A doença social que padecemos (III)

Os senadores José Agripino e Antônio Carlos Magalhães, durante a sessão do Senado Federal, em 29 de maio de 2006, profligaram, com expressões contundentes, tudo quanto tem sido amplamente divulgado pelos meios de comunicação, particularmente pela imprensa, mediante a palavra escrita por renomados jornalistas e outros intelectuais, retratando o conspurcado ambiente em torno do poder, em Brasília. O alvo direto, de ambos os parlamentares, foi o Poder Executivo, citando nominalmente o presidente da República. Contudo, não pouparam determinados integrantes do Poder Legislativo.

Como têm sido corrompidos os costumes!

Os acontecimentos sucedem-se progressiva e insensivelmente, a ponto de causar a perda, também progressiva, da capacidade de indignação.

As gerações mais velhas recordam-se dos acontecimentos ocorridos nos anos da década de 1950, mais precisamente 1954, quando o então presidente Getúlio Vargas chegou a reconhecer que estava num mar de lama. Esse lodaçal era ?fichinha? diante do que acontece em Brasília, o que os órgãos de comunicação não se cansam de repetir.

O insuspeitável historiador Hélio Silva que, antes de assumir a importante missão de registrar, desapaixonada ou tendenciosamente a verdade histórica, dedicava-se ao exercício da Clínica, pois era médico, em seu livro 1954 – um tiro no coração, edição 2004, fez um relato fiel dos acontecimentos que culminaram com o trágico gesto do presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954.

A propósito do funesto acontecimento, Hélio Silva concede a palavra ao jornalista Osvald de Andrade, cujo conceito do estadista Getúlio Vargas pode ser resumido pela seguinte expressão:

?Morreu no seu posto. Não devia ser outro o fim dum dos homens mais representativos de seu tempo, um tempo que viu derrocados os valores calmos da cultura e da paz. Seja qual for a opinião que se possa ter dele. O senhor Getúlio Vargas esteve à altura das convulsões políticas do mundo atual. Sem ele o Brasil não marchasse, talvez, de acordo com a transfiguração porque passou a história contemporânea… O holocausto de Vargas coloca-o acima de intrigas e discussões. Ele soube ser lógico, quis levar até o fim a arrancada que começara com o Movimento de 1930. Como sua vida não foi de paz, não podia ser de paz a sua morte. A carta de Vargas é um dos maiores documentos da nossa história política contemporânea. É o testemunho da extraordinária habilidade desse condutor de homens. De um golpe, ele força a história e propõe a redenção de todas as suas possíveis faltas e pecados.

Um documento tão alto a carta-testamento pelo qual fere alguns pontos extremamente importantes do momento nacional, particularmente quando conclama à luta contra os imperialismos. Aponta ele, assim, em testamento, um caminho que deve ser seguido, o da luta pela emancipação nacional (30 de agosto de 1968).

Os pronunciamentos feitos em 29 de maio pelos senadores José Agripino e Antônio Carlos Magalhães mostraram que os tumultos, a corrupção e a impunidade, atingiram graus extremamente mais graves do que aqueles que marcaram os acontecimentos do ano de 1954, culminando com o gesto extremo, lamentável, do presidente Getúlio Vargas.

Impressionante como, despudoradamente, a pretexto de vivência democrática, acobertam-se os mais escandalosos procedimentos.

Desponta uma dúvida: será a democracia o melhor regime político? A resposta é simples: o regime democrático, sistema de governo com base na soberania popular. Vale dizer governo do povo, pelo povo e para o povo, se não é o melhor, é o menos ruim.

Mas não é o que acontece, não apenas no Brasil, evidentemente. Mas o que ocorre no Brasil necessita urgentemente de revisão. O gerenciamento da vontade e, acima de tudo, das necessidades da maioria do povo brasileiro, sofre de grave contaminação. Quando se argumenta sobre o aperfeiçoamento do ?gerenciamento? do bem comum previsto em qualquer Constituição que mereça confiança e que, praticada, atenda aos anseios de todas as camadas sociais, repita-se: a Constituição, como a própria Constituição Cidadã (Ulisses Guimarães) reza, define, em seu Art. 5.º – ?Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza…?.

