Seja muito bem-vindo à Amazônia

Se você quer conhecer a Amazônia e não sabe por onde começar, comece pelo começo, comece por Belém. A capital paraense é a porta de entrada da Amazônia. Se ali não está toda a Amazônia, pelo menos o essencial aguarda o visitante.

Um encontro com a cidade não transforma ninguém num especialista em assuntos amazônicos – impossível diante do quase infinito volume de segredos e mistérios que a região abriga – mas permite que se retorne ao ponto de origem com a agradável sensação de a Amazônia ser um pouco familiar e não a difusa área geográfica do planeta de que todos falam e poucos, muito poucos, conhecem.

Cálculo divulgado no Festival Internacional de Turismo da Amazônia revela que apenas 0,05% do movimento turístico internacional contemplam este destino.

É muito pouco. Uma pena. Ao redor de Belém, há florestas – um dos cinco ecossistemas da região – e se o visitante não for um botânico fanático ficará satisfeito com o que vai encontrar.Ao redor da cidade há rios que formam o estuário do grande Amazonas, a Ilha de Marajó está a pouca distância dali – o belenense vai dizer pelo menos três vezes que a ilha é maior que muitos países da Europa, como Holanda e Suíça.

O visitante vai ouvir pela terceira vez ainda mais impressionado que na primeira, porque ao redor a natureza não desmente o nativo. Belém tem parques como o Jardim Botânico da Amazônia (Bosque Rodrigues Alves) e Mangal das Garças, com exemplos de flora e fauna. Tem o belo Museu Paraense Emílio Goeldi, criado em 1866, a mais antiga instituição de pesquisas da região amazônica.

É uma cidade curiosamente arborizada – existem muitas mangueiras nas ruas e o visitante deve tomar cuidado quando elas estão maduras ou venta forte: as mangas caem na calçada sobre quem estiver ou mesmo sobre o teto de carros estacionados.

Se o visitante atravessar o rio em passeio de barco pelos afluentes que cortam as ilhas -rios que recebem nome de “furo” – vai entrar em contato com a mata e seus moradores que cultivam cacau, castanha-do-pará, jacas, açaí e outras frutas nativas.

E vai encontrar árvores de idade, altura e circunferência admiráveis, como é o caso da sumauma (ceiba pentandra), cujo tronco de tão robusto requer mais de vinte pessoas para abraçá-lo.

Por mais que o visitante saiba que mais ao sul os madeireiros devastam boa parte do território, a impressão que fica é a de que a Amazônia é indevassável – mais que isso, essencial – e no fim, como nos filmes americanos, ela vai vencer.

E o visitante torce para ela vencer porque o mundo não pode prescindir do milagre que é a região. Claro que Amazônia não é apenas água, mato e bichos. O visitante vai encontrar uma culinária diversificada e agradável, sucos de frutos “que só nascem aqui”, peixes de águas doce e salgada com sabores agradáveis, artesanato vistoso, essências vegetais, frutas diversas e muito mais.

Além de um povo hospitaleiro, alegre e de malícia sensual. E o centro disto tudo é Belém. O jornalista viajou a convite da Companhia Paraense de Turismo (Paratur).

O Big Ben e a Feliz Lusitânia

Entre o Ver-o-Peso e o Feliz Lusitânia está o Big Ben, doado por ingleses no fim do século XIX.

Além do Ver-o-Peso, esta mesma região ostenta um atraente conjunto arquitetônico da era colonial – igreja e forte construídos nos séculos XVII e XVIII pelos portugueses – restaurado em 2002 e batizado de Feliz Lusitânia.

Entre o mercado e o conjunto, ergue-se o primeiro relógio da cidade, réplica do Big Ben de Londres, doado por comerciantes ingleses no final do século XIX, c,ansados de ouvir a única hora certa da cidade: a hora da chuva.

Até a chegada do Big Ben, os encontros na cidade eram marcados com a expressão: “Depois da chuva”. Ou antes, numa referência ao aguaceiro que pontualmente despencava às 15 horas. Feliz Lusitânia é composto pela catedral – igreja de Santo Alexandre, onde se encontra o Museu de Arte Sacra.

E pelo forte do Presépio, a primeira construção na cidade, em 1616, que expõe peças arqueológicas encontradas durante escavações. Nas proximidades existem ainda casarões, sendo o mais concorrido deles a Casa das Onze Janelas, antigo hospital militar transformado em espaço cultural.

