Foto: Janine Malanski |
Momentos do Inti Raymi – Festa do Sol – na região de Cusco. |
O peruano consegue harmonizar, no cotidiano, crenças opostas sem que isso se torne uma ameaça à sua identidade cultural. Um turista mais atento vai perceber detalhes interessantes da maneira como o povo lida com sua espiritualidade. De um jeito só dele, funde, numa só receita, o fervor do cristianismo e a sabedoria incaica. “Nós acreditamos no Deus católico e no Deus dos índios. Nossas crenças se mesclam”, atestam eles tranqüilamente.
Em todo momento e por todo o Peru é possível vivenciar esse dualismo religioso. Corpus Christi – 10 de junho -festividade religiosa celebrada pela Igreja Católica, e Inti Raymi – Festa do Sol – de essência incaica, realizada no dia 24 de junho, são exemplos de rituais religiosos opostos comemorados no mesmo mês, numa mesma cidade, Cuzco, quase aos pés do Machu Picchu.
Nas duas festividades os moradores reverenciam o respeito pelos ensinamentos de seus ancestrais, tanto o catolicismo trazido pelos espanhóis quanto a sabedoria incaica.
Corpus Christi é tradicionalmente celebrado na Praça das Armas de Cuzco, que se caracteriza numa procissão, na qual quatorze imagens provenientes de quatorze paróquias e igrejas de Cuzco chegam num grande andor recoberto quase em sua totalidade de prata. A catedral da cidade é uma prova viva da riqueza que atraiu os espanhóis à América do Sul.
O esplendor da magnífica catedral, com seus 23 altares repletos de ouro e prata, com pequenos espelhos entre as imagens, é imperdível. “Para dar reflexos a noite, numa época em que à luz das velas ressaltava e fazia brilhar as imagens”, explicam os guias.O Inti Raymi – Festa do Sol – realizada em 24 de junho, é outra atração à parte. Os moradores encenam um rito ancestral que expressa a relação harmoniosa do homem com as manifestações cósmicas, neste caso, com o astro-rei Sol, a divindade máxima dos incas. A festa é realizada no solstício de inverno, começando em Qoricancha e prosseguindo na Praça de Armas. A maior parte é executada na esplanada de Saqsayhuaman, lugar onde se realiza o sacrifício de uma Ihama, branca ou negra, como oferenda ao deus Sol. Nessa integração de costumes sobrepõem-se na capital Lima as procissões católicas como grande acontecimento religioso, principalmente na Páscoa.
As mulheres carregam seus missais e terços nas mãos e cobrem a cabeça com o véu em sinal de fervor. Os homens, por sua vez, mantêm a tradição de carregar o andor do santo, de Jesus ou da Virgem. O homem que consegue receber essa incumbência pertence a uma categoria de honra. É merecimento e sinal de elevado comportamento espiritual.
Na vida do taxista e guia Julio Guillermo Estrada, carregar o “andor de Lo Señor”, por ocasião da morte de sua mãe – atribuição de seu tio que passou naquele dia a ele para honrá-lo e consolá-lo – foi uma experiência sem precedentes em sua vida. “O convite veio de maneira livre sem que eu precisasse pedir”, contou. “Carregar o andor de Jesus numa procissão é um verdadeiro encontro com a alma. Eu entendi que não estamos sós neste mundo”, relatou emocionado.
É normal para a população, principalmente a do interior, oferecer sua devoção à “La Virgen e ao Señor”, ir à missa, seguir os rituais do catolicismo, com a mesma fé com a qual oferece o primeiro gole de “chíchia” para a Pachamama e, da mesma forma, antes de se alimentar, não esquece de assoprar a comida que está no prato, para alimentar as montanhas sagradas e protetoras (Apus).
Chíchia é uma bebida feita com a fermentação do milho e Pachamama significa mãe-terra no idioma quichua (nativo).
O excêntrico Vale do Colca
O cenário mais excêntrico das diferentes manifestações de fé é apresentado aos olhos do visitante no Vale do Colca, distante cinco horas de Arequipa. O Vale do Colca, com seus 3,2 mil metros de profundidade se sobressai pela originalidade de seus povoados e pela atração máxima do canyon: os vôos matinais do condor, que podem ser vistos do ponto mais alto. A região é integrada por treze cidades andinas e os moradores conservam velhas tradições. Além disso, cultivam plataformas pré-incicas.
Antes de chegar aos povoados, uma paisagem lunar surpreende num descampado sem fim. É indescritível a sensação ao olhar as inúmeras colunas de pedras sobrepostas. De todos os tamanhos. Equilibradas. À primeira vista, a impressão que se tem é a de que a própria natureza foi quem esculpiu estas curiosidades. “Apachitas”, explicam os guias de turismo, são um costume da região. São os moradores que criam essa paisagem ao colocar uma pedra em cima da outra. É uma espécie de local sagrado ao qual se dirigem quando querem solicitar graças aos deuses deles. Pequenos altares. Cada “montinho” de pedras simboliza uma graça solicitada. Colocam, em meio às pedras, fios de cabelos, pedaços de tecidos e toda a espécie de oferendas para que seu pedido seja realizado.
