A história do Peru não mudou uma vírgula. Os monumentos incaicos estão aí, pétreos, imponentes, surpreendendo os visitantes, seja na primeira vez ou nas restantes viagens. Porque uma coisa é clara, a maioria dos viajantes promete voltar para desvendar outros segredos dessa cultura primorosa. A força e poder da herança inca já é parte dessas civilizações imortais, como a dos egípcios ou dos maias. O que mudou, e para melhor, são as condições em que hoje este país recebe o turista. Acabaram os tempos em que essas trilhas eram para mochileiros com muita vontade e pouco dinheiro no bolso, que nada se importavam com alojamentos precários, habitações de pobreza franciscana e higiene haitiana. Hoje o Peru agrada turistas de todos os gostos, desde as turmas de hippies e rastafaris em busca das energias que supostamente pairam no éter e que aparecem ao pronunciar os mantras ao lado da pedra do ?intihuatana?, até os sofisticados visitantes que com GPSs numa mão e cartão de crédito platinum na outra se hospedam no Hotel Monastério de Cuzco.
A imponente Catedral de Cuzco, foi construída em 1598, na mesma época da Catedral de Lima. |
A lenda diz que os incas tiveram origem na Ilha do Sol, que se ergue no meio do Lago Titicaca, nos Andes, a 3.812 metros de altitude. Ali fica o Templo do Sol, no meio de uma floresta. Deste ponto, os incas teriam começado a grande caminhada, dominando povos altiplânicos, se associando a eles ou simplesmente dominando-os. Foram poucos os que se salvaram de sua influência, como os coyas. Mas até hoje essa atitude altaneira de não ter entrado a colaborar com os incas é um estigma, ao ponto que quem é bobinho ou cabeça-dura é chamado de coya. Quem entrou na dança dos incas ganhou conhecimentos de agricultura, aproveitamento das águas e também de astronomia. Isso ajudou a obter colheitas jamais pensadas, frutos nunca antes vistos, tanto pelo seu tamanho como quantidade.
Artesão expressa, em peças de barro, o cotidiano de trabalho do povo peruano. |
Até hoje no Peru existe mais de uma dezena de tipos de milho, principal alimento dos nativos, de cores raramente vistas como o roxo e o avermelhado. Nos acostumamos a generalizar a palavra inca para denominar todos esses nativos altiplânicos, embora inca era um só. O termo é um sinônimo de grande chefe ou príncipe de estirpe real. A nação teve vários incas durante os milênios que sobreviveu, até a chegada dos conquistadores espanhóis. Mas o maior de todos, o que deixou provas da força dessa cultura foi, sem dúvida alguma, o inca Pachacutec. A história conta que Cuzco tinha dois mil anos quando este inca mandou reconstrui-la. Os primeiros oito incas, que viveram em torno do ano 1200, não foram imperadores e sim senhores dessa capital e pequeno estado agrícola que era o Cuzco, às margens de um afluente da Amazônia, nos elevados Andes hoje peruanos. Mas já em torno de 1438, pouco antes do nascimento de Cristóvão Colombo, Pachacutec, o nono inca conhecido como ?o reformador?, começou a ampliar o domínio incaico, conquistando e sujeitando aos seus domínios numerosos reinos vizinhos. Quando Colombo atravessava os mares procurando o caminho das Índias, Pachacutec e seu filho, Tupac Inca, já tinham suas leis, sua própria religião e até seu idioma, o quéchua, em cima de cem povos sobre os quais exerciam poderosa influência. O império, denominado Tahuantinsuyu, ou Os quatro cantos do mundo, se estendeu durante seu maior esplendor além dos territórios do atual Peru, ao longo de quase toda a faixa litorânea do Pacifico, indo do Equador ao Chile central, e para o interior, incluindo toda a Bolívia e a Argentina setentrional. Por isso, ao visitar Machu Picchu ou percorrer as ruas empedradas do Cuzco, lembre que está visitando uma ínfima parte do que foi a maior cultura latino-americana e uma das maiores civilizações do planeta em toda sua existência.
