Pilotando motos Yamaha XT 600, nós, Renato Schneck, Daniel Guerra, Fernando e Gustavo, partimos de Curitiba no dia 26 de dezembro de 2001 para percorrer 12.900 quilômetros, incluindo a parte norte da Argentina, centro e sul do Chile, Rodovia Panamericana e Carretera Austral (Patagônia Chilena), Estreito de Magalhães, Terra do Fogo, Ushuaia, Patagônia Argentina pela Costa Atlântica, Buenos Aires, Uruguai, entrando no Brasil pelo Chuí, subindo pela costa até o Paraná, chegando trinta dias depois, em 26 de janeiro de 2002.
Tracei um roteiro repleto de atrações das quais nunca mais esquecerei. Percebemos que a motocicleta tem o poder de enriquecer muito uma aventura como essa e é muito bem vista pelos nossos vizinhos da América do Sul, que adoram turistas aventureiros. Ao longo do caminho, recebemos vários tipos de incentivo, desde um simples aceno até a solicitação de entrevistas para os jornais e rádios locais.
Deixando a parte norte da Argentina com destino a Santiago pela fantástica Cordilheira dos Andes, uma subida de 3,2 mil metros de altura por asfalto, se tem um belo visual do Aconcágua (sentinela de pedra) e depois dos “Caracoles”, com suas intermináveis curvas descendo a quinhentos metros já no lado chileno.
Os incas conheciam pelo nome de Anta, que na língua quíchua significa “cobre”, a cordilheira situada ao sul do Peru, onde havia abundância desse metal. A denominação, que no século XVI aparece como Antas e Antis, passou depois a designar toda a cadeia. Os Andes, uma das mais altas cordilheira do planeta, só é inferior em altitude ao Himalaia. Nela se acham os pontos culminantes das Américas e, em suas encostas, desenvolveram-se diversas culturas e civilizações.
É difícil descrever a beleza da Cordilheira dos Andes de norte a sul pelos países por onde ela se estende. Da Venezuela até a Terra do Fogo podem-se encontrar bosques milenares que se prolongam pelas margens de serenos espelhos d’água. Seus picos de granito nevados com vulcões tornam essas montanhas as mais belas da terra.
Privilégio também é passar o réveillon em frente à Praça do Governo em Santiago, assistindo a uma queima de fogos de artifício de aproximadamente quarenta minutos, tendo como companhia milhares de pessoas com suas famílias festejando ordenadamente a passagem do ano. Seguindo sempre para o sul, a partir de Santiago, pela Panamericana, em 1.026 quilômetros se chega a Puerto Mont, porta de entrada para a Carretera austral, tendo a companhia dos Andes à esquerda e o Oceano Pacífico à direita. Nesse ponto, podem-se avistar famosos vinhedos chilenos ao longo da estrada e algumas das mais importantes cidades chilenas, como Rancágua, Concepción, Talca, Chillán e Temuco.
Chile e Argentina sobre duas rodas
Uma viagem econômica, como essa, não significa exclusão de conforto ou classe social; pelo contrário, encontra-se nas pessoas simples muita fraternidade e uma amizade sincera, longe do tratamento frio recebido nos hotéis, onde você é simplesmente mais um.
Muitas pessoas transformam suas casas em hospedarias para viajantes porque é uma forma de ganhar algum dinheiro. Dona Elisa, uma dessas simpáticas senhoras, nos hospedou e ofereceu um jantar, café, pão caseiro, doce de amora que ela mesma preparou. Filha de italianos, adora trabalhar, fica até as 2h da manhã na beira do asfalto com uma placa nas mãos fazendo propaganda, para hospedar turistas cansados. Conversamos e dona Elisa nos indicou um mercado municipal da cidade de Temuco, onde há muito artesanato “mapuche” e roupas de alpaca para se proteger do frio da Carretera Austral.
A ilha chamada Chiloé a é segunda maior da América. Só perde para a Terra do Fogo. Ela tem uma extensão de 180 quilômetros de norte a sul. Sua história conta que esta ilha foi por muito tempo habitada por índios cuncos, chonos e Mapuches que se rebelaram em 1599 contra os espanhóis, destruíram seus povoados e, por 200 anos, ficaram isolados do resto do país. Viviam com um mínimo de recurso, formando assim uma cultura própria, ou seja, diferente do restante do Chile.
A ordem jesuíta fez dessa ilha sua especial responsabilidade, deixando seu registro em 150 igrejas de madeira construídas nos séculos XVIII e XIX. Esse legado foi reconhecido pela Unesco como patrimônio da humanidade, mas o maior legado que os jesuítas deixaram foi o menor índice de analfabetismo do país.
