Transtorno bipolar afeta também os famosos

Os ex-presidentes norte-americanos Abraham Lincoln e Theodore Roosevelt, o escritor Ernest Hemingway, a novelista britânica Virgina Woolf (suicida; 1941, Sussex, Inglaterra), o pintor impressionista holandês Vicent van Gogh (suicida; 1890, Auvers-sur-Oise, França) e Kurt Cobain (guitarrista e vocalista da banda Nirvana, USA; 1994, Seattle; suicídio e/ou overdose de droga) tinham algo em comum: a fama lograda pelo talento nas respectivas áreas de atuação. Muito provavelmente tinham algo mais em comum: todos eram pacientes do transtorno bipolar.

O transtorno ou desordem bipolar (anteriormente definido como psicose maníaco-depressiva) é uma alteração do humor, gênio ou temperamento caracterizada por períodos alternados de mania e de depressão. O transtorno deixou de ser encarado como uma perturbação psicótica para ser considerado uma perturbação afetiva. O termo mania é popularmente entendido como a tendência de uma pessoa fazer e refazer a mesma coisa. Na conotação psiquiátrica corresponde a um estado exaltado de humor ou euforia. Cerca de 2,5% da população norte-americana na faixa de 18 ou mais anos apresenta sintomas de desordem bipolar. Ou seja, com base no último censo de 300 milhões de habitantes, esta parcela seria de 7,5 milhões de habitantes ou seja um contigente duas vezes maior que a população do Uruguay. Uma cifra mais conservadora é de que 1% de qualquer população é acometida deste tipo de transtorno mental. Caso então, de 1,8 milhão de brasileiros. O desvio é mais freqüentemente encontrado na população de artistas, músicos, autores, poetas e cientistas e acredita-se estar diretamente relacionado com a capacidade criativa destes grupos de pessoas. Uma das maiores autoridades mundiais no tema é a dra. Kay Jamison, professora de psiquiatria na famosa Universidade John Hopkins (USA) e professora honorária na Universidade de St. Andrew (Escócia). O diagnóstico dela como afetada pelo transtorno bipolar se deu aos 17 anos. Seus livros mais famosos são Uma mente inquieta (autobiográfico), A noite cai rápida (versando sobre o suicídio) e Tocada com Fogo (explorando a relação entre a polaridade e criatividade).

Os transtornos bipolares (TB) são enquadrados em dois tipos. No TB I o paciente apresenta os episódios clássicos de mania alternados com os de depressão, podendo um dos tipos de episódio ser muito mais freqüente do que o outro, além de que também pode se dar o caso de que um tipo de fase ou episódio não ter sido ainda detectado. No tipo TB II prevalecem os episódios de hipomania e não de mania. Hipomania é uma manifestação suave ou moderada da mania. As variantes de cada fase e o matiz de suas alternâncias levaram um autor (H. S. Akiskal) a subdividir os transtornos bipolares em 6 subtipos, mas a classificação proposta não se impôs. Há menção a uma variante dita de ciclotimia quando os dois tipos de episódios são de curta duração e moderada intensidade.

A fase maníaca pode assumir distintas facetas desde alegria contagiante até uma irritação agressiva. Também comuns são a elevação da auto-estima (auto-gradiosidade sem limites), aumento de atividade motora e grande vigor físico paradoxalmente a uma diminuição da necessidade de sono. Ainda presente pode estar a ?fuga-de-idéias? ou necessidade de completar pensamentos rápidos e inacabados. Pode se registrar também alta percepção aos estímulos externos e a capacidade de distração com acontecimentos a qualquer conversa em andamento. Não é incomum o aumento do interesse e da atividade sexual. Pode ocorrer também o envolvimento em atividades potencialmente perigosas sem preocupação com isto ou ainda a perda da consciência a respeito da própria condição patológica. O(a) maníaco(a) se imagina um ?super-homem? ou ?super-mulher? e daí sua característica hiperatividade e sensação de que tudo pode.

A fase depressiva é diametralmente oposta à maníaca. A auto-estima em baixa fica comprometida com sentimentos de inferioridade e tristeza além de que a sensação de cansaço é constante. As idéias fluem com lentidão e dificuldade. Há dificuldade para dormir e o acordar é ainda mais penoso pois prenuncia sempre um dia pouco produtivo a ser enfrentado. Podem ocorrer pensamentos negativos em torno de doença e morte. Pode haver inibição do apetite e concomitante perda significativa de peso. No caso de diagnóstico de transtorno bipolar chance elevada de que algum familiar próximo apresente o mesmo quadro psiquiátrico.

O transtorno bipolar não tratado pode se associar com o uso, abuso e dependência de drogas {Tohen M, Zarate C, Turvey C. (1995). The McLean First-Episode Mania Project. Proceedings of the 148th Annual Meeting, American Psychiatric Association, Miami, Fl.} e o risco de suicídio no curso da vida é da ordem de 10 a 15% maior (Tsuang MT, Woolson RF. (1978) Excess Mortality in Schizophrenia and Affective Disorders. Do Suicides and Accidental Deaths Solely Account for this Excess? Arch Gen Psychiatry. 35: 1181-1185}.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.

