Dores, falta de ar e crises tão fortes que acabavam com seu ânimo e disposição fizeram parte da rotina de Euza Maria dos Santos durante oito longos anos, período em que ela sofreu com uma miocardiopatia dilatada, doença que impede o bombeamento do sangue para o corpo e que, além de outras complicações, pode levar o paciente à morte. Mas, há cinco meses, a vida da aposentada de 52 anos mudou. Isto porque ela saiu da fila de espera por um transplante e conseguiu receber um novo coração, que hoje bate forte em seu peito.
O transplante foi realizado em outubro de 2014 no Hospital Santa Casa de Curitiba, apenas poucos dias antes de ela completar um ano na fila à espera pelo órgão. E o coração que hoje permite que ela esteja viva foi doado pela família de um jovem de 22 anos, morto em uma situação de violência urbana na região de Curitiba. Mas, apesar de ter essas informações, Euza não pensa em manter contato com a família, ainda que diga que não evitaria um encontro caso fosse procurada.
Mas até chegar ao transplante a luta dela foi longa e dolorosa. Euza chegou a receber um marca-passo, que mesmo após três cirurgias para ajustes, não surtiu o efeito desejado e acabou desligado. Agora, depois de tantas dificuldades, ela comemora. “Sempre fui muito ativa e forte, mas a doença limitava a minha vida. Hoje, tenho muitos cuidados com a minha saúde para evitar a rejeição ao transplante, mas me sinto abençoada e feliz, consigo fazer planos para o futuro, quero viajar com meu marido”, relata.
E, para ajudar outras pessoas a terem a mesma chance, Euza e o marido fazem campanhas de divulgação sobre a doação de órgãos, entre os amigos e pela internet. “Acredito que se as pessoas doarem órgãos, doarem vida, elas só receberão coisas boas de volta”. No Paraná, de acordo com dados da Central Estadual de Transplantes (CET-PR), a fila de espera por um órgão vindo de um doador falecido conta, atualmente, com 2.148 pacientes cadastrados. E a maior demanda é por transplantes de rim, com 1.119 pacientes. Em seguida, vêm os que necessitam de córnea (289), fígado (102) e coração (38).
Como é feita a doação
No Brasil, essa ação pode ser feita com órgãos de doadores vivos ou falecidos. A doação entre vivos é feita com uma pessoa saudável, doando um rim, medula óssea, e em algumas situações, parte do fígado ou pulmão. Essa doação é feita geralmente entre parentes compatíveis, que, pela lei, podem ter parentesco de até quarto grau, entre cônjuges e entre não parentes, nestes casos, somente com autorização judicial.
Já os doadores falecidos são aqueles que apresentam morte encefálica, a interrupção irreversível das atividades cerebrais. A doação dos órgãos dessas pessoas é feita com a autorização da família, permitindo que órgãos como rins, coração, pulmão, fígado e pâncreas, córneas, pele, tecidos e ossos sejam retirados cirurgicamente. De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), para ser doador, não é necessário deixar nada por escrito, mas é fundamental comunicar à sua família o desejo da doação.
E, segundo a médica e coordenadora do Sistema Estadual de Transplantes, Arlene Terezinha Badoch, um único doador pode salvar até oito vidas. Ela explica que, para viabilizar um transplante, no Paraná, existem serviços ligados ao Sistema Estadual de Transplantes, que funcionam 24 horas por dia, com a atuação de profissionais que monitoram e notificam todos os casos de provável morte encefálica. “Depois dessa notificação, um protocolo é aberto e encaminhado a CET-PR para dar início ao processo, que inclui a id,entificação do receptor, realização de exames e a análise de diversos critérios, entre eles a compatibilidade”.
Pro resto da vida
Para a médica nefrologista responsável pelos transplantes de rim da Santa Casa de Curitiba Fabíola Pedron Peres da Costa, o transplante não é uma cura, mas um eterno tratamento. “Eu sempre começo a consulta com essa informação. No caso de problemas nos rins, por exemplo, em vez de fazer diálise, o paciente terá que tomar remédios e passar por consultas constantes, por toda sua vida, para evitar uma rejeição, ainda que tardia”.
Fabíola lembra que, ao fazer um transplante, o paciente volta a ter qualidade de vida, mas, para garantir o sucesso do procedimento, é preciso manter a aderência ao tratamento. “Mesmo depois de 20 anos, ainda será necessário tomar os medicamentos e manter alguns cuidados. E é isto que garante vida normal, fazendo com que muitos pacientes trabalhem, tenham filhos e atuem na sociedade”.
Outro aspecto importante antes, durante e depois de um transplante, é cuidar da saúde emocional do paciente e de sua família. Quem tem experiência nessa área é o psicólogo conselheiro do Conselho Regional de Psicologia (CRP) e responsável pela hemodiálise e acompanhamento do processo de transplante do Hospital Pequeno Príncipe, Bruno Mader. Para ele, é difícil alguém ficar indiferente a um transplante. “Depois de um procedimento desses, a família receptora costuma ficar muito emocionada e agradecida. Entre os doadores a sensação é de satisfação e conforto, especialmente quando o doador é falecido, isto pode amenizar a dor da perda dos parentes” relata.