Agrega-se a este conjunto a Estação das Docas, que abriga alguns dos melhores restaurantes da capital paraense, como o Restô das Docas, e que deu encanto especial à cidade de Belém, além de revitalizar a sua até então quase abandonada orla. (EP)

Entre a baía e a floresta, a “Paris da América do Sul”

Estação das Docas abriga alguns dos melhores restaurantes da capital.

A capital do Pará não nasceu ontem. Ela ostenta um conjunto de edificações do século XVII que se somam a outras do ciclo da borracha – quando a cidade ficou conhecida como a Paris da América do Sul e ganhou profusão de obras e casarões. Deste tempo restam história e exagero do guia: “Os homens ricos não lavavam roupa suja, mandavam lavar em Paris”.

Assim como espanta a exuberância da mata, espanta o burburinho da metrópole do norte. E, mesmo antes de o avião tocar o solo, o turista já tem uma visão curiosa a este respeito: a cidade rodeada pela baía e pela floresta, ambas convivendo em harmonia, é um belo cartão de visitas.

Uma impressão compartilhada por quem chega de navio ou mesmo de carro. Quando se chega a Belém, chega-se com a certeza de estar na Amazônia real, não em um simulacro.

A cidade transpira história e exuberância. Um dos marcantes exemplos arquitetônicos do ciclo da borracha é o Theatro da Paz, na Praça da República onde, aos domingos, acontece movimentada feira.

O teatro foi construído com recursos da exportação do látex e é um símbolo do período. Na praça encontram-se coretos de ferro deste tempo, assim como ao redor velhos casarões evocam um período de abundância.

Não muito longe, encontra-se o Parque da Residência – antiga residência oficial dos governadores do estado, atual sede da Secretaria de Cultura. O lugar transformado em centro cultural inclui um bom restaurante – o Restô do Parque – e a Estação do Gasômetro, transformada em teatro.

Palco do Círio de Nazaré

Quem visita Belém não pode deixar de ver a Basílica Santuário de Nazaré, ponto final do Círio de Nazaré, realizado desde 1793 todos os anos, no segundo domingo de outubro, uma das maiores manifestações religiosas brasileiras, que reúne cerca de dois milhões de pessoas e dura de cinco a nove horas.

Assim como é proveitosa a visita ao Espaço José Liberto, um antigo convento erguido pelos frades capuchos de Nossa Senhora da Piedade em 1749. Depois da expulsão dos jesuítas do Brasil, ordenada pelo Marquês de Pombal, este lugar se transformou em depósito de pólvora, quartel, olaria, hospital e cadeia pública com enfermaria e oratório até 2002, quando uma rebelião levou a sua desativação e transformação em um espaço cultural que produz jóias com pedras amazônicas. (EP)

Ver-o-Peso e sua aura folclórica

Jean Barbosa
O Ver-o-Peso requer uma visita sem pressa, afinal, são centenas de barracas com produtos dos mais exóticos.

O mercado Ver-o-Peso à margem da Baía de Guajará, na cidade velha, é a ,tradução de Belém. O grande rio, a visão da floresta na outra margem, algumas das centenas de ilhas do estuário do Amazonas e barcas de várias dimensões se movendo de uma direção para outra é a síntese de tudo que se conhece da Amazônia em qualquer lugar do mundo. Está tudo ali.

A feira funciona 24 horas, com mais intensidade das 5h às 18h, abastecida por uma legião de pescadores, oleiros, agricultores ribeirinhos com atividades ao longo dos rios Guamá, Acará e Amazonas. É conveniente chegar cedo – às 6 horas – para encontrar produtos frescos, percorrer o local e conferir detalhes que são os segredos das grandes feiras.

Centenas de barracas abrigam a colméia humana com alegres alaridos e tipos da região, cheiros de ervas, essências traduzidas em pós, perfumes e variedade de remédios naturais, alguns que curam os mais variados males e outros envoltos numa atmosfera de folclore e crendices, com resultados nem sempre eficazes.

No setor de barracas com essências, Dona Maria – uma das centenas de mulheres e homens que diariamente vivem o burburinho do mercado – abre largo sorriso com a garrafa na mão: “Viagra natural”, anuncia. E acrescenta num despudor comum em qualquer esquina de Belém: “Tomou? Dá três sem tirar”.

Dona Maria sacramenta: “Isto é bom demais”. Ela garante que o viagra natural tem propriedades de revigorar o músculo, combater estresse e melhorar a disposição. Sem contar outro preparado milagroso para quem tem diabetes.

O resultado deste tratamento nem sempre é comprovado. Mas a mistura de real e irreal, de mistério e exótico faz do Ver-o-Peso o fascinante mercado da região norte.

Garrafadas prometem “milagres”, como aumentar o vigor sexual.

