Turismo segue no rastro dos tropeiros

Do início do século XVIII até a década de 30 do século passado, campos verdes do interior do Paraná foram o cenário de um processo de desenvolvimento econômico, cultural e social que teve os tropeiros como personagens principais. Vindos do interior do Rio Grande do Sul, passando por Santa Catarina, eles cruzavam todo o Estado, transportando o progresso no lombo dos cavalos e seguindo rumo, principalmente, a São Paulo e Minas Gerais. Hoje, esse mesmo cenário assume outro papel importante na economia de dezesseis municípios paranaenses: atrair o turismo e alavancar todos os setores inerentes a essa grande indústria.

Pelo menos esse é o objetivo principal da Rota dos Tropeiros, o mais novo roteiro turístico do Paraná, que abrange os municípios de Rio Negro (divisa com Santa Catarina), Campo do Tenente, Lapa, Porto Amazonas, Balsa Nova, Campo Largo, Palmeira, Ponta Grossa, Carambeí, Castro, Tibagi, Telêmaco Borba, Piraí do Sul, Arapoti, Jaguariaíva e Sengés (divisa com São Paulo).

O grupo Seresta da Lapa saúda
os turistas em clima nostálgico.

Ao percorrer a rota, o turista vai se surpreender como o Paraná tem história para contar, cultura e artesanato para mostrar e uma natureza cheia de pequenas surpresas. Nesta edição, o descritivo dos atrativos de dois municípios: a Lapa, um dos que mais conservam a história do tropeirismo, e Rio Negro, portão de entrada dos tropeiros que vinham de Santa Catarina.

Lapa

A apenas 66 quilômetros de Curitiba, a Lapa é um dos mais interessantes municípios da Rota dos Tropeiros. Porque tem natureza, cultura, boa gastronomia e muita, muita história. O município se destaca por ter sido o cenário de um dos conflitos mais importantes do País – a Revolução Federalista, aqui nomeada Cerco da Lapa.

A Casa Lacerda é o único museu federal da Lapa que preserva sua decoração original.

E faz questão de conservar suas memórias. Por isso, lá, a sugestão é iniciar o passeio pelo colorido centro histórico, que abriga casarios construídos no século XIX e início do século XX. Ao todo são 235 imóveis concentrados em quatorze quarteirões. Para quem conhece a Lapa pelas fotos de catálogos, a surpresa é boa: tudo ali é limpo e bem conservado, com pintura novinha, o que dá à cidade um ar de cenográfica. Muitas das casas centenárias foram inauguradas como museus só recentemente.

Quem gosta de história e também de cultura ali se realiza ao visitar, por exemplo, o gracioso Theatro São João, inaugurado em 1876 como sede da Associação Literária Lapeana e biblioteca, e que serviu de enfermaria durante o Cerco da Lapa. Hoje, tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional, o espaço, com capacidade para 210 pessoas, continua bem aproveitado. Constantemente é palco de espetáculos culturais, além de abrigar outros eventos como congressos e lançamento de livros.

Casario do centro histórico é bem conservado: parece uma cidade cenográfica.

No centro fica também o Museu do Tropeiro, conhecido por muitos como Casa Vermelha, uma das mais antigas da cidade. Já foi casa de comércio e hotel, hoje abriga o Centro de Artesanato Aloísio Magalhães e, como Museu do Tropeiro, guarda a história da atividade tropeira dos tempos do Caminho do Viamão, movimento que deu início à Lapa, dentre outras cidades paranaenses. As peças em exposição são doações de ex-tropeiros.

Ao seguir nessa espécie de viagem no tempo, o turista se depara com o Museu Histórico da Lapa, inaugurado como tal há apenas dois anos. É nessa casa, construída no século XIX que morreu General Carneiro, o grande líder da Revolução Federalista, em 1894.

Estão ainda no centro o Memorial Ney Braga, inaugurado em junho deste ano na casa onde viveu o ex-governador; a Casa da Memória, imóvel construído em 1888, que hoje guarda documentos sobre a origem do município. Foi reinaugurada no ano passado.

A gruta é o atrativo
principal do Parque
Estadual do Monge.