Sem rancor
“Não temos rancor dos espanhóis. Os ensinamentos católicos fazem parte da nossa vida, porém, não esquecemos os costumes incas”, afirma Fernando Escobar Alvarez, guia e artesão de Pisac, vilarejo do Vale Sagrado dos Incas. Em Pisac, especialmente, cuja palavra significa pequena ave, é visível a dualidade religiosa ao perceber imagens de santos ou de Nossa Senhora, em órgãos públicos, e no telhado das casas, pequenas esculturas que significam oferendas aos deuses para a prosperidade nos negócios.
Fernando, que está num momento de resgate da espiritualidade inca, explica alguns dos costumes que integram a cultura local. É comum ouvir e ver escritas estas palavras; “Ainí – Minka -Mita, que se traduzem em: hoje por ti, amanhã por mim e todos para todos”. Uma premissa incaica para definir o sentimento coletivo.
“A base da espiritualidade inca”, explica,” é a cruz andina. A Chakana que representa a trilogia do mundo antigo. Os três mundos são: o subterrâneo (dos mortos), o presente (dos vivos) e o divino (Deus). O mundo dos mortos é representado pela serpente, o mundo dos vivos pelo puma e o divino pelo condor. A serpente representa a sabedoria e inteligência por sua astúcia, o condor, a paz, pois é o animal que recicla a natureza ao se alimentar de outros animais mortos, e o puma, a força e a proteção.”(MW)
Comece o roteiro espiritual por Lima
Lima é a melhor opção para começar esse roteiro ao mundo espiritual do país do Machu Picchu. Seja por pacotes pré-definidos, seja por conta própria. A capital peruana tem bons hotéis e pousadas nos bairros de Miraflores e Barrancos. De Lima deve-se pegar um vôo doméstico para Arequipa, onde é possível conhecer o Vale do Colca e os atrativos que a cidade oferece.
Lá existem pequenas agências que oferecem excursões a preços acessíveis ao vale. A próxima parada depois de Arequipa é Cuzco, “o umbigo do mundo”. Ao chegar a Cuzco, é só procurar o escritório municipal de turismo que se localiza próximo à Praça das Armas, para adquirir os ingressos dos pontos turísticos locais e do Vale Sagrado dos Incas.
É em Ollantaytambo que se embarca no trem rumo a Águas Calientes, vilarejo acolhedor localizado aos pés das montanhas do Machu-Picchu. Chegando lá é só planejar bem o tempo para desfrutar da exuberante natureza, da história e dos mistérios que envolvem a antiga cidade inca, a apenas vinte minutos de ônibus do vilarejo.
Uma dica: ao chegar ao Machu Picchu, mesmo que não esteja a fim de caminhar, não deixe de percorrer o trecho – 45 minutos – que liga as ruínas à porta do Sol. Lá no alto da montanha viverá um momento mágico com Machu Picchu aos seus pés. É como se estivesse dentro de um útero verde da “madre-tierra”. O coração acelera e o mundo pára. Boa viagem! (MW)
Dicas para o turista de primeira viagem
Se estiver viajando por conta, pesquise antes de comprar um pacote turístico.
Evite trocar dinheiro com cambistas, suas calculadoras são “viciadas”.
Não aceite dólar que estiver com o papel envelhecido, amassado e um pouco rasgado.
Kit básico: repelente de insetos, filtro solar, capa de chuva, bota confortável para longas caminhadas.
Todos os dias, uma multidão de turistas lota o Machu Picchu, das 10h às 15h, quebrando parte do seu encanto. O ideal é caminhar até a porta do Sol neste horário e aproveitar o clima das ruínas depois, até o cair da tarde.
Guias
Em Lima – Julio G. Novella Estrada – e-mail: martinelly20@hotmail.com
Em Pisac – Fernando Escolbar Alvarez- e-mail: parwafer@hotmail.com
Hospedagem
Há pousadas confortáveis e limpas que oferecem diárias entre US$ 15 e US$ 20. Podem ser escolhidas em operadoras de turismo ou nos aeroportos.
Sugestões de hotéis:
Em Lima – Hostal Porta – http://welcome.to/porta – porta@amauta.rcp.net.pe
Em Arequipa – Hotel Mama Tila – Telefone: (054) 20550 – e-mail: mamatila@terra.com
Informações turísticas são obtidas na Praça das Armas, centro. Lá se adquire um boleto turístico que dá acesso à visitação a diversos pontos, ao preço de US$ 10. Também se pode adquirir a passagem de trem para Águas Calientes a US$ 11, classe turística.
Em Águas Calientes, há diversos hotéis e pousadas para todos os gostos e preços diferenciados. O acesso ao Machu Picchu é feito de ônibus a US$ 4 e a entrada nas ruínas custa US$ 20.
Site sobre o Peru: www.peru.org.pe.