Só antidepressivos não servem para o tratamento

Medicamentos antidepressivos tipicamente não são prescritos isoladamente mas sim em conjunção com alguma outra droga estabilizadora do humor. No primeiro grupo estão os inibidores seletivos da retomada de serotonina (Zoloft, Paxil, Prozac) ou aminocetonas monocíclicas (Wellbutrin). Na série de estabilizadores pontifica o lítio (na forma de carbonato; muito eficiente mas desaconselhado no caso de doença cardíaca ou renal grave). O lítio é uma ferramenta clássica. A dose terapêutica é relativamente elevada (ca. 900 mg / dia para alcançar níveis séricos de 0,8 a 1,1 milimols/L). Níveis superiores são tóxicos e com sub-níveis de 0,4 a 0,6 mmols / L há um risco maior de reincidência dos episódios {Gelenberg AJ, Kane JN, Keller MB. (1989). Comparison of Standard and Low Serum Levels of Lithium for Maintenance Treatment of Bipolar Disorders. N Engl J Med 321:1489-1493}. Há alguns efeitos adversos do tratamento com lítio tais como o tremor e poliúria (excesso de urina). Há também interação do lítio com outros medicamentos. A neurotoxicidade aumenta com a co-administração de carbamazepina (3.ª opção após lítio e valproato); o nível sérico diminui por efeito dos bloqueadores de canal de cálcio (e.g., verapamil) e xantinas; o nível sérico aumenta com psicotrópicos, tiazidas e inibidores da acetil-colinesterase. Outra alternativa de tratamento do transtorno bipolar são os medicamentos anticonvulsivantes como Tegretol, Trileptal, Topomax, dicalproex (Depakote) e valproato de sódio (Depakene). Trata-se, o último, de um ácido graxo saturado e ramificado, ou seja, uma raridade metabólica do ponto de vista de bioquímica de lipídios. Tem sido visto como uma medicamentação de mais largo espectro do que o lítio pois também se aplica aos quadros de TB de rápida alternância, episódios mistos e uso co-mórbido de drogas {Calabrese JR, Fatemi SH, Kujawa M, Woyshville MJ. (1996). Predictors of Response to Mood Stabilizers. J Clin Psychopharmacology. 16. 2. Suppl 1. 245-305). O nível sérico terapêutico mais adequado está centrado em 350 milimols/L {Bowden CL, Brugger AM, Swann AC, Calabrese JR et al. (1994). Efficacy of Divalproex vs Lithium and Placebo in the Treatment of Mania. JAMA. 271:12. 918-924}. É apropriado um monitoramento de funções hematológicas (e.g., tempo de sangramento) e hepáticas quando da adoção do tratamento com valproato. Está reportada em alguns casos a queda de cabelo e emagrecimento o que pode ser contrabalançado com um adequado suplemento de zinco e selênio. O tratamento com estabilizadores do humor pode bloquear o curso turbulento da desordem bipolar, reduzir o risco de suicídio, aumentar a produtividade e atuação funcional e estimou-se que a 40 a 75% dos pacientes que respondem bem a este tipo de medicamentação alcançam status profissional razoável além da habilidade de viver independentemente {Goldberg JF, Harrow M, Grossman LS. (1995). Course and Outcome in Bipolar Affective Disorder: A Longitudinal Follow-Up Study.. Am J Psychiatry. 152: 379-384). Outro ?freio-de-mão? para a exacerbação do humor é a risperidona (Zargus), um neuroléptico do grupo do benzisoxazol. Insônia, alteração do ciclo menstrual e queda da libido podem ser efeitos colaterais desta última droga. Menção deve ser feita ainda à TEC – Terapia EletroConvulsiva ou aplicação moderada de choques.

A pesquisa científica tem se esmerado na busca de novos recursos terapêuticos para controlar esta enfermidade caracterizada por bruscas oscilações no humor. No Brasil, uma equipe do Hospital de Clínicas de Porto Alegre encontrou que tanto na fase depressiva quanto na maníaca da doença os níveis de BDNF se apresentam reduzidos. Trata-se do Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro, que estimula a produção de neurônios em algumas áreas do tecido cerebral como o hipocampo, implicado no processo de memória. Outro avanço medicamentoso é com os antipsicóticos atípicos tais como a olanzapina (Ziprexa, Zydis, Midax, Tiantrex; Symbyax; uma tienobenzodiazepina), quetiapina (Seroquel; uma dibenzotiazepina piperazínica) e aripripazol (Abilify, Grovel, Irazem). Parece ser consensual entre os clínicos o fato de os antipsicóticos atípicos serem mais bem tolerados pelos pacientes do que os neurolépticos tradicionais (e.g., haloperidol) {J.M.Davis (2003) Arch. Gen. Psichiatry 60553-64}.

Uma criança com sexualidade exacerbada combinada à crença de que é a ?rainha (rei)-do-terreiro? é uma candidata potencial a estar acometida de transtorno bipolar deixando então a categoria de simples criança hiperativa.

Nota

A auto-medicação para transtornos mentais é radicalmente contra-recomendada. Procure ou faça o membro de sua família ou do círculo de amizades procurar um psiquiatra.

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