Transitar por horas a fio em uma estrada federal sem que nenhum veículo passe por você. Ao redor, uma mistura de areia, pedras, terra vulcânica, gelo e montanhas.
Como recompensa, apreciar uma das mais belas paisagens da América do Sul. Assim é Catamarca, província argentina que ocupa praticamente toda a região noroeste do país.
A lista de adjetivos para descrever o que se vê por lá é tão grande quanto a imensidão de seu território: isolamento, altitude, céu aberto, áreas inóspitas e desabitadas.
Mãe de um povo hospitaleiro e simples, a província tem apenas cerca de 350 mil habitantes distribuídos em pouco mais de 102 mil quilômetros quadrados, vivendo basicamente da mineração do ouro e do cobre. Guias gostam de contar aos visitantes que a população da “cidade” de Vega La Botijuela é de uma pessoa (uma brincadeira que acentua o mito do isolamento).
Pouco conhecida dos brasileiros (e até mesmo dos argentinos!), a província fica ao lado da Cordilheira dos Andes e próxima o bastante da Bolívia (mais ao norte) para que seus habitantes guardem a aparência do país vizinho e diversos hábitos dos povos pré-colombianos e incas que habitaram a região antes da chegada dos espanhóis.
Porém, para o turista comum, as belas paisagens desérticas trazem também um problema: no quesito infra-estrutura, Catamarca está anos-luz atrás de outros destinos similares, como os confortáveis resorts existentes no Deserto do Atacama, do vizinho Chile.
O único lugar onde o aventureiro encontrará hotéis mais bem equipados é na capital, San Fernando del Valle de Catamarca, uma cidade de pequeno porte que concentra perto de 150 mil pessoas.
Mas a aposta do governo da província – que atualmente se vê em meio a uma tentativa oficial de levar mais turistas para lá – é justamente atrair o viajante que está atrás de aventuras: Catamarca é um ótimo destino para jipeiros off-road, trekkers, fãs de esportes de aventura e apreciadores de sítios arqueológicos.
Diogo Dreyer |
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Crianças oferecem pedras-pome aos turistas no caminho do Vulcão Galan. |
Isso porque a província está situada em três zonas geologicamente diferenciadas e acidentadas, próprias para esses tipos de turismo: a puna (altiplano), a cordilheira central e as serras pampeanas.
Espaço sem fim
Mas para ir de um lado a outro de Catamarca é preciso muita paciência. Chegando de Córdoba a San Fernando de avião, vai-se de veículo 4×4 às principais cidades: Belen, Antofagasta de la Sierra, Andalgalá, Santa Maria e Tinogasta. Todas distantes centenas de quilômetros.
Apesar de a Rota Nacional 60 cobrir grande parte desse caminho, o viajante enfrentará muito chão sem asfalto e grandes obstáculos – como curvas íngremes e máquinas pesadas de mineração – para chegar de uma cidade a outra. Passam-se horas na estrada sem ver outra pessoa. As exceções são as lhamas e as vicunhas.
Divulgação |
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Pinturas rupestres aguçam a curiosidade sobre a origem da região. |
A dica é estar muito bem preparado. Não espere encontrar lojas de conveniência e postos de gasolina pelo caminho. São raros até mesmo os vilarejos entre um destino e outro. Por isso, viaje sempre com comida suficiente e medicamentos para enjôo e dor de cabeça (nas áreas mais altas, é comum sofrer do “mal da altitude”).
Caso n&atil,de;o faça parte de uma excursão e esteja e guiando seu próprio veículo (prefira sempre um guia!), é fundamental um equipamento de rádio e GPS, combustível de sobra e um carro que não demande mecânica em meio ao deserto.
Também tenha sempre em mente que água é um item raro em Catamarca.
A média pluviométrica fica entre 100 e 300 mm por ano. Além disso, assim como em outras províncias do noroeste argentino, em Catamarca se faz a sesta.
Por volta das 14h o comércio está quase todo fechado, só reabrindo após as 17h. Para quem está despreparado e precisa de algo com urgência, essa “câmera lenta” pode atrapalhar.
Alimentação e compras
Fora de San Fernando e Belen, onde se pode encontrar alguns bons restaurantes e apreciar um belo bife de chouriço, a base da alimentação catamarqueña é feita de milho, batata e carne de lhama. Há sempre uma salada acompanhando os pratos, mas vegetarianos podem se complicar.
Um prato típico local que vale a pena experimentar é o locro. Trata-se de um guisado de origem pré-hispânica e pré-incaica, feito com abóbora, milho, feijão, batata, carne e vísceras bovinas e suínas, cebola e temperos.
