Puerto Natales reinventa a Patagônia

Quem algum dia já visitou o Parque Nacional Torres del Paine poderá, fazendo um esforço e mergulhando nas lembranças, trazer à mente imagens de uma cidadezinha chilena chamada Puerto Natales. Recordará, talvez, que parou num posto de gasolina, reabasteceu e continuou viagem rumo ao parque. Ou, quem sabe, conseguirá lembrar que aproveitou a parada e tomou um chá no fim de tarde, após quase três horas de estrada, vindo da cidade mais austral do Chile, Punta Arenas. A aí morrem as imagens de Puerto Natales. Pois é, aquela modorrenta cidadezinha hoje é centro distribuidor do turismo patagônico. E nem está só a caminho do mais belo e conhecido parque nacional chileno, longe disso. O entorno de Natales, como agora a chamam os íntimos, oferece muito mais atrativos que as Torres del Paine. Há cruzeiros até os gelos, cavalgadas pelos pampas, visita às fazendas de ovelhas, caminhadas, observação da natureza, pesca esportiva, escalada em gelo, enfim, um leque de alternativas turísticas para todas as idades, bolsos, gostos e sensibilidades. Lá também está sendo aberto o primeiro hotel cinco estrelas da cidade. E, muito importante, os turistas começam a descobrir que a Patagônia chilena é interessante em todas as estações, cada uma tem sua graça. No verão, o sol quer aproveitar as férias e fica muito tempo dando aquela luz. Sai às quatro e meia da manhã e entra, sem muita vontade, perto da meia-noite. No outono, os carvalhos oferecem uma paisagem avermelhada inesquecível. No inverno some aquele vento inclemente que, às vezes, impede caminhar direito e pode até nos jogar ao chão, o sol fica preguiçoso, tempo especial para quem está em lua-de-mel. E na primavera, como em todo o planeta, a vida brota por todo lado, fauna e flora se energizam e nos faz ter certeza de que a vida é bela. A Patagônia chilena quebrou a estacionalidade e as visitas entram e saem durante todo o ano. Portanto, prepare suas malas e escolha os passeios.

Patagônia convida a brincar de peão

O passeio a cavalo ao Morro Dorotea é suave, sem trajetos perigosos e, claro, permite várias paradas para apreciar a paisagem.

Ir até Natales é respirar a cultura patagônica. Assim que a gente põe os pés na região dá vontade de andar a cavalo pelos pampas, tomar chimarrão e, claro, comer um churrasco de cordeiro ao mais puro estilo patagão.

Um bom passeio a cavalo é subir até o topo do morro Dorotea, sentinela e guarda-costas geográfico de Puerto Natales. O passeio é suave, sem encostas íngremes nem trajetos perigosos, com várias paradas que permitem admirar a paisagem. A inexistência de poluição atmosférica permite ver os extensos pampas, inclusive muito além da fronteira com a Argentina. Para almas citadinas, como a nossa, cujo horizonte sempre está oculto pelo prédio vizinho, sair de cavalgada com os ? baqueanos?, os gaúchos dessas terras, é uma experiência que enriquece mente e alma.

Ao chegar ao Morro Dorotea, a impressionante paisagem nos faz esquecer a dor no bumbum e paramos de amaldiçoar a bendita hora em que desejamos brincar de John Wayne.

Da borda da falésia quase vertical, temos Puerto Natales literalmente aos nossos pés, assim como o Canal Señoret, o golfo Almirante Montt e vários lagos ao longe. Daqui também temos perfeita visão da mítica Cordilheira Paine.

Se não fosse por esse cordeirinho que nos espera junto às brasas de carvalho, o vinho tinto e o chimarrão lá embaixo, a vontade de regressar seria infinitamente menor. As cavalgadas podem ser de meio-dia até outras que duram mais de uma semana, se hospedando em ?estâncias? ou fazendas patagônicas ao longo do percurso.

Caminhos revelam paisagens inacreditáveis

O trekking ao redor das Torres del Paine é comparado ao Caminho de Santiago de Compostela.

Caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, diz aquela canção do Caetano. Na Patagônia, a atividade é altamente incentivada. Subir o Dorotea a pé não é nada do outro mundo e é considerado um trekking de esforço leve. Outra caminhada que não exige nada demais do nosso corpinho é a excursão entre Puerto Prat e Estância Consuelo, lugares que ficam a só meia hora, a pé, do centro de Puerto Natales. A trilha contorna o Canal Señoret e pelo caminho, entre mata baixa e extensos gramados naturais, podemos observar quero-queros, gansos selvagens, os elegantes cisnes de pescoço preto, ave-símbolo da região. Mas se desejar maior adrenalina, recomendamos a Trilha dos Alacalufes. Esse é o nome dado aos nativos que moravam nesta região, também conhecidos como kaweskar.

Essa é uma excursão que mistura caminhada e navegação. Se inicia do cais de pescadores artesanais de Puerto Natales e percorrem-se mais de quarenta quilômetros do mítico Caminho Austral até a Bahia Talcahuano. Pelo caminho, paisagens inacreditáveis, como o Canal Worsley, a Ilha Ballesteros, a Cordilheira Riesco, o estreito fiorde Rossi e o mágico Lago dos Acantilados.

