Histórias contadas pelos túmulos

Não é apenas no dicionário que se encontra a descrição de cemitério e túmulo. Estes locais – geralmente ligados a adjetivos como sombrio e triste – também ganham sentido em guias de viagem.

Para muitos turistas pode ser atraente e curioso o “terreno destinado à sepultura dos cadáveres humanos”. “Um monumento erguido em memória de alguém que já morreu” pode ser, no roteiro, um chamariz. É macabro para quem só pensar por este aspecto. Mas pode se tornar costume, em todos os destinos, se a ideia é vivenciar a história de cada lugar.

O turista que se preze faz questão de conhecer, nem que seja um pouco, da cultura local. Por que, então, excluir desta o cemitério? É certo que túmulos de pessoas famosas estão em poucos, mas muitos jazigos podem se tornar ilustres – basta serem curiosos e diferentes.

De exemplos temos o renomado Père-Lachaise, de Paris, onde jazem Jim Morrison, Oscar Wilde, Proust e outros; os cemitérios da Recoleta e de Chacarita, em Buenos Aires; e ainda o de Montevidéu e o da Consolação, em São Paulo.

Na capital uruguaia, o destino fúnebre em questão é o Cemitério Central. Lá, o passeio (por enquanto, realizado em duas quintas-feiras por mês) é ao som de violinos – para dar o clima – e os atrativos são os detalhes das tumbas. A ideia do tour é recente, oposto do local, que data de 1835.

Nájia Furlan
Na ilha de Oahu, em Pearl Harbor, Hawaii, turistas fazem fila no memorial que foi construído sobre o navio USS Arizona para lembrar os que morreram a bordo em 1941.

Nos Estados Unidos, o destino pode ser o Cemitério Nacional de Arlington, próximo a Washington, onde está enterrado, entre outros, o presidente norte-americano John Kennedy.

No mesmo estado (Virgínia), ainda há os cemitérios dos soldados que morreram durante a Guerra Civil. Estes são pontos frequentes em muitas sugestões de passeio.

Famosos

Nessa modalidade de turismo – “necrotour” – às vezes peças isoladas já valem o passeio. Há vários exemplos de túmulos atraentes. Na Europa, quem for a Lisboa pode encontrar, no mesmo local – o Mosteiro dos Jerónimos -, os jazigos de alguns personagens da realeza portuguesa e ainda os de Fernando Pessoa, Vasco da Gama, Camões e Alexandre Herculano.

Também naquele continente, na vizinha Espanha, Cristóvão Colombo jaz na bela catedral de Sevilha e, mais adiante, no Museu do Exército (Hotel National Des Invalides), em Paris, descansa Napoleão, em um túmulo retumbante.

Nájia Furlan
Os restos mortais de Napoleão Bonaparte descansam em um túmulo retumbante no Museu do Exército, em Paris.

Ainda seguindo a linha fúnebre, mas fugindo um pouco da formalidade, o Hawaii também é sugestão de roteiro. Na ilha de Oahu, em Pearl Harbor, não há lápides e nenhum dos soldados mortos (durante o ataque dos japoneses) foi enterrado. No entanto, são os nomes e as “memórias” o que atrai.

O memorial, onde turistas fazem fila para visitar, foi construído sobre o navio USS Arizona, para lembrar das centenas de pessoas que morreram a bordo em 1941 – nenhum dos corpos foi retirado da nau.

Seja qual for a escolha no mapa, permita-se caminhar entre as tumbas e reparar – sem vergonha, nem medo. No final da visita você pode se surpreender e se perceber mais fúnebre do que pensava ser.

Em Chacarita, “Carlitos” Gardel é santo

Carlos Gardel, enterrado no Cemitério de Chacarita, é santo para o povo argentino. ‘Gracias Carlitos‘ é o que mais se lê em sua tumba.

Cantor, ator e santo. Santo? Bom, ao menos para os argentinos. Carlos Gardel, o mais famoso cantor de tango de toda história, tem status de beato entre o povo da Argentina.

