O gigantesco Pio XI é o maior da América do Sul. |
Há aproximadamente três milhões de anos, o clima rigorosamente frio do que é hoje o extremo sul do território chileno foi o responsável pela composição de uma paisagem ímpar, predominada pelo gelo. Hoje, com o passar dos anos e as mudanças ocorridas no clima do planeta, é claro que o cenário não é o mesmo. Atualmente só guarda resquícios do que foi a chamada era glacial, o que já é suficiente para atrair milhares de turistas do mundo inteiro que se encantam com a paisagem da Patagônia chilena, a terceira maior reserva de água doce do planeta.
O país como um todo recebe hoje cerca de dois milhões de turistas e o sucesso da Patagônia junto aos estrangeiros está fazendo com que o governo chileno, mais uma vez, venda-o mundo afora como um dos três destinos mais importantes do país, juntamente com o Deserto de Atacama, no extremo norte, e as estações de esqui.
Na verdade, a Patagônia se vende sozinha por ser um destino realmente fora do comum. Uma rota recém-inaugurada pela armadora Skorpios leva os turistas a percorrer uma das regiões patagônicas mais interessantes, que tem como ponto máximo a visita ao Glaciar Pio XI. Pertencente ao Parque Nacional Bernardo O?Higgins, o maior do Chile, o Pio XI é o maior glaciar da América do Sul.
Impressiona não só pelo tamanho – e o navio percorre de ponta a ponta os seus cinco quilômetros de largura – mas também pela beleza: uma gigante montanha de gelo com nuances azul-turquesa, que chega a ser assustadora quando parte de sua massa despenca no mar, provocando um barulho grave e ondas sucessivas.
Esse desprendimento do gelo dos glaciares, formando os icebergues e o aumento do volume de água nos oceanos, teria o efeito estufa como a causa mais lógica.
Porém, antes de chegar ao Pio XI, muitos são os pontos visitados pelo Skorpios III, o mais novo e luxuoso navio da frota do armador chileno Constantino Kochifas Cárcamo.
Exploradores Kaweskar
Ao todo, a rota, chamada de Exploradores Kaweskar, percorre, em quatro dias inteiros de navegação, dez canais, fiordes e outras passagens muito estreitas (as angusturas), permitindo ao turista avistar mais de dez glaciares, entre grandes e pequenos.
O cruzeiro tem início sempre aos sábados, quando o navio zarpa de Puerto Natales, uma cidadezinha de vinte mil habitantes, situada a 247 quilômetros de Punta Arenas, a capital da Região de Magalhães. No domingo, chega ao Fiorde Peel e ao primeiro glaciar, o Amália, de cinqüenta metros de altura. Para possibilitar uma proximidade maior das geleiras, os turistas são conduzidos em dois botes a motor, os “Hércules”, de onde se pode fazer boas fotos.
Já neste primeiro passeio, percebe-se o encanto do lugar e do momento. Lá, bem longe da civilização, avistam-se somente icebergues que agora flutuam em águas mornas e profundas. Vendo-os na superfície, alguns nem parecem ser tão grandes, mas se sabe que sua parte submersa é, em média, sete vezes mais alta que a emersa.
Ao redor, nas montanhas, lugar onde só havia gelo, brota a vegetação, modificando a história, que sempre relatou não haver condições de vida no lugar. É a vida (re)nascendo no “fim do mundo”.
Além das vozes dos turistas que, em idiomas diversos manifestam a surpresa pelas belas paisagens, ouvem-se somente os barulhos da própria natureza – um bloco que se desprende e despenca no mar, um condor ou um cormorão que cruza o céu para fazer lembrar que também faz parte daquele cenário azul, verde e branco. Tudo leva a uma sensação de paz. Para completar, champanhe é servido aos turistas para brindar o primeiro passeio perto das geleiras.
Que tal um “12 com 50”?
A segunda-feira é dia de visitar o segundo glaciar, o Calvo, e outros seis menores, de cores e formas variadas. Desta vez, o brinde é feito com o famoso “12 com 50”, uísque 12 anos com gelo de cinqüenta mil anos. Um requinte. E o detalhe é que a bebida é servida em copos personalizados da armadora Skorpios que são, na verdade, um souvenir para os passageiros. É bom lembrar que, por medida de segurança, o passeio com os botes até bem perto dos glaciares é feito somente se as condições de luz e também do gelo forem favoráveis. Além do Calvo, avista-se também o Glaciar Fernando e, com um pouco de sorte, uma família inteira de lobos-marinhos que ficam um pouco agitados com a visita inesperada.
Terça-feira é o grande dia. É quando se chega ao Pio XI, o imponente glaciar de 1.263 quilômetros quadrados de superfície, 75 metros de altura. É difícil descrever a sensação de avistar o maior glaciar sul-americano, uma paisagem que parece irreal. Mostrá-lo em fotografia para os amigos é uma tentativa quase inútil, pois é impossível fotografá-lo a uma pequena distância com todos os detalhes que se vêem a olho nu.
No mesmo dia, depois do almoço, os Hércules levam os turistas a Puerto Éden, na Ilha Wellington, onde vivem as últimas tribos dos Kaweskar, os nativos da região. Lá, os índios recebem os turistas com um sorriso, oferecendo seu interessante artesanato feito com folhas e conchas. Fique atento a um detalhe: eles costumam cobrar para posar para fotos, um meio a mais de subsistência. Na pequena aldeia não há ruas, somente uma passarela que liga casas, minimercados, escola e leva também a um mirante. Depois do passeio, os turistas voltam ao navio para seguirem ao sul.
A quarta-feira é o último dia inteiro de navegação. O navio já está novamente no Canal Sarmiento e, em pouco tempo, se chega ao Fiorde das Montanhas, onde se observam ainda mais cinco pequenos glaciares. Esse é um dos pontos onde a experiência do capitão conta muito, já que o navio passa por mais uma angustura, passagem muito estreita que requer um adicional de atenção. Nessa hora, o capitão pede a colaboração de todos os passageiros presentes na cabine de comando, com o máximo de silêncio e, em poucos minutos, o sucesso da operação é comemorado. Para brindar, um champanhe já cuidadosamente preparado é servido a todos, em clima de festa.
Logo depois desse episódio, um dos muitos que marcam a viagem no Skorpios, tem início o regresso rumo a Puerto Natales. À noite, a festa de despedida com a presença do capitão Kochifas e sua esposa, Noemí Coñuecar Cárcamo, acontece quando o navio é atracado num seno, uma entrada de mar, chamada Ultima Esperanza. Nome sugestivo para os últimos momentos dentro do navio, para curtir e já relembrar a bela viagem aos campos de gelos patagônicos.