Navio conduz ao Fim do Mundo

Imagine um cenário predominantemente azul. Agora um horizonte dominado pela imensidão de céu e mar, com cheiro de ar fresco e gosto de aventura. Vá um pouquinho mais além. Visualize luzes incidindo no gelo de fiordes e icebergs, formando um verdadeiro caleidoscópio de cores. Ao fundo, pingüins, golfinhos e leões marinhos brincando, interagindo de forma pacífica, desconsiderando completamente qualquer presença humana.

Esse cenário é apenas uma pequena amostra da natureza para quem tem o privilégio de embarcar em um cruzeiro pelo extremo sul do continente americano. As paisagens e vida animal da Patagônia, Terra do Fogo e Cabo de Hornos emolduram os roteiros percorridos pelo navio M/N Mare Australis, com duração de quatro, cinco e oito dias de navegação.

O navio concorre e faz jus às belezas naturais que desvenda. Mais do que isso, assegura uma acomodação de primeira linha e uma viagem para ficar na memória de cada um dos seus poucos passageiros, pois não cabem na embarcação mais do que 129 privilegiados.

Intitulado o ?Fim do Mundo?, esse
lugar quase polar está cercado pelos
Andes e repleto de belezas naturais.

Mas, se do lado de fora a paisagem aproxima o homem do desconhecido, internamente o M/N Mare Australis oferece conforto e boa comida de um cinco estrelas flutuante. Construída nos estaleiros de Valdívia, no Chile, a embarcação tem 63 cabines, distribuídas em três categorias (AA, A e B), com camas baixas, banheiro privativo, sistema de aquecimento individual, cofre de segurança, closet, energia elétrica e uma imprescindível janela panorâmica.

Ao amanhecer, os passageiros se fartam com um café da manhã dos deuses. Em seguida, preparam-se para um passeio sempre encantador. As janelas expõem espetáculos naturais que estão em toda a parte. Impossível não se surpreender com o que os olhos vêem.

Patagônia abriga natureza virgem e majestosa

O ponto inicial da viagem acontece na cidade de Punta Arenas, a mais austral do Chile. É a partir dali que a Patagônia é descoberta. Situada no extremo meridional da América do Sul, a região compreende parte do Chile e Argentina e estende-se por uma área de oitocentos mil quilômetros quadrados. Devido ao terreno árido e diversidades climáticas e de paisagens, o local é reconhecido como a Terra de Contrastes.

Cenário de filmes hollywo-odianos, a Patagônia pode ser considerada a pérola da América do Sul. Foi declarada reserva da biosfera pela Unesco. Uma infinidade de exploradores visita a região em função das belezas em estado bruto: formação única de montanhas, geleiras, rios, lagos, flora e fauna, cachoeiras. É habitat de mais de cem espécies de pássaros como flamingos, condores, cisnes de pescoço negro.

Ilson Almeida
No Parque Nacional Torres del Paine,
montanhas, cachoeiras, geleiras e
lagos formam uma das paisagens
mais belas da América do Sul.

Torres Del Paine

O deleite de muitos é o passeio em terra firme pelo Parque Nacional Torres Del Paine, a quatrocentos quilômetros ao norte de Punta Arenas. A proximidade com o oceano produz temperaturas suaves. O inverno tende a ser menos rigoroso, com uma pluviosidade moderada com dias frios e claros. Lá, monumentais montanhas ?de granito? podem ser observadas, assim como as cachoeiras Salto Chico e Salto Grande. As atrações não param por aí. Há ainda as geleiras Grey, Pingo, do Francês e Dickson e os lagos Pehoé, Sarmiento, Verde e Azul. Para desfrutar desse serviço, os passageiros devem chegar com pelo menos dois dias de antecedência, pois o parque fica a seis horas de Punta Arenas. O ideal é pernoitar no local.

Terra del Fuego

De volta a bordo, a embarcação segue rumo ao mítico Estreito de Magalhães. Ali, os passageiros conhecem a Terra do Fogo, cujo expressivo nome carrega muita história. Em sua expedição no século XVI, o navegador português Fernando Magalhães avistou um arquipélago rodeado por fiordes. Pôde observar que, durante o dia, fogueiras permaneciam acesas. Eram as tribos locais, carentes de calor para aquecer o corpo frente às intempéries da região.

Junto a pingüins e aves predadoras,
leões-marinhos fazem parte do
cenário gelado do Fim do Mundo.

Localizada às margens do Canal de Beagle, a Terra do Fogo é rodeada pelos Montes Martial, que compõem o extremo sul da Cordilheira dos Andes. É um território coberto de campos ondulados, bosques, geleiras e montanhas, onde a palavra da ordem para os forasteiros é uma só: aventura. No verão, é possível fazer trekking, cavalgadas ou pescar. No inverno, o ideal é esquiar no moderno centro de esqui Cerro Castor, além de fazer expedições em motos de neve ou passeios em trenós puxados por cães huskies.

