Curucutu revela a São Paulo preservada

Imagine cascatinhas e bicas de água pura jorrando com força pelas pedras em meio à mata atlântica preservada. E mais: trilhas e mirantes no alto do morro, de onde se vê, ao longe, o oceano. Florestas de galeria, com águas límpidas, fauna variada com toda a cadeia alimentar, desde o beija-flor até a onça pintada. Vamos caminhar por lá e sentir a leve flagrância das bromélias e das orquídeas, olhar as pegadas da anta na areia e seguir os rastros de um filhotão de suçuarana com mais de setenta quilos.

Na mesma região têm ainda três aldeias indígenas e muitos rios caudalosos, ideais para o canyoning e cascading, além de rochas de todo o tamanho e formato, boas para o rapel. Esta não é a descrição da Amazônia nem de nenhuma outra paisagem do Brasil remoto e preservado. Trata-se do Núcleo Curucutu, do Parque Estadual da Serra do Mar, extremo-sul do município de São Paulo, no marco de divisa com Itanhaém e Juquitiba, em plena selva paulistana.

Pouquíssimo conhecido dos milhões de paulistanos, esse pedaço conservado de verde, com cerca de 23 mil hectares, faz parte do grande retalho de reservas naturais de encostas da Serra do Mar, que vai desde o Rio de Janeiro até o Paraná, onde ainda sobrevivem menos de 3% do que restou da vegetação natural do estado de São Paulo.

Originado de uma antiga fazenda de carvão, da qual tomou o nome, o Núcleo Curucutu tem importância estratégica na manutenção dos mananciais que alimentam a represa do Guarapiranga. É lá onde se situam as cabeceiras dos rios Capivari, Embu-Guaçu, Itariri e Mambu. Curucutu é palavra indígena, uma onomatopéia do pio da coruja.

Essa crista da Serra do Mar, a mais de oitocentos metros de altura, é coberta por rara mata nebular, com arbustos baixos e samambaias onde se abrigam répteis, pequenos roedores e insetos raros como os gafanhotos gigantes, petiscos muito apreciados pela morucututu e suindara (dois tipos de corujas). Aberto aos visitantes ecológicos, o espaço é também usado pelos pesquisadores.

Os aventureiros que quiserem descobrir essa face “natureba” muito próximo de São Paulo devem se preparar, pois não é nada fácil chegar até lá. Se o veículo for 4×4, vale a pena tentar.

Expedições radicais

Hoje, o parque mantém somente duas trilhas abertas para os visitantes. As duas são bem leves e agradáveis de se fazer. A mais longa é a Trilha do Mirante, que leva até o topo de um morro onde está encravado o marco divisório entre os municípios de São Paulo, Itanhaém e Juquitiba. De lá de cima dá para ver o mar. Fica bem em frente às areias do balneário do litoral sul paulista onde o padre José de Anchieta escreveu seus poemas.

Ao todo são 2.260 metros de caminhada, parte dela em aclive, em meio à mata nebular e capões de arbustos esparsos. Lá de cima é possível avistar o mar de morros e serranias e nenhum vestígio da grande metrópole. Tudo verdinho e agora florindo, com a chegada da primavera. Numa elevação próxima fica uma antiga capela, usada pelos funcionários da velha fazenda de carvão para fazer suas orações.

Na verdade, ali eles cometeram o grande pecado de ter destruído toda a vegetação nativa da parte continental da serra. As árvores centenárias eram arrancadas e queimadas em fornos feitos nos barrancos. Os recursos combustíveis da Mata Atlântica, na virada do século XIX, equivaliam a 6,2 bilhões de toneladas de carvão.

A indústria paulista foi movida pela floresta. Hoje, já se constata, durante esse curto trajeto, a recuperação da mata, que já está no padrão de secundária tardia. Nesse estágio, as árvores chegam no máximo a dez metros. Próximo à sede do parque, no começo da trilha, existe um bosque de pinus, cerca de sessenta mil árvores de bom porte.

A segunda caminhada é pela Trilha da Bica. Segue por 1,1 mil metro em meio ao tapete de esporões de pinheiros até chegar a uma canaleta de bambu de onde jorra um grosso filete de água límpida. Um pequeno poço com pedras no fundo convida ao refrescante contato com a natureza.

É só descansar um pouco, encher o cantil, tomar o lanche e continuar andando. Mais acima existe uma pequena cascata e também um outro poço maior, onde os mais ousados podem até arriscar um bom mergulho. A água é muito fria e pura.

A sede do parque tem algumas construções e um galpão onde são dadas palestras e conferências sobre educação ambiental. Ainda para este ano está programada a abertura de uma terceira via, a Trilha do Avião, em formato circular, com seis mil metros de percurso. Segue da sede até o topo de um morrete próximo onde caiu um avião Cessna, há alguns anos. Os destroços ainda permanecem por lá.

Mais radical

Para os turistas mais radicais, o coordenador do núcleo, Maurício Alonso, está preparando um outro programa que logo estará disponível ao público: é a descida até o litoral. Esta expedição passa por rios e cachoeiras, percorrendo cerca de vinte quilômetros de obstáculos naturais e promete sensações aventureiras na descida, praticando esportes como rapel, cascading e canyoning. Hoje, é possível percorrer trajetos de bike pela Estrada da Reserva e também andar a cavalo ou realizar um rallie off road. A escolha é toda sua.

O Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar atende os visitantes com hora marcada. Para agendar visitas é preciso ligar antecipadamente para (11) 5975-2000 ou 6231-8555, ramal 2051.

Serviço

Curucutu fica a cerca de setenta quilômetros da praça da Sé, no extremo-sul do município de São Paulo. Seguir até o final da avenida Teotônio Vilela, em direção a Parelheiros e Engenheiro Marsilac. Continuar até o povoado de Embura e depois pegar a Estrada da Ponte Alta e Estrada da Bela Vista, também conhecida como Estrada da Reserva. De Embura até a sede do Núcleo são cerca de dezoito quilômetros de estrada de terra em péssimas condições.

Onde ficar

O núcleo só dispõe de alojamento para pesquisadores. Nos arredores é possível fazer camping selvagem. Mais informações: (11) 5975-2000 ou 3372-2337.

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