A Casa Joaquim Lacerda, onde foi assinada a rendição da Lapa, em 1894, é o único museu federal da cidade que preserva sua decoração original. Nela estão objetos e móveis que demonstram os costumes e o modo de vida das famílias do século XIX.

Foi aberta como museu em 1986. Logo em frente está o Panteão dos Heróis, monumento que abriga os restos mortais de grandes personalidades políticas e militares do Estado, como os coronéis Aminthas de Barros e Dulcídio Pereira.

Como toda cidade histórica, Lapa ostenta também uma Casa de Câmara e Cadeia, hoje Museu de Armas.

Fé e misticismo

Ainda no centro, a fé dos lapeanos é representada pela presença das igrejas católica – Santo Antônio – e a luterana, e também pelo Santuário de São Benedito, em uma construção contemporânea imponente, situada no mesmo local onde antigamente havia uma capela erguida pelos escravos em homenagem a São Benedito. Longe dos prédios seculares, a 3,5 quilômetros do centro, uma outra espécie de santuário também atrai moradores e visitantes. É o Parque Estadual do Monge, criado em 1962. Lá, além da densa vegetação, quedas d?água e uma fonte que dizem ser milagrosa, o principal atrativo é a Gruta do Monge, visitada por muitos turistas, principalmente nos fins de semana. A gruta teria sido abrigo do ermitão João Maria D?Agostini, que se dedicou ao estudo das plantas da região, fazendo orações públicas e medicando enfermos. O acesso até lá é fácil, feito pela Avenida Getúlio Vargas, inteiramente asfaltada.

Receptiva por vocação

A Lapa é receptiva por natureza. Na rua que até hoje é seu principal corredor – a Avenida Manoel Pedro, mas ainda conhecida como Rua das Tropas – os tropeiros encontravam o que precisavam: ferraria, selaria e estalagem. Por isso, ali costumavam fazer suas paradas mais longas, o que conferiu à cidade a característica de receptiva.

Hoje os turistas lá são recebidos com música. Há cinco anos, no segundo sábado de cada mês, o grupo Seresta da Lapa se apresenta em um cenário diferente da cidade para saudar os turistas. Por isso, não se surpreenda se chegar à cidade e lá encontrar um clima todo nostálgico, que remete aos bailes que eram embalados por canções de Francisco Petrônio e Nelson Gonçalves. É a Seresta da Lapa, que tem também em seu repertório composições próprias, como Saudade da Lapa, de Pedrinho Viola e Márcio Assad.

Rio Negro reflete influência européia

A Casa Bucovina, hoje um
espaço cultural, remete ao
período da colonização alemã.

Quem vai a Rio Negro pela primeira vez se surpreende com uma característica: a largura de suas ruas. Logo vem a explicação: o território onde hoje é Rio Negro e que antes pertencia à atual Lapa, era muito utilizado para a passagem das tropas. No limite com o município de Mafra (SC), Rio Negro foi o portão de entrada dos tropeiros no Paraná, que cruzavam o Estado até Sengés, já na divisa com São Paulo.

De colonização européia, a pequena cidade de 28.650 habitantes, situada a cerca de 110 quilômetros de Curitiba, ainda guarda lembranças e a influência, principalmente, de portugueses e alemães. Um dos exemplos é a Casa Bucovina, que foi a escola onde estudavam os filhos dos cerca de 280 alemães que vieram da região da Bavária e que ajudaram a colonizar o município, a partir de 1887. Hoje o imóvel, de estilo enxaimel, ainda abriga os móveis da época da escola, mas agora é um espaço cultural, de exposições de arte temporárias. É de responsabilidade da Associação Alemã Bucovina de Cultura.

Jovens lapeanas caracterizadas para receber os turistas.

Além dos alemães oriundos da Bucovina, região que hoje faz parte da Romênia, há na cidade também os descendentes dos oriundos de Trier, que foram, na verdade, os primeiros a chegar, em 1826. Por lá, esses germânicos ficaram e foram fazendo a história da cidade. Hoje, a ponte, construída em 1896, que liga Rio Negro a Mafra, homenageia um desses alemães, Diniz Assis Henning. Essa ponte, mais conhecida como metálica, rende até hoje uma das histórias contadas aos turistas que visitam a cidade. Quem a vê percebe que seu comprimento não é suficiente para servir de ponte sobre o Rio Negro e, por isso, foi necessário construir extensões dos dois lados do rio. Conta a ?lenda? que a ponte que tinha que vir para Rio Negro foi para uma cidade homônima na África. Mas há quem diga que a história das pontes trocadas foi, na verdade, uma justificativa para o erro de medição dos que encomendaram o equipamento para a Suíça. De qualquer forma, virou uma curiosidade da cidade.