Depois de cruzar a Cordilheira Sarmiento, se chega ao ponto alto da viagem, o Canal de las Montañas e suas diferentes geleiras penduradas. Todos esses cenários percorre-se sem cruzar com ser humano nem vestígio algum de civilização.

Outras caminhadas muito interessantes são pela Serra Baguales ou até o cemitério aonikenk, nome original dos nativos patagones, lugar que fica nas alturas do Cerro Guido. Outra opção é a caminhada ao Cerro Mocho. Em cinco horas de esforçada subida se chega aos 1.350 metros. Ficamos rodeados pela imponência da Cordilheira Paine, o campo de gelo Patagônico Sul, o fiorde Ultima Esperanza, a Serra Dorotea e as lagoas Sofia, Portenha e Toro. Mas a caminhada top-one da região é o circuito ao redor das Torres del Paine. Passar por essa experiência requer um bom preparo físico e um planejamento responsável. São sete dias a pé, pernoitando nos franciscanos refúgios que a Corporação Florestal do Chile dispõe ao longo de todo o percurso. Nessa caminhada, o turista cruza com gente de todas as partes do mundo e pode-se dizer que essa é a versão chilena, e muito mais hard, do Caminho de Santiago de Compostela. A fama dessa trilha transcendeu, há muito tempo, as fronteiras chilenas. (JB)

Geleiras emolduram pampas chilenos

Os contornos geográficos da Patagônia têm sido delineados pelas geleiras. Pampas, morros, colinas suaves e arredondadas, as chamadas morrenas glaciais, assim como fiordes, canais e estreitos, têm sido esculpidos, arranhados e polidos pelo ciclópico peso dessas moles de gelo milenar. Há pelo menos uma dezena de geleiras ao redor de Puerto Natales. Alguns estão na orla de fiordes (a palavra deriva do vocábulo norueguês fjord, que significa canal fechado produzido por degelo), como a Pio XI, o maior do cone sul, ou a Amalia, assim como há outras em franco retrocesso que ficam penduradas nas íngremes montanhas de rocha. Ir até a Patagônia e não ver geleiras é como ir a Disney e não ver o camundongo Mickey. Há passeios pelo dia, a bordo de modernos catamarãs, para observar essas maravilhas da natureza bem de pertinho. A viagem mais comum é ao Parque Nacional Balmaceda, onde se visita a lagoa e geleira Serrano.

Agora, se deseja ter uma sobredose de geleiras, recomendamos fazer o passeio até o Canal de las Montañas. Lá poderá literalmente tocar a geleira Bernal, passear ao longo do Hermann e gastar fita de vídeo ou a memória da sua câmera fotográfica sem ficar arrependido para imortalizar as geleiras Alsina, Zamudio e Paredes. Tudo isto, com direito a um bom uísque com gelo milenar, é claro. Agora se você é um potencial explorador, a dica é participar de uma aventura por entre as fendas da geleira Grey, dentro do Parque Nacional Torres del Paine. (JB)

Baqueanos contam mitos e lendas

Estância Consuelo: turismo rural hoje é visto como um bom negócio.

Os ?estancieros?, ou fazendeiros, da região têm pouco a pouco percebido que o turismo rural é um bom negócio. Ariscos às influências forâneas, hoje abrem lentamente as portas dessa vida gaúcha aos citadinos como a gente, que acham que os frangos nascem no supermercado. E é isto o que justamente procuram muitos dos que visitam a região, que saem de suas confortáveis cidades para não só conhecer os pampas e a solidão das paisagens patagônicas, mas também descobrir sua cultura, seus mitos e lendas, convivendo com os ? baqueanos? rudes que trabalham na tosa, arreio e cuidado das ovelhas, esses gáuchos de boina, bombacha e facão no cinto, como os dos nossos próprios gaúchos do Sul do Brasil.

Há várias estâncias abertas ao público. Conforme a estação em que as visitamos, teremos ocasião de ver a tosa, entre outubro e dezembro, a ?señalada?, janeiro e fevereiro, ou o quase interminável banho desparasitário.

Em todas as estâncias se oferecem passeios a cavalo e, obviamente, o churrasquinho de cordeiro de praxe. Ali aprendemos como se faz o bom churrasco gaúcho. Acender o fogo cedo, com lenha de carvalho, escolher um animal que tenha menos de 16 quilos, salgar e botar no ferro, com a cabeça para baixo. Cravar o ferro no chão, esperar boas brasas e botar o bicho a mais de meio metro do fogo.

Depois de tudo isto, e sem dor de consciência, esqueça das dietas, dos regimes, colesteróis, triglicerídeos e outros malefícios. Afinal, esse pecadinho de gula será cometido, com sorte, uma vez ao ano… (JB)

Museus mostram uma Puerto Natales de luxo

No curioso La Mesita Grande, todos sentam à mesma mesa, numa grande babel gastronômica.

