celula2071105.jpgDepois de muita briga e muita expectativa, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) devem iniciar nos próximos meses o primeiro estudo do País com células-tronco extraídas de embriões humanos brasileiros. O projeto, desenvolvido pela geneticista Mayana Zatz, teve financiamento aprovado na semana passada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A proposta é desenvolver as primeiras linhagens brasileiras de células-tronco embrionárias humanas e usá-las em estudos de diferenciação para o tratamento de doenças neuromusculares.

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A pesquisa promete ser cercada de polêmica, já que implica na destruição de embriões humanos para a obtenção das células. Procedimento que enfrenta forte oposição ética por parte de segmentos religiosos e da própria comunidade científica que consideram o embrião um ser humano. A prática só foi autorizada no Brasil em março, com a publicação da nova Lei de Biossegurança.

O primeiro edital federal para financiamento das pesquisas, no valor de R$ 11 milhões, foi lançado também em março. O resultado, entretanto, foi um banho de água fria na euforia dos cientistas: dos 41 projetos aprovados, nenhum deles previa o desenvolvimento de linhagens de células-tronco a partir de embriões brasileiros – que era justamente o objetivo maior da luta pela aprovação da lei.

Mayana, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP e símbolo do movimento pela liberação das pesquisas, não foi contemplada originalmente no edital, mas recorreu. O CNPq acabou aprovando o projeto, que, segundo ela, deverá receber cerca de R$ 400 mil. O estudo será feito em colaboração com cientistas da Universidade Estadual do Ceará.

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Com financiamento garantido, o projeto deve passar agora pelo comitê de ética em pesquisa da universidade. "Queremos começar as pesquisas no início de 2006", revelou Mayana ao Estado. "Já estamos atrasados demais." Outros projetos aprovados no edital utilizarão células-tronco embrionárias humanas produzidas no exterior.

As células-tronco embrionárias (CTEs)representam uma das áreas consideradas mais promissoras da biomedicina. Elas são as células presentes nos primeiros estágios de desenvolvimento embrionário, que se diferenciam para dar origem a todos os tecidos do organismo. Cientistas ao redor do mundo já estão utilizando as CTEs em estudos de diferenciação celular e embrionária. A esperança é que, no futuro, elas possam também ser usadas na recuperação de tecidos lesionados e no tratamento de uma série de doenças graves, como mal de Parkinson e diabete.

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O novo projeto será voltado para as doenças neuromusculares. O primeiro desafio será descongelar os embriões extrair as células-tronco de dentro deles e tentar estabelecer uma linhagem celular permanente que sirva de base para as pesquisas. Os cientistas, em seguida, tentarão controlar a evolução das células embrionárias para que elas se transformem em células musculares e nervosas – tecidos que são prejudicados nas doenças neuromusculares. Essas células, então, serão testadas em experimentos in vitro e no tratamento de camundongos portadores de deficiências.

Mayana ainda não possui os embriões, mas está articulando parcerias com clínicas de reprodução humana para sua obtenção. A Lei de Biossegurança autoriza apenas o uso de embriões produzidos por fertilização in vitro para fins de reprodução assistida, que estejam congelados há mais de três anos e sejam doados para pesquisa com o consentimento dos pais.

A pesquisadora cobra urgência na regulamentação da lei, que deverá ditar regras específicas para o uso dos embriões. Segundo ela, a taxa prevista de sucesso é de no máximo 5% – ou seja, 5 linhagens de células-tronco para cada 100 embriões utilizados. "É um material precioso e temos que ter critérios definidos para o seu uso."