Parque histórico é cheio de atrativos

Prédio que abrigou um seminário
hoje é a sede da Prefeitura,
no Parque São Luís de Tolosa.

A menos de cinco quilômetros do centro está um dos pontos turísticos mais interessantes de Rio Negro. Situado no bairro Seminário, o Parque Ecoturístico São Luís de Tolosa reúne atrativos históricos, culturais, assim como de fé e misticismo em uma área natural de 1,1 milhão de metros quadrados que inclui várias espécies de animais e plantas em extinção.

O recomendado é que o turista visite o parque com tempo e faça a reserva antecipada da visita para ter o acompanhamento de um guia local, já que lá há muito o que se ver e ouvir. O coração do parque é um prédio, que começou a ser construído em 1918 e que, de 1927 a 1970, foi sede do Seminário Seráfico, administrado pela congregação franciscana e que abrigava 118 seminaristas de Blumenau (SC).

Ponte metálica que liga Rio Negro a Mafra (SC) é tema de uma das histórias curiosas da região.

Tombado pelo Patrimônio Histórico e Cultural do município desde 1978, o grande prédio de 9,4 mil metros quadrados é sede da Prefeitura de Rio Negro desde 1999, além de reunir Procon, Correios e agência bancária. Pelos serviços oferecidos no local, a Prefeitura determinou que seis linhas de ônibus que fazem o percurso centro-Seminário circulem sem cobrar tarifa.

O charme do parque fica por conta do Cine Teatro, espaço onde os seminaristas realizavam espetáculos. Preservando seu formato original, o espaço, conhecido por Cine Seminário, é bastante movimentado, exibindo semanalmente quatro espetáculos e abrigando também palestras e convenções.

Outro ponto que chama a atenção pelo valor artístico é a Capela Cônego José Ernser, cuja pintura feita por Pedro Cechet no período de 1932 a 1935 foi totalmente restaurada em 2000. Além disso, o prédio histórico exibe ainda a Cidade de Belém, um presépio feito em palha de milho com 1,7 mil personagens, além de edificações e elementos geográficos que retratam o cotidiano da época do nascimento de Jesus. Dizem ser o maior do mundo dessa espécie.

O espaço onde, na época do seminário, funcionavam a cozinha e os antigos refeitórios dos padres franciscanos, hoje é o Museu Maria José França Foohs, inaugurado em 2002. O acervo resgata usos e costumes dos primeiros moradores de Rio Negro. Lá estão, por exemplo, objetos usados na cozinha, máquinas registradora e de escrever, móveis e louças de origem alemã e polonesa, armas indígenas, objetos usados pelos tropeiros e até animais empalhados que eram vendidos pelos padres para ajudar no sustento do seminário.

Curiosidades na mata

Depois de viajar pela história nas dependências do prédio, o turista é convidado a percorrer parte da grande área natural. Guias treinados no centro ambiental local conduzem os turistas por algumas das cerca de 4,8 mil trilhas. No meio do caminho, algumas curiosidades, como o tronco tombado de uma árvore que, supostamente, foi cortado para liberar a passagem pela trilha; além de plantas e animais em extinção que, de repente, cruzam o caminho dos visitantes.

No meio da natureza, um recanto de contemplação é a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, réplica da francesa, e onde os turistas costumam jogar moedas pedindo em troca a realização de desejos, embora os guias orientem que não se deva fazer isso.

E mais adiante, o Campo Santo, o pequeno cemitério dos franciscanos, que, segundo contam os guias, é local de reencontro das almas perdidas de um padre e uma freira que queriam se casar. Histórias e curiosidades que deixam o passeio ainda mais interessante e fazem com que o turista dê a volta no parque sem sentir, muito menos, cansaço. (DS)

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo