A arte da superação nas telas dos cinemas

Sucessos de crítica e de público, alguns filmes contribuíram e muito para desmistificar e tornar conhecidos aspectos ligados à saúde.

Aquelas películas baseadas em histórias reais (às vezes, nem tanto) que tratam de temas ligados às doenças, geralmente, fazem o público sair em prantos das salas de projeção.

No entanto, uma boa parte deles são lembrados não só pelos níveis de sensibilidade que afloram da platéia, mas por usar as técnicas da sétima arte para difundir doenças, muitas vezes, negligenciadas; tratamentos imponderáveis e recuperações baseadas, principalmente, na força de vontade ou na fé dos doentes.

Assim, a indústria cinematográfica, por meio de superproduções ou mesmo com orçamentos enxutos vai ajudando médicos e terapeutas a desmistificar enfermidades do corpo e da alma.

Para quem assistiu o filme Melhor é impossível (1997) dificilmente deixará de se recordar do extravagante comportamento obsessivo-compulsivo do personagem vivido por Jack Nicholson.

O cinema de Hollywood também estampou com clareza nas telas o sofrimento que o glaucoma causou ao cantor Ray Charles, no premiado Ray, de 2005.

Outro caso real é o do matemático esquizofrênico John Nash, interpretado por Russell Crowe, vencedor do Oscar, em Uma mente brilhante (2001).

Temas reflexivos

O fato é que, seja como tema central ou como pano de fundo, o binômio saúde-doença quase sempre se transformou em sucesso de bilheteria e marca presença na filmografia mundial.

Isso porque, além de fazer o público pensar nas enfermidades de outra forma, servindo como ferramenta para a quebra de tabus e reflexão sobre valores, encarar esse assunto difícil é mais fácil quando os personagens são envolvidos pela música, jogo de luzes e outros truques que só as equipes e os diretores cinematográficos conseguem.

“Mais que um estado patológico, a doença pode nos mostrar uma outra dimensão humana, um estado latente no qual podemos perceber a fragilidade do ser humano”, analisa o diretor Marcelo Munhoz, um dos coordenadores do projeto Ficção Viva, que está finalizando um curta-metragem que tem como personagem central um paciente que sofre um acidente vascular cerebral (AVC).

O cinema, por ser considerado como uma arte, não prima, necessariamente, em contar fatos verdadeiros, sua narrativa consegue se liberar dos depoimentos dos envolvidos, fantasiando situações ou inventando outras, tudo para atingir o lado emocional do espectador e, ao mesmo tempo, descrever uma doença ou o passo-a-passo dos tratamentos.

Dimensão humana

Em O relógio, ainda com nome provisório, é o objeto do título que pontua a transição do advogado Osvaldo antes e depois do derrame, momento a partir do qual em contato com uma enfermeira passa a repensar sua vida e seus valores. Para a construção do filme, a equipe realizou pesquisas de campo em hospitais e clínicas de fisioterapia, além de conversarem com médicos e pacientes.

Se de um lado o cinema está cheio de histórias de superação de doenças – físicas ou mentais -acompanhadas quase sempre de adjetivos, como “milagre” ou “fantástico”, truques clássicos de roteiro e muito apelo sentimental, por outro o tema já rendeu premiadas obras na história da sétima arte, entre os quais, Persona (1966), de Ingmar Bergman, ou O homem elefante (1980), de David Lynch, passando por produções mais conhecidas, como Rain man, de 1988, estrelado por Dustin Hoffman e Tom Cruise, O óleo de Lorenzo (1992) e O escafandro e a borboleta, de 2008.

A doença sempre esteve presente no cinema, seja como tema central ou apenas como pano de fundo. Muitas vezes, o mesmo tema se repete na filmografia mundial.

Para o pesquisador Ives Mauro, talvez porque a doença seja mais que um estado patológico. “É uma dimensão humana, um estado latente onde podemos perceber o ser humano em sua mais completa solidão e abandono”, observa.

Sentimento de culpa

Susan Sontag afirma que “a doença é o lado sombrio da vida, uma espécie de cidadania onerosa” e que nã,o se deve abordar a doença física em si, mas o uso dela como símbolo ou metáfora.

As fantasias que as doenças inspiraram, e ainda inspiram, constituem reflexos de uma concepção segundo a qual “a doença é intratável e caprichosa, um mal incompreendido, em uma era em que a premissa básica da medicina é a de que todas as doenças podem ser curadas”.

Ives Mauro explica que, ao perceber que as doenças são eventos sociais, carregados de sentimento de culpa, comiseração e redenção, o cinema as usou como tema, construindo painéis de uma determinada época ou sociedade.

O pesquisador investigou a cinematografia de Pedro Almodóvar, tomando Tudo sobre minha mãe, de 1999, como estudo de caso, uma vez que um filme, como qualquer outra manifestação humana, mantém relações de interdependência com outras esferas, sejam elas políticas, econômicas e sociais.

O objetivo seria justamente perceber e discutir como este diretor constrói e usa o conceito “doença”. “Minha hipótese é que a doença quase sempre é utilizada como metáfora de transformação de indivíduos ou da sociedade em suas tramas”, enfatiza.

A temática da doença

Persona (1966): Neste clássico do cinema de Ingmar Bergman, uma atriz teatral de sucesso sofre uma crise emocional e emudece.

Para se recuperar, parte para uma casa de campo, sob os cuidados de uma enfermeira, que a admira e tenta compreender a razão de seu silêncio.

Vencedor do National Society of Film Critics Awards nas categorias de Melhor Filme, Melhor Atriz (Bibi Andersson) e Melhor Diretor (Bergman).

O homem elefante (1980): O diretor David Lynch usa a história verdadeira da vida de John Merrick, que nasceu com uma terrível deformidade física e é explorado como atração circense até que um médico (Anthony Hopkins) descobre que, a despeito de sua aparência incomum, Merrick é um ser humano sensível, inteligente e gentil. Teve oito indicações ao Oscar e quatro ao Globo de Ouro.

Rain man (1988): Neste filme, um rapaz (Tom Cruise) descobre que tem um irmão autista (Dustin Hoffman) para quem o pai deixou toda sua fortuna.

Resolve então “raptá-lo” para tentar forçar um acordo financeiro com os tutores do irmão, porém em sua viagem de volta, passa a conhecer as dificuldades e os seus dons. Assim, surge um sentimento de amor e carinho que une os dois. Vencedor de quatro Oscars.

Melhor é impossível (1997): é o TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), que aflige o personagem de Jack Nicholson. Pouco a pouco, o neurótico sente-se desafiado a mudar seu comportamento francamente agressivo para poder conviver com as pessoas. Levou dois Oscars.

Uma mente brilhante (2001): A história real de John Nash (Russell Crowe), um matemático ganhador do Prêmio Nobel que sofre o drama da esquizofrenia. Foi ganhador de quatro Oscars.

O escafandro e a borboleta (2008): Trata-se da história de Jean-Dominique Bauby, editor da revista Elle, que tem um acidente vascular e fica paralítico, vítima de uma síndrome chamada locked-in, em que o único movimento que lhe resta no corpo é o do olho esquerdo.

A partir de então, Bauby tem de aprender a conviver com aquele estado. Ganhou dois Globo de Ouro (melhor filme estrangeiro e melhor direção), melhor direção e o Grande Prêmio Técnico no Festival de cinema de Cannes e ainda recebeu quatro indicações ao Oscar.

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