Jaime Borquez
Parque Nacional Torres del Paine, cordilheira se deu o capricho da invencibilidade.

Da janelinha do avião, já é possível entender muita coisa. Lá embaixo, a Cordilheira dos Andes e seus picos nevados falam por si. Para quem chega de dia, a paisagem é o melhor cartão de boas-vindas a uma das regiões mais caprichosas do planeta. Neve, vento, fiordes, geleiras, ovelhas, tudo junto e ao mesmo tempo, formam o cenário perfeito para quem quer descansar, refletir, namorar e até se aventurar na Patagônia chilena.

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Ao botar os pés em terra firme no Aeroporto de Punta Arenas – base de partida para outras regiões da Patagônia Sul, o ponto de vista se alterna. Agora é o céu e sua cartela de cores que provam porque este lugar é tão especial. Sinta o vento invadindo o espírito, sussurrando no ouvido, respingando no rosto a água gelada do Lago Pehoé. E veja o dedo da Cordilheira Paine apontar para o céu. Em riste. Em silêncio.

Aqui é a natureza quem manda. E nós, deixamos mandar. Porque não seria melhor de outro jeito. Nem teria outro mesmo. Esse é o encanto da região magalhânica, a Antártica Chilena, como é chamada a cidade de Puerto Natales e seu entorno. Completamente influenciada pelo clima do continente gelado, a Patagônia chilena tem um atrativo diferente a cada estação do ano.

No inverno, obviamente, a neve, incluindo a prática do esqui. O vento implacável em outras épocas, quando pode passar dos cem quilômetros por hora dá uma trégua. No verão, com temperaturas máximas de 20 graus, o Sol se põe perto da meia-noite e levanta às 4h30. Dá para aproveitar muito bem o dia. Na primavera, o pulsar da vida que renasce. Flores, flores e mais flores. Casais de cisnes-do-pescoço-negro e seus filhotinhos por todos os lados. Além dos guanacos, das lebres, das andorinhas, dos condores e toda a fauna peculiar da região. O outono é mais avermelhado, com os bosques de carvalho pintando a paisagem dos seus tons ocres.

Jaime Borquez
Renda-se à delícia do assado patagônico.
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A maior atração da Patagônia chilena, no entanto, é o Parque Nacional Torres del Paine. Trata-se de uma cordilheira que se deu o capricho da invencibilidade. Suas montanhas mais altas chegam a 3,5 mil metros de altura. E jamais foram escaladas. A combinação rocha de granito mais o vento superior a cem quilômetros por hora não permitiram até hoje tal façanha. Os praticantes do esporte que nos desculpem mas, sem desmerecer a delícia que é a escalada em rocha, as Torres del Paine estão ali para mostrar quem é que manda na Patagônia. Nem a última era glacial as venceu. A pontinha dos Cuernos del Paine, as montanhas pontudas mais altas da cordilheira é nitidamente mais escura.

Há 1,2 milhão de anos, quando o gelo antártico teve seu maior período de expansão, toda aquela região estava coberta de gelo. Menos o cume dos cuernos. É por essas e outras que a Patagônia nos ajuda a entender um bocado de coisas interessantes sobre a vida, a natureza e o processo de transformação que o nosso planeta atravessa no momento. Tanto que até hoje o Parque Torres del Paine é um parâmetro para pesquisadores que estudam os níveis de contaminação da Terra.

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Natales contribui para o encanto

Há uma década, a cidadezinha de quase 20 mil habitantes recebia mil turistas por ano. O ponto de partida para explorar a Patagônia Sul do Chile era Punta Arenas que, por ter aeroporto e um trabalho de marketing mais bem feito, acabava atraindo mais gente. No entanto, quem está mais próxima do Parque Nacional Torres del Paine é Puerto Natales.

Empreendimentos como os Hotéis Remota e Explora, a Pizzaria Mesita Grande e o Restaurante Angelica?s são alguns dos responsáveis pelo despertar local, oferecendo serviços de alto padrão sem quebrar o encanto patagônico por causa disso. Hoje, a cidade chega a receber 100 mil visitantes anuais vindos de todas as partes do mundo.