Ali se encontra de tudo. De variedade de raízes e pós de árvores e folhas para uso medicinal a garrafadas milagrosas para qualquer indisposição. Na atmosfera paira um aroma adocicado de frutas e incontável produção de essências de cheiro de cores vivas em pequenos frascos. Estes curam males de amor, decepções de qualquer gênero, tristezas, tornam qualquer homem ou mulher irresistíveis. O milagre está a um toque dos dedos.

Em outras barracas encontram-se iguarias locais, do açaí em tigelas a piracuí, uma paçoca feita à base de peixe, passando, é claro, por uma extensa variedade de frutos amazônicos como o bacuri, cupuaçu, uxi, piquiá, castanha-do-pará, tucumã, pupunha, taperebá e outros, além do açaí que já virou uma preferência nacional.

O açaí é um dos frutos mais apreciados. Dele se extrai um suco grosso, de cor arroxeada, consumido com farinha d’água ou de tapioca, acompanhado de peixe frito, camarão assado ou carne salgada. Outras barracas vendem artesanato produzido por oleiros da região, pratos e vasos com os impagáveis desenhos marajoaras.

E assim numa sucessão de surpresas, se atravessa o mercado até a outra ponta onde está o mercado de peixe com espécies de água doce, de água salgada e do estuário.

Entre eles, os apreciados pescada branca, dourada e pequeno – que de pequeno não tem nada – muito usado pelos restaurantes locais para várias composições de filé com molho.

Carne e argila à beira do rio

Anísio calcula vender cerca de 3,5 mil peças para fora do estado.

Um agradável programa para quem vai a Belém é visitar o Distrito de Icoaraci, pólo cerâmico, situado a 20 quilômetros da capital paraense. À primeira vista, alguns hábitos locais como a venda de carnes em barracas podem impressionar o visitante.

Esses locais parecem açougues, com a exposição de grandes pedaços de carnes ao ar livre. Mas você não foi lá comprar carne. Além disso, ninguém vai convencer do ,contrário o morador local, que considera que mais vale ver a carne a dois palmos do nariz na calçada a pegá-la congelada e sem sabor.

Em Icoaraci encontram-se lojas de artesanato como a de Anísio, que produz e reforça o estoque comprado de artesãos independentes para atender a demanda de turistas que vai ao local, além das encomendas de todos os estados e do exterior.

Anísio calcula vender por ano para fora do estado, não incluindo as compras feitas por turistas no local, cerca de 3.500 a 4.000 peças. Deste total, 20% vão para o exterior, tendo como destino uma relação de quase 60 países. As compras externas aumentam quando a paridade entre dólar e real pende com vantagem para o detentor da moeda americana.

Desenhos pré-colombianos

A variedade de peças marajoara, tapajônica e maracá impressiona em modelos, cores, tamanhos e formatos. De pequenos copos de barro a pratos, vasos, chaleiras, tudo reproduz desenhos de povos pré-colombianos que habitaram o local. Muitas peças são réplicas de artesanatos desenvolvidos há séculos na região.

Impressiona a variedade de modelos, cores e formatos das peças marajoara, tapajônica e maracá.

O barro para produção do artesanato é retirado nos igarapés do bairro do Paracuri, passando em seguida por um processo de limpeza, já na olaria, e depois modelado manualmente.

A peça é colocada num local à sombra para desidratar, processo que leva de três a sete dias. Após a secagem, são feitos os desenhos em alto ou baixo relevo – incisão ou excisão.

Por fim as peças são levadas a um forno com temperatura de 850 graus. A coloração em sua maioria é obtida com a aplicação de argilas especiais extraídas às margens da Baía do Guajará.

O preço das peças varia de acordo com seu tamanho, formato e complexidade. É possível encontrar peças de 200 gramas a 21 quilos, de R$ 7 a R$ 330. Pratos, vasos pequenos e outros maiores que parecem urnas funerárias indígenas, peças bonitas de grande efeito decorativo.

Anísio explica que transporte não é problema: a partir de Icoaraci a cerâmica local chega a qualquer lugar do Brasil e do mundo, devidamente embalada em madeira. Claro que, assim, o preço da compra aumenta.

Vantagens da feirinha

Para quem for a Icoaraci num dia de domingo é aconselhável visitar a feirinha local, à margem do rio. Ali se encontram dezenas de barracas que oferecem tudo o que tem nas lojas – afinal os artesãos são os mesmos – a um terço dos preços vistos nas lojas. E com as mesmas vantagens, incluindo transporte, caso a pessoa queira despachar a peça e seguir o passeio sem carregar embrulhos.

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