A cidadezinha de Puerto Natales se vê pequena, mas se engana quem pensa que não há nada o que visitar. Comece pelo Museu Histórico Municipal. É um espaço pequeno, mas conta uma história enorme. Nos surpreende saber que, já nos idos de 1900, este fim de mundo, literalmente falando, já tinha telefone. Na parte dedicada às etnias regionais, os kaweskar e os aonikenk, ou patagones, percebemos o entorno duro e indomável em que eles viviam, com temperaturas beirando o zero grau, mas com o sorriso nos lábios. A atividade econômica de Puerto Natales foi efervescente e trouxe luxo e comodidade a seus habitantes. Como exemplo disso podem-se ver aqui os belíssimos faqueiros de prata, as máquinas fotográficas, os gramofones e a louça finíssima que usaram as abastadas famílias do lugar. Há uma curiosíssima canoa, que permitia a seu dono sair e pescar sem ajuda de piloteiro algum.

Outro lugar a ser visitado é o Museu Puerto Bories, uma grande fábrica construída pela Sociedad Explotadora de Tierra del Fuego, a maior do Chile, para o abate, processo e refrigeração de carne de ovelha e lã, que se exportava à Europa. Lá se fazia de tudo, desde as ferramentas até a geração de eletricidade. Junto a ela existiu um povoado com mais de mil pessoas.

Mas os passeios dão fome, certo? Natales tem suas gracinhas gastronômicas, várias delas imperdíveis. Uma delas é o Angelica?s, com certeza o melhor restaurante da cidade. Aqui trabalha toda a família, pai, mãe, filha e genro. O cordeiro, as finas ervas e o fetuccini com frutos do mar são pedidas perfeitas. A simpatia e calor humano dessa família tempera ainda mais esses pratos que chegam à mesa. As boas pizzas estão no La Mesita Grande e são preparadas e servidas por um anjo da Suíça, a Sandra. Como o nome o diz, aqui todo mundo senta numa extensa mesa comum, sem maiores formalidades. Qualquer pizza vale a visita e, seguramente, vai fazer muitos amigos neste lugar, uma espécie de Nações Unidas da gastronomia italiana.

Se nessa altura da sua visita ainda não provou o cordeiro magalhânico, não desespere. Vá à noite ao Asador Patagónico e mate a vontade. E se não come carne não pense que vai passar fome. Entre no Living, o bar-restaurante vegetariano de Ann e Jeremy, casal de jovens ingleses que jogou âncoras na Patagônia. Esse é o living de casa, onde você pode sentar no sofá, ler jornais e revistas, enquanto bebe com toda parcimônia um bom vinho ou cerveja local (muito boa, por sinal, chama-se Austral). O lema do lugar diz tudo: boa comida, boa música, boa onda… Antes de sair da cidade, tente a sorte no Casino Municipal. Quem sabe o dinheiro gasto nessa viagem volte aos seus bolsos. A esperança é a ultima que morre e, curiosamente, Puerto Natales fica exatamente no fiorde Última Esperança…

Hospedagem cinco estrelas incentiva ?viver a Patagônia?

O Hotel Remota surpreende de imediato pela forma, fruto da genialidade do arquiteto chileno Germán del Sol.

O primeiro grande hotel a chegar a essas paragens foi o Costa Australis. Até esse momento a hotelaria em Natales era modesta. Há pouco tempo abriu-se o Altiplánico Sur, um hotel de linhas rústicas e interior moderno que prova que o turismo na Patagônia Sul do Chile está crescendo e oferecendo produtos de alto nível. Outro hotel que não pode deixar de ser mencionado é o Explora Patagónia, que fica dentro do Parque Nacional Torres del Paine, até poucos dias atrás o mais chique e soft da região. Mas agora há mais um cinco estrelas para ser vivido. Trata-se do Remota Patagónia que reafirma a força turística desse pedacinho do mundo. Essa é uma nova obra, ou transgressão, do arquiteto chileno Germán del Sol, gênio criador responsável pela arquitetura e filosofia dos hotéis Explora de Atacama e Patagônia.

O Remota é a estilização extrema de um galpão de fazenda patagônica, com linhas arrojadas e surpreendentes, construído em concreto, vidro e madeira nobre da região, o carvalho, e ardósia no chão, materiais deixados propositalmente sem acabamento. Suas habitações são uniformes, não há superiores nem suítes, todas standard, embora de um luxo premeditadamente sóbrio. A proposta do hotel é que o visitante chegue a esta confortável e grande casa e viva a Patagônia em todo seu esplendor e aprecie a deslumbrante paisagem do Canal Señoret e das montanhas.

Com capacidade para 140 hóspedes, o Remota oferece sauna finlandesa, jacuzzis ao ar livre, piscina climatizada e fechada, sala de massagens e um alto e amplo salão chamado de lazer total, onde se pode descansar em tatamis de tamanho matrimonial. A filosofia do Remota é apresentar a Patagônia e sua beleza brutal sem clichês, em programas que não só incluem o alojamento e pensão completa, com vinho chileno e refrigerantes, assim como treze passeios distintos, desde uma simples caminhada pelo embarcadouro da cidade até a subida à base das míticas Torres del Paine. (JB)

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