Punta Arenas tornou-se apenas ponto de desembarque. Do pequeno aeroporto, duas horinhas de uma estrada asfaltada. Os motoristas respeitam os 40 quilômetros por hora das placas de trânsito! E estamos em Natales, como a chamam os íntimos. Os barcos em volta do trapiche, o parquinho de diversões à beira do Canal Señoret, as estudantes desfilando seus modelitos Rebelde como as garotas de Santiago, a igreja matriz em frente a uma praça arborizada. Tranqüilidade de interior.

Mas em volta, lembretes gigantes para não esquecermos onde estamos. A cidade é cercada por montes nevados que anunciam a proximidade com uma das mais belas cordilheiras do planeta, a dos Andes.

Uma boa opção para quem quer conhecer tudo o que Puerto Natales e seu entorno oferecem são os programas oferecidos pelo Hotel Remota. Seus passeios variam de cavalgadas com o tradicional churrasco de ovelha patagônico a caminhadas pelos parques, visitas a museus, piqueniques, trekking no gelo, passeios de bicicleta e de barco. E o melhor: a pé, o hotel fica a 15 minutos do centro da cidade, onde estão ótimos restaurantes, cafés, lojas de artesanato, o Museu Histórico Municipal e, à noite, dá até para curtir uma baladinha.

Já quem prefere voltar para casa com o Parque Torres del Paine praticamente tatuado na alma, é melhor escolher o Explora, que fica dentro da área. E para quem não quer gastar muito, há os ?bed & breakfast?, as pousadas mais simples sem traslados nem outros serviços e as hospedagens nas fazendas ovelheiras espalhadas em volta da cidade.

Pé na estrada e olhos bem abertos

Para quem busca interação com a natureza bruta, este cantinho ao sul do mundo pode ser o cenário ideal. Além da paisagem impressionante, repleta de lagos, geleiras, glaciares e, lógico, montanhas, a fauna e a flora locais são únicas. No verão, quando os dias são mais longos, é possível perceber uma variedade incrível de animais. O condor e o guanaco são clássicos ao lado do cisne-do-pescoço-negro, das avestruzes e das lebres.

Quanto à vegetação, exemplares como o zapatito de la virgen, o calafate, o ñirre ou minúsculas orquídeas silvestres são tão belos quanto os galhos retorcidos de lenga e carvalho, que dominam a paisagem e resistem ao vento implacável do verão e ao frio coberto de neve do inverno.

Das várias formas de interação com a Patagônia, a que permite um contato mais direto com esses detalhes é o trekking. E opções não faltam. Tem para todos os níveis. O mais famoso deles é o W, que circunda as Torres del Paine e dura vários dias. Quem prefere algo menos exigente mas não abre mão de ver a Patagônia de perto, vale encarar a Serra Dorotea. A caminhada é longa, dura horas, mas não é difícil e vale a pena.

Florido no verão e na primavera, o caminho passa por bosques de lenga, inscrições rupestres e oferece uma vista espetacular da Lagoa Sofia. O percurso termina no Monumento Natural Cueva del Milodón, uma área com três cavernas e um conglomerado rochoso onde viveram homens pré-históricos e uma espécie de preguiça gigante que dá nome ao parque.

Dentro da principal caverna, que tem 30 metros de altura e 200 metros de profundidade, foram encontrados restos do animal. O monumento é considerado um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo. Outra forma de explorar a natureza selvagem do sul do Chile é cavalgando. A cidade de Puerto Natales oferece várias opções. A Estância Travel é uma das agências que organizam grupos para passeios sobre cavalos. Um dos mais interessantes é o que leva à Estância Eberhard, a primeira da região, com direito a um típico churrasco de ovelha e a uma conversa com o bisneto do fundador, ao lado de um bosque centenário de sequóias. Tudo regado a muito vinho chileno e pisco sour, bebida destilada típica do Chile.

Hotel em harmonia com a paisagem

Jaime Borquez
Deixe-se levar pela preguiça na Sala do Ócio.

Olhando de fora, não dá para entender direito. Aquele galpão preto, mais parecido com uma fileira de contêineres irregulares, se destaca na paisagem. Às vezes, a gente chega a pensar que ele sempre esteve ali. Que é mais uma daquelas obras da natureza largada à beira do Canal Señoret há milhões de anos. Que foi habitado por homens pré-históricos, que já esteve soterrado pela neve e foi redescoberto pelos índios kaweshkar depois do retrocesso das geleiras.

