Cerveja conduz turistas no Vale do Itajaí

Um roteiro para apreciador de cerveja nenhum botar defeito é oferecido no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. O local concentra nove microcervejarias artesanais, que oferecem uma infinidade de bebidas diferentes e só encontradas ali. E a combinação água-lúpulo-malte-fermento tem seduzido muitos turistas para este recanto catarinense. Da pilsen, a mais consumida no Brasil, à Lust, primeira cerveja fabricada pelo método champenoise no País e terceira no mundo, este roteiro é um mergulho em um universo tão encantador e antigo quanto o do vinho.

Contando o que é fabricado por todas elas juntas – estamos incluindo mais duas mini micros artesanais que não têm uma fábrica propriamente dita – Blumenau e região oferecem 21 tipos de cerveja diferentes. Se levarmos em conta que praticamente todas fabricam pilsen, mas cada uma tem sua receita própria – ou seja, entre os mesmos tipos de cerveja, cada bebida é única -, este número dobra.

Só a Eisenbahn, a maior e mais famosa delas, produz 13 tipos. É ela que assina a Lust, uma cerveja que, depois de pronta, segue para uma vinícola onde passa pelo processo de fabricação do champanhe. O resultado é leve e saboroso, como uma cerveja aerada de paladar frutado e refrescante. Outra curiosidade da casa – que, aliás, é especialista em ousadia – é o Bierlikör, um destilado à base de cerveja. Do bar da Eisenbahn, onde há degustação e happy hour, é possível observar a fábrica, curtir música ao vivo e saborear um petisco.

A Lust passa pelo processo de fabricação do champanhe.

Outra cervejaria que virou ponto de parada é a Zehn Bier, de Brusque. O restaurante, além de ter uma decoração especial, oferece um cardápio bem elaborado que alia culinária típica alemã a pratos inovadores. Entre as bebidas, seu diferencial é uma porter, cerveja tipo inglesa feita com malte torrado e com aroma de chocolate e café. Já a Das Bier, que fica na cidade vizinha de Gaspar, tem uma proposta um pouco diferente. Digamos, menos urbana, localizada em um bairro distante do centro, chamado Belchior Alto. Em área rural, a propriedade da família Schmitt era um pesque-pague como centenas de outros que existem na região. A cervejaria surgiu quando seus donos resolveram agregar valor à propriedade.

O resultado foi um bar com a vista mais bonita do roteiro, cercado de lagos, montanhas verdes e até uma casa histórica. Em uma enorme varanda florida é possível degustar suas cervejas e beliscar um petisco. Destaque para a braunes ale, de cor escura e traços de chocolate que contrastam com o perfume do lúpulo. Uma curiosidade da cervejaria é a cave no subsolo, decorada em estilo medieval que lembra perfeitamente uma taberna. As tochas são de mentirinha, mas o produto que escorre dos barris de madeira é bem verdadeiro. Trata-se de uma cachaça, também artesanal, produzida por moradores locais.

Terra da Cerveja

Além da cerveja, a Schornstein, em Pomerode, tem cozinha com
culinária típica alemã.

De volta a Blumenau, temos ainda a Bierland, ou Terra da Cerveja. Com um pequeno bar para degustação, a cervejaria vem se destacando com a sua weizenbier, o chope de trigo. Em Pomerode, o nome da cervejaria da cidade é complicado: Schornstein (lê-se xórnstain). Mas não importa. A essa altura do campeonato você já vai estar tão entendido de cerveja que pronúncia é o que menos vai importar. O importante será o sabor, o aroma e a cor dos chopes que ainda estão por vir. Além de produzir cerveja de qualidade, a Schornstein ainda tem uma cozinha ótima com cardápio baseado em culinária típica alemã. Destaque para o hackapetter, uma receita centenária preparada na mesa pelo maitre. Outra curiosidade é o prédio da cervejaria com cerca de 50 anos e uma chaminé de 30 metros de altura toda de tijolos maciços. Esta é sua principal referência e está na logomarca e no significado do nome Schornstein.

A música completa o clima
de Alemanha na Eisenbahn.

Nas cidades vizinhas de Timbó e Indaial estão as microcervejarias Borck e Heimat. Nenhuma delas tem local para degustação junto à fábrica, mas aceitam visitação turística e seus produtos são encontrados em bares e restaurantes da região. A Borck é a única que produz malzebier, cerveja escura que leva corante caramelo. E a Heimat tem uma história interessante em que resgata uma receita de 700 anos trazida da Alemanha pelo avô do seu proprietário, em 1932. A sua donatal kloster bier era produzida nos porões das casas medievais da cidade germânica de Lindau.

Paixão que atravessa gerações

Giselle Zambiazzi e Luciana Zonta

Os sumérios, primeiro povo civilizado de que se tem notícia, já consumiam cerveja há cerca de seis mil anos. Egípcios, gregos, romanos e germanos também conheciam a bebida. Ela foi descoberta por acaso, através da panificação. Quando a massa era deixada no tempo, umedecia e fermentava, dando origem a uma bebida alcoólica que pode ser considerada ancestral da cerveja que bebemos hoje. A partir de 800 a.C. os conventos europeus assumiram a sua fabricação. Foram os monges que tiveram a idéia de adicionar o lúpulo para dar o amargor e o aroma.

Foto: Patrick Rodrigues
Blumenau é o berço das cervejarias em Santa Catarina – receitas
vieram no século XIX.

Em Santa Catarina, as primeiras receitas de cerveja artesanal vieram com os imigrantes alemães que colonizaram a região de Blumenau no século XIX. Em 1860, quando a cidade não tinha mais do que 950 habitantes, sua primeira microcervejaria foi fundada. E não demorou para que praticamente cada bairro tivesse seu próprio cervejeiro. Na Europa, até hoje é assim. Lá, cerveja é como futebol no Brasil. Cada marca tem seus apreciadores, que a defendem com paixão.

Com o surgimento das marcas comerciais e a melhoria das estradas, na década de 50, as artesanais foram desaparecendo e a tradição acabou guardada na gaveta. No início dos anos 80s, com a criação da Oktoberfest, Blumenau fixou sua imagem no resto do País como a terra da cerveja e do chope. E não é para menos. A Oktober, como é chamada pelos seus foliões, é a segunda maior festa cervejeira do mundo, perdendo somente para a original, que acontece há 197 anos em Munique, na Alemanha.

Há dez anos, um turista gaúcho foi a Blumenau em busca de algo que não encontrou. ?Eu pensei que ia ver a tradição alemã com suas cervejas diferentes, que só existiriam aqui?, conta Brunhard Borck. Pouco tempo depois, a rescisão do antigo emprego e a necessidade de encontrar o que fazer ajudaram a fomentar a idéia e ele se mudou para Timbó, pertinho de Blumenau, onde fundou a Borck, primeira microcervejaria artesanal da região e, suspeita ele, do Brasil.

Hoje, a cada ano surge uma nova fabricante artesanal da bebida. Além de Blumenau e Timbó, outras cidades da região como Brusque, Gaspar, Indaial e Pomerode também têm as suas, com suas receitas e sabores próprios. Sem querer, elas acabaram criando um novo roteiro em Santa Catarina que ainda está sendo oficializado e engloba gastronomia, arquitetura, cultura e muita alegria.

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