Os avisos estão espalhados pelos aeroportos e postos de combustíveis: mantenha o celular desligado durante o vôo ou enquanto o veículo estiver sendo abastecido. A partir da dissertação de mestrado desenvolvida pela tecnóloga em saúde Suzy Cristina Cabral, defendida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp, é bem provável que o mesmo procedimento passe a ser adotado por médicos e enfermeiros ou pelas pessoas que ingressam na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital para visitar um parente.
De acordo com o estudo, pioneiro na área no país, um dos poucos feitos na América Latina, as ondas eletromagnéticas emitidas pelos telefones móveis podem interferir no funcionamento dos equipamentos médicos, o que pode representar um risco aos pacientes.
Suzy conta que a sua preocupação em torno da possível interferência do celular no funcionamento dos equipamentos médicos surgiu em 1999. Na época, conta, as enfermeiras da UTI pediátrica do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp estavam preocupadas com as possíveis alterações que podiam ocorrer nos equipamentos médicos devido ao uso do telefone celular, pois se falava muito nas interferências nos instrumentos de comunicação dos aviões.
Pesquisa de campo
Para desenvolver o trabalho, primeiro a pesquisadora caracterizou os equipamentos médicos. Depois, tratou de expô-los ao campo elétrico gerado pelo celular, para observar a ocorrência de possíveis alterações.
Os ensaios foram realizados na UTI pediátrica do HC e na UTI neonatal do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), este último também da Unicamp. De acordo com a autora da dissertação, foi possível constatar que, num raio de 1,5 metro, o celular de fato interfere no funcionamento dos equipamentos médicos, como a bomba de infusão, que administra medicamentos aos pacientes. “Nesse caso, observamos a possibilidade de ocorrer alterações importantes na operação do aparelho, o que pode implicar na liberação de remédios aquém ou além da quantidade prescrita”, explica.
Nos ensaios a tecnóloga verificou que o celular também pode interfererir em respiradores e até mesmo na leitura dos eletrocardiogramas. “Um aspecto interessante é que, mesmo sofrendo interferência, os equipamentos médicos não acusam qualquer problema. Isso dificulta a percepção da alteração, criando uma situação de risco para o paciente, sem que o médico e o enfermeiro tomem conhecimento”, adverte Suzy. Segundo ela, no que diz respeito à compatibilidade eletromagnética, os equipamentos hospitalares só passaram a ser certificados a partir de 2002.
De acordo com a legislação, eles suportam a emissão de até 3 volts por metro. O celular, quando opera em potência máxima, gera perto de 40 volts por metro. A pesquisadora destaca que, quanto mais longe da sua estação radio base, maior a potência produzida pelo telefone para poder funcionar.
Equipamentos na UTI
“Se o celular estiver a pelo menos 3 metros dos equipamentos médicos, não há risco. Quem passa pelo corredor do hospital falando ao telefone, por exemplo, não ocasiona nenhum problema para o funcionamento dos aparelhos de uma UTI”, avisa. Suzy também assinala que, assim que tomaram conhecimento do resultado da sua pesquisa, todos os profissionais que atuam nas UTIs tomadas para estudo passaram a desligar os celulares naqueles ambientes.
A mesma atitude já é adotada por médicos e enfermeiros de outros hospitais, que participaram de palestras ministradas pela tecnóloga. “Creio que, em pouco tempo, essa precaução será tão natural quanto desligar o celular ao embarcar no avião”, prevê ela. Atualmente, Suzy desenvolve uma tese de doutorado que dá seqüência ao estudo feito no mestrado.
Desta feita, porém, ela investiga as interferências eletromagnéticas que um equipamento médico pode causar em relação a um outro equipamento médico. “Queremos saber como e em que circunstâncias essa interferência pode ocorrer. Nesse caso, a solução do problema talvez esteja apenas num reposicionamento dos aparelhos dentro da UTI”, imagina.
Os resultados da dissertação de mestrado de Suzy foram apresentados a um grupo de uma universidade da Espanha, que se mostrou interessado em reproduzir a experiência.