Quando fevereiro chegar, Euclides Venturin e os filhos Charles e Maicol vão se embrenhar nos parreirais da Vigneti Famiglia Venturin para colher a uva. Depois de um ano cuidando da plantação, chegou a hora do bendito fruto descer da árvore. Em fevereiro de 2010, parte dele tem endereço certo: a Festa da Uva de Caxias do Sul, que começa no dia 18 e encerra no dia 7 de março. Euclides é um fornecedor do produto para a festa.

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Assim como a uva tem tempo para desenvolver, amadurecer e ser colhida, a festa segue ritmo semelhante, com preparação prévia, que inclui escolha das soberanas – rainha Tatiane Frizzo e as princesas Aline Galvan Perera e Kátia Pisetta Weber, cujos rostos ilustram o material publicitário. A verdade é que as moças têm intensa agenda para divulgar o evento. Elas são mensageiras da cidade que, se reprisar edições anteriores, vai receber um milhão de pessoas do Rio Grande do Sul e demais estados.

Por isso a família Venturin sabe que tem trabalho. Euclides, descendente de Valentino, patriarca que deixou Vêneto no final do século 19, mora numa propriedade rural de 25 hectares, padrão no município. Ele se dedica à produção de uva de mesa, embora produza “para consumo próprio” cerca de cinco a seis mil litros de vinho por ano. Anualmente colhe 25 toneladas de uva de mesa e vinícolas, das variedades Itália, Niágara, Rubi, Ribol, Clara, Isabel, Bordô e outras.

Assim como Euclides, outras famílias estão com a mesma expectativa. Na Vinícola Zanrosso, cujos antepassados chegaram ao Brasil em 1914, a produção equilibra entre variedades para mesa e para o vinho Merlot e Sauvignon. O mesmo se repete em outros pontos do município. A festa serve também para resgatar hábitos dos imigrantes, alguns ameaçados de desaparecer, como o divertido jogo da mora na comunidade Nossa Senhora das Neves, onde até mulheres jogam bocha.

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As Olimpíadas Coloniais incluem ainda o velho pau de sebo, corrida de cariola, arremesso de queijo, laço de vaca parada, prova de biguli (que premia quem produzir maior quantidade de massa), além das provas de briscola, trissete, quatrilho e mora. Tudo transforma Caxias do Sul numa grande festa em fevereiro, festa que, embora praticada em várias comunidades, se concentra no amplo Pavilhão da Uva, onde foi reconstituído o núcleo pioneiro da cidade, com casas de madeira, como feitas pelos pioneiros.

O que há para ver

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Mas ir à Festa da Uva é também chance rara de conhecer no local a história da imigração italiana. A ocupação da região serrana a partir de 1875 é exemplo de superação de obstáculos. A começar pela dificuldade de acesso: o território fica além e mais alto da área concedida aos imigrantes alemães, que chegaram antes. É uma região fria, 740 metros acima do nível do mar, e, na época, de mata intensa, desprovida de médicos e de instrumentos para a lida na terra e no lar. E com índios kaingangues nos arredores, o que deu ao lugar o nome inicial de Campo dos Bugres.

Embalados pela lenda da Cucagna, país imaginário, para usar expressão popular, os italianos comeram o pão que o diabo amassou, mas forjaram mentalidade vencedora. O que chamam hoje de empreendedorismo. Eles são bom nisso. E basta olhar ao redor para conferir que produziram boas lições. Conhecer o roteiro da gente da terra é tão bom quanto comer uma uva fina ou beber um bom vinho ou espumante da região. Até porque é uma gente hospitaleira, com culinária farta e deliciosa.

O roteiro pode começar pela Casas Bonnet, de pedra, erguida pelo francês Henri Bonnet que fez dela uma pousada para os imigrantes. Há 60 anos a casa pertence à família Tonieto. Nos Caminhos da Colônia encontram-se as cantinas Zanrosso e Tonet, onde o turista pode degustar e comprar vinhos de boa qualidade, além de produtos da colônia.

Há ainda o roteiro Ana Rech, que leva ao Castelo Lacave, réplica de castelo medieval, com salas temáticas, restaurante e adega. No centro da cidade, é obrigatória visita à Igreja São Pelegrino com suas portas de bronze, murais e quadros de Aldo Locatelli, além de réplica da Pietá, de Miche,langelo.

Uma passagem pela Casa de Pedra ajuda a conhecer a vida do imigrante italiano no século 19 e os seus instrumentos de trabalho. O Monumento Nacional ao Imigrante, inaugurado em 1954 por Getúlio Vargas, durante a Festa da Uva daquele ano, é outro ponto obrigatório. Na parte externa, ostenta bela escultura de 4,5 metros de altura, que retrata a luta dos imigrantes; o interior tem abundantes documentos, além de instrumentos dos imigrantes. A religiosidade dos imigrantes, de maioria católica, pode ser encontrada nos mais variados pontos da cidade, com destaques para a Catedral Santa Tereza de Ávila, no centro, e o Cristo do Terceiro Milênio, busto com 21 metros de altura em argamassa armada, do artista Bruno Segalla. E para o olhar atento, Caxias do Sul tem muito mais. É só ir e conferir.

O jornalista viajou a convite da Comissão Comunitária da Festa da Uva.