Quem visita seu túmulo, no Cemitério de Chacarita, em Buenos Aires, logo nota que a devoção a este ícone da música símbolo do País vizinho vai além da paixão por um simples artista.

Nájia Furlan
Túmulo de Evita Perón, na Recoleta: uma das mais conhecidas primeiras-damas da história é visitada e fotografada diariamente por turistas aos montes.

No túmulo de Gardel é possível ver várias placas de agradecimento por “milagres” realizados por ele. “Gracias Carlitos” é um das frases mais vistas nas homenagens.

“Carlitos” foi o maior nome da história do tango, por isso, não poderia estar sepultado num simples cemitério. E não está. O túmulo de Gardel é a principal atração do cemitério, originariamente batizado como do Oeste.

Criado em 1871 para poder suprir as necessidades impostas por uma grande epidemia de febre amarela na capital federal argentina, o Cemitério de Chacarita, localizado no bairro de mesmo nome, é hoje o maior em extensão da América do Sul, com 95 hectares de área.

Quando de sua construção, os outros cemitérios da cidade não davam conta de receber tantos mortos e o Cemitério da Recoleta, bairro nobre de Buenos Aires, simplesmente tinha fechado as portas para vítimas de febre amarela.

A grandiosidade dos túmulos e das ruas do Cemitério de Chacarita causa certa surpresa para quem não está acostumado com cemitérios como “pontos turísticos”.

Além de Gardel, outras personalidades argentinas como Madre Maria Loredo, Alberto Olmedo, Alfonsina Storni, Osvaldo Soriano, Osvaldo Pugliese, Ringo Bonavena e Luis Sandrini também estão sepultadas lá.

(Lawrence Manoel)

“Não chores por mim, Argentina”

Lawrence Manoel

Maria Eva Duarte, ao nascer, em 1919. Eva Perón, ao casar-se, em 1946 (com o presidente argentino Juan Domingo Perón). Evita, para o povo argentino, até morrer.

Ela, que foi uma das mais conhecidas primeiras-damas, hoje ainda é lembrada, visitada e fotografada. Não está mais presente, de carne e osso, mas de material, no bairro da Recoleta, um dos mais famosos de Buenos Aires, no cemitério – que é um dos principais atrativos, em qualquer guia de viagens sobre a Argentina.

O de Evita seria um sepulcro como qualquer outro no local, não fosse a quantidade de visitantes e homenagens deixadas. Mensagens e lembranças em bronze, além de imagens dela, completam os detalhes que atraem. É o principal, mas não único ponto dessa visita memorável.

Também chamam a atenção, e merecem destaque, os túmulos de generais e coronéis argentinos, assim como as ruas e a organização do local. No entanto, curioso mesmo é a quantidade de gatos que habitam por lá.

Estes, como conta, informalmente, um dos coveiros, são animais que seguem os donos no leito de morte e, sem mais companhia e lar, acabam ficando. Está na esquina da avenida Quintana com Junín e abre diariamente, das 8h às 16h. (NF)

Pelos túmulos e lendas de São Paulo

Lígia Martoni

Fotos: divulgação
Tour pelo Cemitério da Consolação passa por túmulos de autoridades, artistas e personagens históricos da capital paulista.

Conhecer a São Paulo que existe por trás dos túmulos pode ser mais que um roteiro de cunho fúnebre. O cenário dos cemitérios é rico em história e, nele, a cidade se mostra cheia de lendas e personagens inesquecíveis. Dá medo? Pode ser. Mas dá também uma concepção diferente da morte.

O agente de viagem e guia de turismo Carlos Roberto Silvério garante que há muita gente interessada em conhecer esse lado não tão comum assim da maior cidade do País, palco do dinamismo e também da tradição.

A agência dirigida por ele, a Graffit, opera há nove anos o roteiro “São Paulo além dos túmulos”, que, além de edifícios e casas com fama de mal assombrados, engloba cemitérios.