Uma boa pedida é gastar horas no Parque Nacional Tierra del Fuego. Criada em 1960, a reserva ocupa uma área de 63 mil hectares e é considerada território ecológico essencial. A preservação do ecossistema andino-patagônico é feita com rigor. A variedade da fauna e da flora impressiona. A lenga, árvore bastante comum, chega a medir trinta metros de altura. A convivência com os castores e coelhos é pacífica. A Baía Enseada, a Cascata do Rio Pipo, o mirante da Ilha Redonda, a Lagoa Negra e a Baía Lapataia merecem atenção redobrada. Nessa região, os Andes mergulham no mar, compondo ilhas de formas diversas. Os pássaros chamam a atenção, além da vegetação que se assemelha com a tropical.

Animais pontilham a paisagem azul

E a viagem continua. A bordo, a temperatura é sempre agradável. Já, lá fora, os termômetros chegam perto de zero – e nem poderia ser diferente num cenário em que predomina o gelo. No segundo dia de viagem, é hora de avistar o Glacial Marinelli, encravado na Baía de Ainsworth. Ali os turistas podem observar a enorme parede de gelo, com mais de quarenta metros de altura. Nesse ponto é permitido o desembarque na praia e até uma caminhada pela floresta nativa. Para a surpresa de todos, leões-marinhos pontilham a paisagem. A caminho da Ilhota de Tucker, os golfinhos vêm ao encontro do barco. Uma colônia de pingüins magalhânicos divide o local com as aves predadoras ?skuas salteadoras?. Na saída da ilha, avista-se uma formação rochosa, habitada por lobos-marinhos.

Michael Defreitas
Navio tem 63 cabines, todas com
janela panorâmica, para o hóspede
não perder nenhuma paisagem.

Outras cenas agradáveis podem ser observadas a caminho da principal via marítima, Glacial D?Agostini. Diversos glaciais, ou seja, placas de gelo flutuantes, em tons azulados, podem ser avistados. A experiência ?lúdica? não termina aí. Sem menos esperar, ouvem-se sons, emitidos pelo Glacial D?Agostini. Parece absurdo, mas não é. O desprendimento causado pelo desgaste das grandes massas de gelo caindo sobre as águas é o responsável pelo barulho.

Mais aventura? Sim, estamos chegando ao braço nordeste do Canal de Beagle. O ponto alto para os passageiros do M/N Mare Australis é a Avenida dos Glaciais (terceiro dia de navegação). Na Baía Yedengaia, pura história. Foi lá que se estabeleceu a primeira estância da Terra do Fogo chilena. Os índios yamanas habitam o local e vivem de modo a preservar sua tradição e cultura. Depois de uma caminhada, a visão da Cordilheira de Darwin serve como recompensa.

Para fechar o quarto dia de navegação com chave de ouro, os passageiros conhecem o místico Cabo de Hornos, na última parada antes da Antártica, os oceanos Atlântico e Pacífico se encontram. A ilha tem paredões quase verticais, com mais de quatrocentos metros de altura e é considerada o ?Everest dos velejadores?. Esse canto foi descoberto no século XVII por uma expedição comercial holandesa. A paisagem, repleta de muito gelo, atrai e merece cada registro feito. Na seqüência, está Puerto Williams, a cidade mais austral do mundo, onde vale visitar o Museu Martín Gusinde e a Lagoa dos Astores.

De cara com a cidade do Fim do Mundo

Malte Sieber
O místico Cabo de Hornos
é a última parada de
navegação, antes da Antártica.

Após um pernoite nas águas abrigadas de Puerto Williams, o M/N Mare Australis parte no quinto dia para um dos principais atrativos do percurso -Ushuaia, a capital da província argentina na Terra do Fogo. A Cidade do Fim do Mundo, lugar quase polar, situa-se em uma ilha no sul da Argentina, na fronteira com o Chile, e está cercada pelos Andes. Os fiordes, similares aos da Noruega, e as ilhas, repletas de pingüins, impressionam. É lá que fica o Cerro Castor, única pista de esqui ao nível do mar.

A paisagem é excepcional. A Cordilheira dos Andes desaba no mar e os cumes das montanhas formam golfos e fiordes. É possível observar bosques entre as montanhas que, durante todo o inverno, ficam revestidos por neve. Na primavera, surgem flores raríssimas, típicas da região. Os indígenas reconheceram os encantos do local e o batizaram como ?baía penetrando o poente?. Em função do clima extremamente frio e das constantes nevascas, o local foi preservado, de maneira geral. Animais como guanaco (lhama de pequeno porte) e zorro patagônico (raposa) agradecem a pouca interferência humana. A vegetação também se mantém intacta. É o caso dos calfates, árvores arbustivas, que produzem belas flores amarelas e inusitadas frutas azuis.

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