É cada vez mais comum esbarrar em pessoas que não conseguem ficar muito tempo sem estarem conectadas à internet, enviando mensagens pelo celular, consultando e-mails pelo PDA ou simplesmente navegando na rede pelo notebook com conexão sem fio. Há também aqueles que não largam o tocador de mp3, e os que vivem comprando as últimas novidades tecnológicas, muitas vezes antes até de saber se serão úteis no dia-a-dia.
Esse tipo de comportamento é prontamente diagnosticado por muitos como vício. Porém, a chamada dependência digital é ainda muito difícil de ser diagnosticada, segundo especialistas. Isso porque há uma linha muito tênue entre a dependência e a necessidade, ou até mesmo um simples fascínio pela tecnologia.
Andréa Nolf, psicóloga do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática (NPPI) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), é bem cuidadosa na hora de diagnosticar os comportamentos compulsivos. ?Hoje não podemos mais dividir a vida real da virtual?, diz. Para ela, isso atrapalha a definição de onde a compulsividade começa.
?Tem pessoas que trabalham com internet, ficam conectadas 16 horas por dia, mas não podem ser consideradas compulsivas?, diz. O fator mais importante, para ela, é o contexto. ?Quando a tecnologia interfere demais na vida presencial e não é usada de maneira produtiva, mas sim compulsiva, isso pode ser um sinal de patologia?.
?Ainda não aprendemos a conviver pacificamente com a mudança trazida pela era digital?, explica a psicóloga Adriana de Araújo. Para ela, que é especializada no tratamento de fobias, o vício digital começa a aparecer quando a pessoa deixa de fazer atividades que eram comuns ao seu dia-a-dia, afastando-se de relacionamentos e não conseguindo controlar o uso da tecnologia. ?Queremos acompanhar a evolução tecnológica e deixamos de perceber o ritmo natural dos acontecimentos?, alerta.
O que também foge da regra é o perfil dos pacientes. Andréa conta que já atendeu, no NPPI, desde adolescentes até idosos. Mas um comportamento, segundo Andréa, é comum em todos os casos: a existência de um problema anterior, que gera uma lacuna que, por sua vez, acaba sendo preenchida pela tecnologia.
O NPPI (www.pucsp.br/nppi) é um dos poucos locais que oferece ajuda a quem está com problemas ligados ao uso excessivo da tecnologia – outro é o Hospital de Clínicas de São Paulo (www.dependenciadeinternet.com.br). Os ?hard-usuários?, como são chamados no núcleo, são inicialmente atendidos por e-mail, e, caso seja detectada necessidade de tratamento, são encaminhados à psicoterapia.
Falta de dados pressupõe uso do bom senso
Há poucas pesquisas no Brasil em relação à dependência digital. Porém, alguns estudos internacionais podem servir como paralelo. Um dos mais recentemente divulgados foi promovido pelas professoras Nada Kakabadse e Susan Bailey, da Universidade de Northampton, na Inglaterra. Elas detectaram o que chamaram de ?tecnovício? em cerca de um terço das 360 pessoas que entrevistaram.
A professora Kakabadse faz, inclusive, um prognóstico pessimista para uma situação similar às que aconteceram com o fast food e o cigarro, recomendando que todos os aparelhos cujo uso possa criar hábitos venham com avisos sobre o risco de vício e dicas de como detectá-lo e impedi-lo.
Bom senso
Mas o fascínio pela tecnologia não necessariamente se transforma em dependência.
Pelo contrário: muitas pessoas conseguem otimizar suas vidas para usar a tecnologia em favor próprio, sem que isso atrapalhe o dia-a-dia.
A dentista Bia Kunze, de Curitiba, é um exemplo: fascinada por tecnologia móvel, ela a utiliza ao máximo para a ajudar em seu cotidiano. Nem só isso: tem um blog (www.garotasemfio.com.br) que se tornou referência nacional no assunto, dando palestras pelo País sobre a união da tecnologia com a produtividade. ?A tecnologia está aí disponível. E é possível usá-la para ter produtividade, sem se estressar?.
Seus métodos parecem funcionar: Bia consegue, muito graças à tecnologia, unir as atividades de dentista, consultora, palestrante, blogueira e estudante de jornalismo. ?Tenho uma vida plena, organizada, produtiva.
O estresse não me afeta.
Faço atividades físicas com regularidade e tenho tempo para fazer um jantar caprichado para meu marido ao chegar de noite em casa. Não tem milagre aí, só técnicas de otimização de tempo e produtividade?.
Uma dica de Bia para que a tecnologia não atrapalhe é afastar-se dos aparelhinhos por determinados horários.
?Faço tudo durante o meu horário comercial. Aproveito cada minuto. Em casa, não chego perto de nada que seja trabalho, nem nada que tenha botão.? (HM)