitos até por vaidade?, comenta.

A combinação de fatores, como obesidade, cigarro e estresse, a uma atividade física inconseqüente é extremamente perigosa. E mesmo uma pessoa que não esteja inserida no grupo de risco de doenças cardiovasculares não está livre do perigo. A morte súbita pode acontecer mesmo com pessoas bem condicionadas. No meio médico, ela passou a ser conhecida por MSEE (morte súbita no exercício e no esporte).

Os médicos fazem questão de reconhecer que a prática de atividades físicas é importante para se obter melhoria nas condições de saúde da população e deve ser sempre estimulada. ?Isso porque ela ajuda a baixar os níveis de colesterol e de diabetes, além de auxiliar no controle da pressão arterial e melhorar a capacidade respiratória?, garante Marcos Bubna, cardiologista do Hospital Cardiológico Costantini. O ideal, segundo os parâmetros da Sociedade Brasileira de Cardiologia, é praticar uma atividade aeróbica pelo menos quatro dias por semana, com um mínimo de 40 minutos de duração, que podem ser divididos em dois ou três períodos diários.

Avaliação sistemática e periódica

No entanto, o especialista em medicina do esporte Marcelo Leitão recomenda que uma avaliação pré-participação ?sistemática e periódica? nessas atividades é a estratégia mais eficiente para se prevenir tais ocorrências. ?Essa avaliação deve ser realizada por médico especializado e em todas as pessoas que praticam exercícios e esportes, em qualquer nível?, avisa.

Dependendo das características do praticante avaliado, o médico deve solicitar ou não uma série de exames complementares. Marcelo Leitão também ressalta que é importante que se esclareça que, para pessoas saudáveis que praticam qualquer atividade física, seja para fins competitivos ou não e independentemente da intensidade, o risco de morte súbita é inexpressivo.

Michelotto elucida que, para praticantes de atividades físicas com idade inferior a 35 anos, as causas mais freqüentes de MSEE são as chamadas cardiopatias congênitas, anomalias cardíacas que podem levar anos para se manifestar. ?Acima dessa idade, a causa mais freqüente é a doença arterial coronariana, ocasionada, principalmente, pelo entupimento das artérias que levam sangue ao coração?, descreve.

Por isso, Marcelo Leitão explica que, para liberar um atleta para a prática desportiva, é preciso passar por uma seqüência de exames. ?Alguns testes são básicos, mas havendo qualquer tipo de anormalidade, exames específicos devem ser solicitados?, ressalta, citando que um exame computadorizado realizado em laboratório de ergoespirometria fornece todos os parâmetros de avaliação pré-esportiva e periódica, inclusive para atletas de fim de semana.

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Avaliação clínica

Para a Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva, a questão fundamental para se liberar as pessoas para práticas esportivas é a avaliação clínica, tanto pela facilidade com que é realizada quanto por seu custo, bastante acessível à população. As diretrizes recomendam que esse tipo de avaliação deve ser estendido a todos os praticantes de atividades físicas, independentemente da idade, da condição socioeconômica ou da periodicidade com que a pessoa vai se dedicar à atividade. Para Marcelo Leitão, a forma mais eficaz de se prevenir a MSEE é criar o hábito de realizar avaliações médicas periódicas (no mínimo anualmente) e conhecer suas reais condições de saúde para a prática de qualquer tipo de atividade física.

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