“A ideia é mostrar que, além do lado metropolitano, a gente tem essas histórias, contadas de pai para filho, sobre mitos e lendas urbanas, junto com as reminiscências histórico-culturais que os cemitérios guardam”, explica.

O Cemitério da Consolação, o mais antigo da cidade e referência em arte tumular, é ponto de visitação. Nele, parada obrigatória no túmulo da tradicional família Matarazzo, importante nome da economia local – o mausoléu é o maior da América do Sul.

Perto dali erguem-se as tumbas de Campos Sales e Abreu Sodré, presidente do País no final do século XIX e governador de São Paulo na época da ditadura, respectivamente.

“O posicionamento dos túmulos forma um triângulo, o que costumamos dizer que representa também os três poderes – federal, estadual e o empresarial”, diz Silvério.

Turistas percorrem a rota em ônibus estilizado: tudo para entrar no clima fúnebre.

As lendas urbanas também fazem parte do roteiro. O túmulo da conhecida Dona Iaiá – depois de passar pela casa em que vivia, no Bexiga – vira ponto turístico. A personagem era conhecida por sofrer surtos de loucura, trancafiada em uma casa isolada na São Paulo dos anos 30s. Dizem que até hoje seus gritos são ouvidos pela vizinhança.

Túmulos de artistas, como Tarsila do Amaral, merecem destaque no passeio. E santos populares, que, embora não canonizados, jazem envoltos a flores, súplicas e agradecimentos por supostos milagres, compõem ainda o roteiro.

“É o caso de Rocha Marmon, que previa sua morte, aos 12 anos, e a quem as pessoas atribuem cura de doenças”, cita o guia. Semelhante ao que acontece no Cemitério Municipal de Curitiba, o São Francisco de Paula, onde ano a ano visitantes vão aos milhares ver o túmulo de Maria Bueno, vítima de um assassinato passional no início do século passado. Dizem os fiéis que ela também opera milagres.

Ao longo do roteiro, os participantes recebem informações sobre os principais cemitérios do mundo e as histórias de seus “hóspedes” famosos. O tour é feito em ônibus estilizado e sempre conta com algum personagem que remete a histórias de terror -tudo para criar um clima fúnebre para os turistas.

Mas Silvério garante que, depois de ouvir falar de tantas assombrações e ficar frente a frente com a morte, em vez de sair assustado, o visitante acaba deixando o passeio com uma concepção diferente sobre o assunto.

“Finalizamos o tour falando sobre o Dia dos Mortos no México, quando são lembrados com festa e música. A expectativa das pessoas, um pouco sombria na primeira parte do tour, acaba mudando. Todo mundo sai mais relaxado do cemitério”, diz.

Serviço

O tour São Paulo além dos túmulos tem saídas mensais, com agendamento prévio. Informações: (11) 5549-9569 ou www.graffit.com.br

As personalidades do Père-Lachaise

HELIO MIGUEL

Inaugurado em 1804 por Napoleão Bonaparte, o Père-Lachaise abriga tantos famosos por estratégia de marketing: objetivo era atrair mais funerais.

O primeiro personagem que os mais jovens costumam lembrar quando ouvem falar do cemitério Père-Lachaise, no leste de Paris, é o cantor Jim Morrison, morto em 1971 naquela cidade, e sepultado ali.

O túmulo do vocalista da banda The Doors é, de fato, o mais visitado do local (veja matéria ao lado). Mas quem vai ao lugar apenas na intenção de homenagear o polêmico ídolo corre o risco de perder outros pontos interessantes que o cemitério oferece. A ponto até de deixar a visita a Morrison como apenas “um algo mais” a ser feito por lá.

La Fontaine e Molière repousam lado a lado em imponentes túmulos, no centro do cemitério.