No Peru, deixe a pressa para trás e aproveite
O Hotel Monastério de Cuzco é um dos símbolos da nova forma do país em recepcionar turistas. |
Chegar ao Peru é fácil. Difícil é conhecer tanta coisa interessante em curto período de tempo. Por isso, é bom programar essas férias e ter muito claro o que se deseja conhecer. Caso contrário, é como percorrer a Europa de ônibus, nessas viagens que, num momento está a Torre de Pisa na sua janela e depois de alguns minutos já está olhando para o Arco do Triunfo. Não, o Peru é para ser conhecido bem devagar. Lá não combinam os passeios feitos às pressas, principalmente em destinos como a cidade de Cuzco e seus arredores. A razão não tem nada de mística e sim física: você estará acima dos 3,5 mil metros de altitude. E lembre-se também que nem nossos craques do futebol passam bem lá em cima, o que dizer de nós, que nem escada costumamos subir e vamos na padaria da esquina de carro?
As ruínas de Sacsayhuaman são o cenário da grande festa do Inti Raymi. |
Em Lima pode correr à vontade, está no nível do mar, que alívio! O que não se pode perder nesta cidade? Se seu pendor é cultural, o Museu Rafael Larco Herrera vai prepará-lo para uma série de perguntas que não terão, necessariamente, respostas. Contar aqui o que vai achar no museu seria como contar o final do filme. Mistério é a alma, o espírito e o próprio corpo de uma viagem ao Peru. Se acha Lima uma cidade com pouco planejamento urbano, onde faltam várias passadas do caminhão do lixo, seja bem-vindo ao time. E se chegar à cidade num dia de clima cinzento achando que vai chover, esqueça, é normal que assim seja o céu da cidade quase todo o ano e, acredite, os guarda-chuvas se aposentam sem ser usados nas ruas limenhas. Ela, mesmo tendo essas desvantagens, tem lugares interessantes, como os bairros de San Isidro e Miraflores, onde estão os melhores hotéis. Não deixe de visitar sua Plaza de Armas, uma das mais belas da América hispânica, com jardins, chafarizes, pátios e arcadas.
A quinze minutos de Cuzco, em Yucay, se praticam os esportes de aventura, como o rafting. |
O prato principal e a razão de uma viagem a terras peruanas é se surpreender com os vestígios da cultura inca, deixados na cidade de Cuzco e em todo o seu entorno. Seja nos carros first-class do trem Hiram Bingham, da mítica empresa Oriente Express, ou nos trens simples e econômicos, onde mochileiros se acotovelam entre nativos, cestas de vime com galinhas e produtos frescos da horta, numa mistura de aromas e cheiros por vezes difíceis de identificar, definir e suportar, esta viagem não pode deixar de ser feita. A não ser que você seja da geração saúde e opte por chegar a Machu Picchu caminhando pela Trilha Inca, em três dias de infantaria, como nos melhores tempos do quartel. Ao contrário do que você vai pensar, estará descendo dos 3,5 mil metros ao nível do mar de Cuzco aos aliviados 2,4 mil que há nesta cidadela dos eleitos. Descrever o que você verá desde o alto da cidade sagrada será tirar a cereja do bolo. Só podemos dizer que, mesmo quem, como nós, esteve mais de cinco vezes ali, desejamos que esses momentos se prolonguem no tempo e que nossa retina jamais apague essa quase miragem que, sem dúvida, é uma das maravilhas do mundo nesta era d.C. Não se deve falar de Machu Picchu, só senti-la para lembrá-la eternamente. Escutará os guias falarem de observatórios astronômicos, de pedras que indicam o Cruzeiro do Sul, as constelações, os solstícios e equinócios, de jogos de luzes e sombras, de animais projetados pelo sol entre as pedras, de olhos que observam tudo. Acredite, tudo é possível depois de entrar na cidade sagrada dos incas.
Para os que gostam de desafios, chegar a Machu Picchu percorrendo a Trilha Inca pode ser uma boa pedida. |
Os trilhos correm pelo cânion do furioso e barulhento Rio Urubamba. Nesse trajeto não deixe de visitar a cidadezinha de Oyantaitambo, outra primorosa prova da arte que os incas tinham na construção com pedras e no aproveitamento dos recursos hídricos. Percorrendo suas estreitas ruas de pedra achará que regressou no tempo. Mesma coisa acontecerá ao visitar as ruínas de Sacsayhuaman, nas cercanias de Cuzco, com gigantescas pedras nos muros. Aqui realiza-se todo ano a grande festa do Inti Raymi, no dia 24 de junho, para pedir ao deus Sol ajuda para obter abundantes colheitas. Outra surpresa e mistério o envolverá ao visitar Quenqo, supostamente um lugar de sacrifícios e oferendas à Pacha Mama, a mãe-terra na língua quéchua. O turismo-aventura está no povoado de Yucay, a quinze minutos de Cuzco, onde se pratica o rafting, as cavalgadas, o mountain bike e o trekking.