Catamarca também tem boas vinícolas – especialmente na região de Santa Maria – e uma boa produção de azeitonas e seus derivados. O visitante também encontra produtos de artesanato típico, como ponchos e mantas. Prefira produtos de lã de vicunha, que são de ótima qualidade e de preços bem mais baixos que no restante da Argentina.
Na hora do pagamento o brasileiro está atualmente em boas condições, com o peso valendo pouco mais de 50 centavos de real. Mas em Catamarca, poucos lugares aceitam cartões de crédito. E nem tente pagar suas compras com real ou dólar. Assim, leve sempre pesos em seus passeios.
Mais perto do céu
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Altas cordilheiras atraem montanhistas do mundo inteiro para Catamarca |
Outro dito muito repetido pelos catamarquenõs é que a província é a região da Argentina que fica mais “perto do céu”. Alusão às altas cordilheiras e trechos compartilhados com os Andes e, principalmente, aos “los seismilles”, uma cadeia de 14 picos e vulcões que superam os 6 mil metros de altitude e atraem montanhistas e alpinistas do mundo todo. Para se ter idéia de quão alto é isso, o Monte Aconcágua – o ponto mais alto das Américas – tem 6.962 metros de altitude.
Para os aventureiros que querem aproveitar parte de “los seismilles”, um bom destino é a cidade histórica de Antofagasta de La Sierra. A mais de 550 quilômetros de San Fernando e a 3.365 metros acima do mar, a cidadezinha – com cerca de mil habitantes – guarda sítios arqueológicos das culturas incas e pré-colombianas, algumas com mais de mil anos de idade.
De lá, pode-se facilmente excursionar por entre alguns dos 200 vulcões inativos da região. O mais procurado é o Cerro Galan, dono da maior caldeira ou boca do mundo.
Fora de atividade – sua formação data de 2,2 milhões de anos – a caldeira tem 35 quilômetros de diâmetro. De perto, é impossível perceber o Cerro Galan como uma única formação. A impressão é de que se trata de toda uma seqüência de montanhas.
Contudo, o Cerro Galan é um destino extremo: ali a aventura se desenrola por altitudes que variam entre 4,9 mil e 6,1 metros. Claro, isso é passeio para montanhistas experientes e bem equipados (alguns trechos requerem até a utilização de garrafas de oxigênio). E para se chegar ao topo do vulcão, é obrigatória a contratação de guias.
Há, porém, uma versão do passeio que, com veículos 4×4, leva turistas até o centro do vulcão, onde existe um lago com uma fauna diversificada, como flamingos rosa, que contrastam com a desola,ção do lugar.
Aventura “light”
Mas Antofagasta de La Sierra guarda opções mais acessíveis a montanhistas “incidentais”. A poucos quilômetros da hosteria municipal (única opção de alojamento por lá), está o vulcão que leva o nome da cidade.
Chega-se próximo do sopé de van ou caminhonete. A partir daí, é necessária uma caminhada de cerca de um quilômetro por entre pedras vulcânicas dos mais variados tamanhos.
Um caminho que remete a cenários de ficção científica já que, mesmo se tratando do fértil solo vulcânico, a falta de água impede a flora de aparecer. A subida até o topo do Vulcão Antofagasta é através de uma trilha íngreme e estreita (mas que apresenta pouco perigo).
O tempo de caminhada depende da preparação física de cada um, mas costuma levar entre 30 e 40 minutos. É preciso levar em consideração que, devido às altas altitudes (o cume fica a 4,1 mil metros), o turista precisa chegar à cidade um ou dois dias antes de se arriscar na subida.
Mas uma vez lá em cima, esquece-se logo o frio cortante e os fortes ventos, que apenas reforçam as sensações despertadas que cada visitante tem com o vulcão. À beira de sua caldeira extinta, para qualquer lugar para de onde se olhe, avista-se o mosaico multicolorido formado pela imensidão cinza do deserto, a brancura do Salar do Hombre Muerto, o bege do deserto de pedras pome, o negro dos vulcões vizinhos. Tudo parecendo se fundir com o azul do céu sempre sem nuvens.
É impossível passar intocado ao primeiro contato com o Antofagasta. Alguns chamam de experiência religiosa, outros, espiritual. Mesmo os que não têm crença alguma costumam ir às lágrimas, e quase sempre, ao se despedir relutantes, depositam uma pedra nos montinhos erguidos pelos aborígenes locais em honra à mãe terra. O jornalista viajou a convite da Secretaria de Estado de Turismo de Catamarca.