Eis uma razão, talvez a mais grave causa da doença social de que padece o povo brasileiro.

Os ônus para a sustentação dos poderes, nos três níveis: federal, estadual e municipal, em vez de reduzirem progressivamente, aumentam sempre mais. Recursos e mais recursos são dispendidos em ações as mais diversas, em deslocamentos, por exemplo, para inaugurações de obras, cujo funcionamento podem e devem ter inicio, para que atendam os fins colimados.

Alguns comentários correntes, evidenciam a hipertrofia dos poderes Executivo e Legislativo.

No Poder Executivo, o exagerado número de ministérios, cada um com parafernália burocrática própria.

No Poder Legislativo, o número exagerado de representantes dos estados. O funcionamento em três dias por semana é absolutamente precário e injusto, face às necessidades nacionais.

Evidentemente não é só no Brasil o excesso de parlamentares, como se teve notícia nas recentes eleições italianas, cujo número de deputados é maior do que o já exagerado número em nosso País, que poderia ser de no máximo 10 deputados por estado, os mais populosos; e o número de 5 deputados como representantes dos estados menos populosos.

O Senado poderia permanecer com o número atual de 3 representantes por estado.

Dois outros fatores são imprescindíveis:

1º voto distrital puro

Permitiria a eleição de representantes merecedores da confiança da população distrital. Candidatos indicados pela própria população, que consideraria os verdadeiros benfeitores da coletividade. E os gastos consideravelmente reduzidos.

2.º voto facultativo

Cada cidadão deve ter o direito de votar, ou abster-se, de acordo com a sua consciência.

Ainda um outro fator: os parlamentares devem ser bem remunerados. Mas têm o dever de fazer presença no respectivo legislativo, de segunda a sexta-feira. Mais: deve ser cancelado o transporte aos estados de origem, por conta do erário. Os parlamentares têm direito à moradia por conta do estado. Uma vez eleito, deve passar a residir na Capital Federal.  

Quem tem medo do voto distrital e do voto facultativo?

Outra praga que compromete a saúde social é a mentira. Muitos aprenderam e aplicam com requintada malícia, os preceitos atribuídos a duas figuras históricas: Pensador francês Voltaire:

?Menti, menti, menti, alguma coisa permanece?.

E o general e político Joseph Goebbels, ministro da Propaganda e Informações do III Reich, predestinado por Hitler como seu sucessor, e que se suicidou, com toda a família, preconizava: ?A mentira repetida, reiteradamente, converte-se em realidade?.

O que é a mentira?

Mentira é uma afirmação contrária à verdade, a fim de induzir a erro. Tudo quanto visa a enganar, ou de transmitir falsa impressão; fraude.

Aristóteles distingue duas espécies fundamentais de mentira: ?a jactância, que consiste em exagerar a verdade; e a ironia, que consiste diminuí-la?. E acrescenta: ?estas são mentiras que não dizem respeito às relações aos negócios, nem à justiça. Nestes casos, não se trata de simples mentira?. Na expressão popular: ?mentira que não acarreta dano?.

Ainda segundo Aristóteles ?A mentira que fere negócios e a justiça constitui vício grave, fraude, traição, calúnia, etc.?

Para Santo Tomas de Aquino: ?A mentira é má por si mesma, que deve ser evitada, por ser abominável, odiosa. É o oposto à verdade, que é boa e louvável.?

A ?esperteza?, vício rotineiramente expresso, com requinte e até com vanglória, presunção, vaidade, é uma forma de falsidade orgulhosa dos mentirosos.

Eis uma das mais graves manifestações de doença social, a MENTIRA!

Ary de Christan – membro Fundador da Academia Paranaense de Medicina.

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