Todos esses detalhes fazem parte da história e do processo de formação geológica da Patagônia. Menos o Hotel Remota. Não, ele não nasceu há milhões de anos. Mas foi inspirado em tudo isso mais as fazendas de criação de ovelhas, uma das bases da economia local. O arquiteto chileno Germán del Sol, que também é o criador dos hotéis Explora, é o responsável pela hospedagem em questão. Com criatividade e bom gosto, ele consegue aliar conforto a um ambiente rústico, quase selvagem.

Do lado de dentro, dá para entender melhor. Ao abrir a porta, uma nova Patagônia. Na verdade, a mesma que está do lado de fora, só que mais branda. Mais quentinha, sem vento, com chão de ardósia, vinho chileno e perfume de carvalho. Os ambientes são todos integrados. A sala de leitura, com livros do poeta Pablo Neruda sobre a mesa, é completamente aberta, como as outras, e está interligada ao restaurante. Tudo emoldurado por gigantes painéis de vidro que dão a sensação de estarmos ao ar livre.

As lareiras são inspiradas nas fogueiras dos nativos patagônicos. Pelos corredores e nas salas, exposições de objetos, pedras e roupas lembram um museu e fazem referência a todo momento aos indígenas que descobriram a região. Acima de tudo isso, está a parte mais chocante do hotel: a Sala do Ócio.

Toda envidraçada, tem cinco tatamis de casal, almofadas e pelegos. Mais nada. Apenas o céu da Patagônia, a paisagem do Canal Señoret, do Glaciar Balmaceda e a Cordilheira Paine ao fundo, sempre nevada. Ah, bem no cantinho tem uma cadeira de palha enorme. Mas a preguiça vai subindo, vai subindo, e aqueles tatamis tornam-se irresistíveis. Enquanto o vento uiva lá fora, aqui dentro a temperatura é ideal. As luminárias, como em todo o hotel, são superdiscretas. Feitas de vime, papel amarelo e arame, de longe parecem velas acesas. Enfeitam e iluminam na medida certa. Para namorar, refletir ou, simplesmente, admirar a Patagônia.

Atrás tem a sala de TV e música, que oferece vídeos sobre natureza e cultura. Não tem sofás, mas mesas e bancos de madeira bem grandes. No centro, um tapete enorme, pelegos e almofadas. Perfeito para uma integração entre amigos. Aqui é o único lugar onde é possível ver TV. Os quartos não têm o aparelho. Segundo Germán del Sol, é para que não haja possibilidade de o visitante se distrair na telinha e perder a Patagônia. Com os 13 programas ao ar livre que o hotel oferece, é bem difícil que alguém ainda se lembre que existe televisão, relógio, celular, internet.

Para os que não conseguem se desligar completamente do mundo real, o hotel oferece uma sala com computadores conectados à internet. Porém, depois de um dia de aventuras, ganha um prêmio quem escolher o computador em vez de uma das jacuzzi ao ar livre ou a piscina aquecida instalada dentro de um salão de vidro para que ninguém perca o pôr-do-sol enquanto relaxa.

O restaurante é uma atração à parte. A culinária chilena, com todos aqueles frutos do mar que só são encontrados naquela região, compõe o cardápio. Entradas, saladas, carnes vermelhas e sobremesas também primam pelo sabor local. Tudo regado a muito vinho chileno e pisco sour, que só não são servidos no café da manhã. Até nos piqueniques oferecidos durante os passeios, as bebidas estão presentes.

Os quartos têm decoração simples e muito aconchegante, onde o carvalho predomina. Durante o banho, que pode ser de chuveiro ou de banheira, o vapor d?água faz os ciprestes colocados no teto exalarem perfume. A parte mais difícil dessa história é chegar em casa e, ao abrir a mala, sentir com toda a força aquele perfume de carvalho impregnado em tudo. Como na primeira vez em que se abre a porta do hotel.

As jornalistas viajaram a convite do Hotel Remota e Lan Chile.