Ilha do Bananal desvenda cultura carajá

O celular de Suiá toca. Ele pára lentamente a voadeira (pequena canoa a motor) no meio do Rio Araguaia. É alguém de São Félix do Araguaia (MT) que quer chegar à Ilha do Bananal. Suiá, guia de turismo e condutor da pequena embarcação, diz ao interlocutor que dali a uma hora está de volta à cidade para apanhá-lo. Assim é a rotina do índio carajá que cobra R$ 40 para levar visitantes à maior ilha fluvial do mundo, localizada na divisa entre o Tocantins e Mato Grosso.

A veloz embarcação a motor corta a escura água do Rio Araguaia. Em menos de 30 minutos se chega à Aldeia Santa Isabel, habitada por 924 índios carajás, a maior da Ilha do Bananal. Durante o percurso, o indigenista Karirama Suiá Karajá, 37 anos, a quem chamam de Suiá, diz que Kananxuiuva é o deus carajá que criou o mundo, o céu, o sol, a lua, as florestas, os rios e as tempestades. Deu asas aos pássaros cantores e veneno às cobras silenciosas.

Os poucos minutos que separam a Ilha do Bananal de São Félix do Araguaia prendem a atenção do visitante. É um viveiro de pássaros ao ar livre e entre cantos e cores. De setembro a abril, época da cheia, o Araguaia corta paisagens que se vão alternando de forma tão dramática quanto a mudança do nível das águas.

Piaçaba

Fotos: Donizete Oliveira
Sementes de urucum
colorem as paisagens às
margens da Ilha do Bananal.

A chegada à Aldeia Santa Isabel é deslumbrante. Crianças indígenas vestidas a caráter saúdam os visitantes. Algumas são tímidas e se limitam a observar do canto da porta. Cobertas com palha de piaçaba, as casas ou tocas, como as chamam, transformam a paisagem.

Talvez, em busca de mais conforto, alguns carajás prefiram casas de alvenaria. A aldeia tem ainda uma escola e um posto de saúde, que existem na Aldeia Santa Isabel. ?Gostamos da comodidade do branco, mas não abrimos mão de nosso legado, como a preservação de nossa língua?, afirma Suiá. A maioria se comunica em carajá, tradição ensinada aos mais novos pelos professores indígenas que lecionam na aldeia.

A Gruta dos Pezinhos tem
mais de 300 mil anos.

Suiá segue a passos largos em meio às casas de piaçaba. Ele conta que o ex-presidente Juscelino Kubitschek era assíduo freqüentador da Ilha do Bananal, onde construiu um aeroporto e um hotel, destruídos pelo governo militar. ?Ouvi os mais velhos dizerem que JK queria fazer aqui uma nova Brasília, aproveitando a geografia e o misticismo do lugar?, acrescenta o índio guia.

Segundo dados do posto da Fundação Nacional do Índio (Funai), de São Félix do Araguaia, hoje, 2.300 índios carajás e javaés divididos em 14 aldeias vivem na Ilha do Bananal. A maior delas é a Santa Isabel, para onde vai a maioria dos turistas. Para entrar, devem ter prévia autorização do cacique e da Funai. Sem a qual o visitante não é bem-vindo e pode ser hostilizado pelos índios.

Índio mais velho é a memória da ilha

Na Santa Isabel está o cacique mais velho da Ilha do Bananal. Trata-se de Maluare, 89 anos, e sua mulher, Kimoti, 47. Abatido, ele se recupera de um derrame que o deixou três meses internado. E lamenta: ?Essa doença, pneumonia e outras, pegamos do branco, não temos isso, mas a alimentação e tudo o mais nos levaram a esse estado?.

Casas cobertas com piaçaba
na Aldeia Santa Isabel.

Maluare diz sentir saudade do tempo em que pescava piratinga, talvez o mais típico dos peixes do Araguaia. Quando ainda é jovem, e tem por volta de 80 quilos, é chamado de filhote. Na faixa de 200 quilos, torna-se um verdadeiro troféu e seu nome vira piraíba. ?Hoje, vemos aí muito lambari, peixes de verdade são raros?, completa.

A alimentação dos carajás é à base de tartarugas, mandioca, milho, batata-doce e amendoim cultivados na aldeia com assistência da Funai. Lendas não faltam ao Araguaia. A do boto que leva a mulher é a mais comum; a do negrinho que paira sobre as águas com uma perna só; a do peixinho que sobe pela urina de quem se atreve a fazer xixi na água, afirmam que é verdade. Dizem que ele se chama carandiru e penetra na bexiga, transformando-se numa bola. Para tirá-lo, só com cirurgia, se der sorte. Alguns morrem antes da intervenção. De volta a São Félix, Suiá recebe os R$ 40 e retorna à ilha com outro turista que quer ver de perto os carajás e as paisagens que enfeitam o rio, coloridas pelas sementes maduras de urucum que servem de comida aos peixes. Não há dados sobre as visitas, mas são muitas, apesar das dificuldades de transporte para se chegar a São Félix do Araguaia, um dos pontos de partida para a Ilha do Bananal. (DO)

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