A grande quantidade de parques nacionais e áreas consideradas como reservas mundiais da biosfera, dentre as quais se encontram o Parque Nacional Laguna San Rafael, Parque Queulat, Reserva Nacional Coyaque, Reserva Rio Simpson, Serro Castillo, Reserva Tamango e os míticos campos de gelo, fazem com que os habitantes tenham consciência e respeito dos recursos naturais e do patrimônio ecológico da região. Essa região representa 24% do território chileno e as cidades mais importantes são Puerto Aisén, Puerto Cisnes, Chile Chico, Cochrane, tendo como capital regional a cidade de Coyaque, com 36 mil habitantes. A temperatura média anual é de 10 graus. O clima da região é um tanto variado, mas mesmo no inverno, quando a temperatura fica abaixo de zero, é possível desenvolver normalmente atividades turísticas ao ar livre.
As bacias hidrográficas formadas pelos rios Palena, Cisnes, Aisén, Baker, Bravo e Pascua garantem os belos visuais do caminho austral. As termas na área de Puyuhuapi, Fiorde Aisén, Fiorde Quitralco constituem um novo e magnífico atrativo para desfrutar a agradável temperatura da água, em meio a exuberante natureza.
Deixando a Carretera Austral, pulamos para a Argentina pelo último passo antes do chamado Campo de Gelo Norte do Chile. Trata-se de uma longa placa de gelo intransponível por terra, obrigando a seguir pela Argentina ou então por via marítima até Puerto Natales. Continuamos pelo rípio (estrada de chão) argentino na Ruta 40, que por trechos de até trezentos quilômetros você não encontra nenhum morador, apenas animais como cavalos selvagens, guanacos, raposas e avestruzes.
Chegando a Calafate, você visita o famoso Glaciar Perito Moreno, único no mundo que aumenta sua massa de gelo apesar da elevação de temperatura do planeta. Imediatamente, do outro lado da cordilheira, de volta ao Chile, está um dos parques mais lindos do mundo, chamado de Torres del Paine, que precisa de pelo menos de três dias de visita.
O vento e o frio dão sua generosa contribuição para a aventura da Patabrasil porque com o vento que varia de 80 a 120 quilômetros por hora, a pilotagem da moto não obedece mais as leis da física.
Punta Arenas é uma cidade atraente com cemitério despertando muita curiosidade. E tem mesmo. Fui comprovar: todo arborizado com cedros podados tipo bastão e mausoléus mais parecendo casarões. Aqui no Estreito de Magalhães, onde a história flutua no encontro dos oceanos Atlântico e Pacífico, está a última terra – Terra del Fuego, maior ilha da América do Sul, que foi nosso destino.
Durante toda a viagem deparei com muitos perigos de acidentes ou tombos que perseguem um motociclista, mas venci todos e não cai uma só vez, apesar de haver momentos que cheguei até em aceitar um tombo no rípio.
Mas “aquelas mãos” na hora certa me salvaram. Não perder a concentração e administrar a ansiedade, são fatores importantes e decisivos para chegar inteiro. Por falar em ansiedade imaginem só a emoção que um ciclista, vindo do Alaska, pedalando por 18 meses e, a apenas 40 quilômetros do seu destino, o que estava sentindo? As marcas profundas em sua pele respondiam o quanto esse ciclista inglês enfrentou para completar esta façanha. Fantástico!
Nos últimos quilômetros já estava certo de que não poderia ser melhor o visual que tínhamos do lugar, comparado aos meus sonhos. Um total de 7.444 quilômetros foram necessários para chegar a Ushuaia, às 20h, depois de 460 quilômetros de rípio a partir de Punta Arenas. Navegando em transbordador (navio) por três horas e mais 500 quilômetros de rípio, está Ushuaia, objetivo final de muitos viajantes, de moto, carro, bicicleta, os aventureiros vão chegando de todos os lugares e no final do mundo todos falam a mesma língua. Conseguimos. Agora é só voltar e guardar toda a emoção. Imaginar que aqui e por todos esses lugares por onde passei, existem pessoas iguais a nós, que viajam por tantos quilômetros para contemplar essa maravilhosa região sem igual, batizada por Fernão de Magalhães, como “Patagônia”.
Serviço
– A Patabrasil é uma equipe de expedições que realiza aventuras como essa que teve como cenário o Chile e a Argentina. As viagens são sempre planejadas para ser feitas de moto ou a pé. Mais informações sobre as próximas aventuras podem ser obtidas pelo telefone (41) 264-5376.