Afinal, o cemitério, inaugurado em 1804 por Napoleão Bonaparte, abriga túmulos de personalidades como o compositor Frédéric Chopin, o pensador Auguste Comte, o filósofo Marcel Proust, o escritor Honoré de Balzac, o filósofo Benjamin Constant, a bailarina Isadora Duncan, a atriz Sarah Bernhardt e o cientista Joseph Louis Gay-Lussac, entre muitos outros.

O fundador do espiritismo, Allan Kardec, ironicamente está entre os mais homenageados. E o mímico Marcel Marceau, falecido em 2007, foi uma das celebridades mais recentes a serem enterradas ali.

Até quem se tornou célebre por razões negativas acaba recebendo visitas: Joseph-Ignace Guillotin, o responsável – seu nome já sugere – pela implantação da guilhotina em execuções na França, está lá, bem como o ex-ditador da República Dominicana, Rafael Trujillo.

O que poucos sabem é que essa lista considerável de famosos foi iniciada por uma estratégia de marketing, para atrair mais funerais ao local – que na época da inauguração era considerado distante demais do centro de Paris.

A jogada começou já no primeiro ano de funcionamento, com a transferência, para lá, dos restos mortais do escritor Jean de La Fontaine e do dramaturgo Molière. Os imponentes túmulos dos dois, um ao lado do outro, ficam praticamente no meio do cemitério.

Sepultura do fundador do espiritismo, Allan Kardec, é das que mais recebem homenagens.

Outro jazigo que ajudou a fazer a fama de Père-Lachaise foi o do casal Pierre Abelard e Héloise, que viveu no século XII e ficou notável pelas cartas de amor que trocaram durante o romance, que teve final trágico.

Não é preciso mencionar que, até hoje, casais apaixonados fazem – e até deixam por escrito – juras de amor eterno no lugar. Amor que também pode ser encontrado no túmulo de Oscar Wilde: o monumento ao escritor ostenta centenas de marcas de batom, já que costuma ser beijado por fãs.

Morrison “dorme” em túmulo simples, mas badalado

O túmulo de Jim Morrison, no cemitério de Père-Lachaise, é, por si só, bem modesto. Não há nenhum mausoléu ou outra grande construção. Bustos do cantor já foram colocados lá algumas vezes, mas nunca permaneceram, devido ao vandalismo. Uma lápide mais elaborada também já foi instalada, mas não durou muito tempo.

Túmulo de Jim Morrison, do The Doors, é o mais visitado: para ele, fãs deixam de flores a cigarros de maconha.

Ficou, então, a construção simples, mas que não deixa de atrair dezenas, até centenas de pessoas diariamente. O ponto também difere da maioria por vários outros motivos: chegando pró,ximo ao local, já percebe-se um clima diferente.

Inscrições como ‘Lizard King‘, ou Rei Lagarto – como Morrison se autodenominava -, ou outras referências, indicando a direção do jazigo, podem ser encontradas com facilidade em tumbas próximas.

As homenagens nem sempre são as convencionais flores. Há quem deixe garrafas de whisky e até cigarros de maconha como oferendas ao ídolo. Fãs cantando músicas como The End ou recitando poemas do ídolo também são encontrados com certa facilidade.

O local também se destaca porque é o único que foi cercado com grades de ferro e por ser um dos poucos que têm vigilância permanente, seja por um segurança de plantão, ou por câmeras.

 A relativa anarquia que cerca o túmulo de Morrison foi motivo até para que famílias de outras pessoas que estão enterradas lá fizessem campanhas para “expulsar” o cantor do cemitério. (HM)

Serviço

No site www.pere-lachaise.com há um interessante guia interativo e outras informações (em inglês e francês). Para imprimir um mapa, é melhor usar o atalho http://migre.me/jCn.

Lá estão as coordenadas para alguns dos túmulos mais visitados. Mapas do metrô parisiense podem ser encontrados no site www.ratp.info, e mapas das ruas de Paris estão no site oficial do município, www.paris.fr (em francês, inglês e espanhol), ou no Google Maps (http://migre.me/jzK, para as redondezas do cemitério). (HM)

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