Mas um dos maiores mistérios do Peru não está precisamente em Cuzco, nem escondido atrás dos pétreos muros de Machu Picchu. A estupefação invade nossas vidas ao visitar a planície de Nazca, ao sul de Lima. Uma paisagem erma, plana, tão agreste que faz parecer nossa caatinga um jardim exuberante. Ali uma antiga civilização deixou um legado para que nossa cultura decifrasse uma charada até hoje sem resposta. Gigantescas figuras desenhadas no chão, perfeitas em seus traços, um trabalho titânico e minucioso. Para descobri-las e observá-las só sobrevoando-as de teco-teco. Então, como foram feitas com prolixos detalhes se não existe montanha nem morros que permitissem orientar os desenhistas desde a altura necessária para tal trabalho? Como e por que motivos estão ainda ali perfeitas aranhas, beija-flores, patos, macacos, espirais, figuras humanas e geométricas, com trapezóides e linhas que partem e chegam a lugar nenhum? Se, como já se perguntou Erich von Daniken, ?Eram os deuses astronautas?? Nazca vai deixar você atônito e sem respostas, seguramente pelo resto da vida. Aliás, tudo vai ficar sem respostas convincentes numa viagem pelas mágicas trilhas do Peru.
Cuidado com as alturas e outras dicas para sua primeira vez no país
Na planície de Nazca, figuras desenhadas no chão são ?charadas?, até hoje, sem resposta. |
Embora não se requeria visto para entrar no Peru, é bom saber que o passaporte deve ter data de validade de, pelo menos, seis meses após a data de entrada ao pais. É obrigatório o porte do certificado de vacina contra a febre amarela. Podem não pedi-lo na sua entrada, mas se você não o tiver vai passar maus bocados. A moeda peruana é o sol, cujo valor é perto do 20% menos que o nosso real. Mas o dólar é moeda corrente, ninguém faz cara feia quando se paga com ele. De novembro a março chove mais do que o normal, porém, a vantagem de ter muita água é ter menos turistas que no resto do ano.
Faça uma avaliação disso, pois, às vezes, não é nada confortável achar todos os sítios turísticos atulhados de gente. Ao pegar um táxi podemos ser surpreendidos pelo fato de que estes não têm taxímetro. Relaxe, faça uma boa negociação com o motorista e pode, de quebra, ganhar um bom amigo. Todos parecem saber de cabo-a-rabo as histórias de incas e espanhóis, e quem não as sabe as inventa com luxo de detalhes. Agora, o que os motoristas de táxi sempre sabem é onde beber e comer por preços bem em conta. Em tempo, táxis no Peru não têm obrigação de cor alguma, qualquer carro pode fazer lotação. Personagens nas ruas são excelentes motivos para boas fotografias, mas saiba que ninguém gosta muito de ser fotografado de graça. Ande com trocados no bolso, após aquele clique tenha as moedas na mão, prontas para não ter encrencas. Apuna, ou soroche, é o mal das alturas. Uma sensação que pode ser muito diferente de uma pessoa a outra. Em alguns dá sono, cansaço; em outros dá dor de cabeça, falta de ar e sensação de que vamos desmaiar. Pode causar vômitos, arritmia cardíaca e a coisa pode ficar feia. Uma agência séria anda sempre com um equipamento de oxigênio no veículo. Se você tem medo de passar maus bocados, exija essa garrafa que brinda alívio quase instantâneo. Não acredite no tão falado e oferecido chá de coca. Além de encher a bexiga nada faz contra o mal das alturas. Tome este oferecimento como absoluto folclore nativo.
Os peruanos cuidam ciosamente de seu patrimônio, nem pense em subir em pedras sagradas, escrever seu nome e data de visita em paredes, nem menos ainda achar que um cantinho escuro pode ser molhado por necessidades corporais. Se o flagram pode ir ao xilindró sem direito ao perdão dos deuses. E com toda razão. (JB)