Toxinas Bacterianas: mecanismos de ação

Muitas bactérias utilizam as toxinas por elas elaboradas como fatores primários de virulência. Por isto as toxinas são definidas como substâncias solúveis, usualmente de natureza protéica, que alteram o metabolismo normal da célula ou tecido hospedeiro com efeitos deletérios nos mesmos.

Exemplos clássicos destas toxinas e das patologias delas decorrentes são a difteria por Corynebacterium diphtheriae, a tosse comprida por Bordetella pertussis, a cólera por Vibrio cholera, o antrax por Bacillus anthracis, o botulismo por Clostridium botulinum, o tétano por Clostridium tetani e a diarréia sanguinolenta e a síndrome urêmica hemolítica por Escherichia coli enterohemorrágica. Cada toxina tem um mecanismo peculiar de ação tal como a danificação da membrana plasmática das células (ex., a formação de poros pela aerolisina de Aeromonas hydrophila), a inibição da biossíntese protéica basal da célula-alvo (ex., a exotoxina A de Pseudomonas aeruginosa), a ativação de vias metabólicas para segundo mensageiros (ex., fator edematoso de Bacillus antracis), a inibição da liberação de neurotransmissores, a ativação do sistema imunológico do hospedeiro (ex., as exotoxinas pirogênicas de Streptococcus pyogenes) e a proteólise ou dissolução do esqueleto protéico do hospedeiro (e.x., metaloproteases de Clostridia). Sabido o efeito maléfico de uma toxina nativa, pode-se alterar a estrutura molecular da mesma (e.g., tratamento com formol) para produzir o respectivo toxóide ou toxina inativa que tem ampla aplicação como vacina, obtendo-se então um impacto positivo na saúde pública.

 A alfa-toxina de Staphylococcus aureus resulta da reunião de 7 unidades protoméricas de pequeno peso molecular (33 Kdaltons cada) que geram uma arquitetura molecular com um formato de cogumelo por cujo eixo interior oco passam a transitar livremente cátions (K+) e ânions (Cl-), permissividade esta não vista numa célula normal. O ?chapéu do cogumelo? ocupa a face externa da membrana plasmática enquanto o ?talo? atua como canal transmembrana. Cada um destes segmentos tem uma muito bem determinada composição de aminoácidos (estrutura primária; ?domínios?) que por sua vez gera as estruturas secundárias (domínios fisiologicamente ativos) que cumprem então os dois papéis morfo-anatômicos acima diferenciados. Esta toxina é citolítica, ou seja, causa a ruptura de células de vários tipos incluindo monócitos, linfócitos, eritrócitos (glóbulos vermelhos), plaquetas e células do tecido endotelial. Para que a toxina atue três eventos seqüenciais são necessários. Os protômeros primeiramente têm que se fixar na membrana plasmática-alvo seja em receptores específicos seja na parte lipídica da membrana constituída de fosfolipídios (fosfatidil-colina) ou colesterol envolvidos que estão na estruturação da bicamada molecular da membrana. Num segundo momento, cada conjunto de 7 protômeros se une e se rearranja para constituir um poro pré-funcional heptamérico. No terceiro evento, este pré-heptâmero sofre uma série de alterações conformacionais (estruturação tridimensional) para gerar o canal transmembranoso ativo que então atravessa toda a membrana. Através deste, os íons e moléculas de baixo peso molecular podem então trafegar livremente arrastando também quantidade considerável de água, provocando então tanto a lise celular (caso dos glóbulos vermelhos) quanto o desarranjo da estrutura nuclear interna através da ativação de endonucleases (enzimas que atacam e hidrolisam o DNA), eventos que então acabam resultando na morte celular.

Um segundo tipo, as verotoxinas produzidas por Shigella dysenteriae do serotipo 1 (que diferem em apenas 1 aminoácido em relação a toxinas homólogas produzidas por determinadas cepas de Escherichia coli), são do tipo toxina A-B; o componente A (35 Kdaltons) é a toxina ativa que está associada não covalentemente ao segmento protéico B (7,5 Kdaltons), este responsável pela ligação (?binding?) ao alvo na superfíce da célula (glicolipídios de membrana plasmática), mas a proporção A : B é 1 : 5 (holotoxina hexamérica) e para que isto ocorra o conjunto deve já estar internalizado na célula e o fragmento maior A, está cindido em sub-fragmentos A-1 e A-2 ainda unidos por uma ponte de enxofre, sendo que o braço A-2 serve então de conexão entre A-1 e o pentâmero B. A subunidade A-1 ativa tem capacidade enzimática do tipo N-glicosidásica para clivar uma resíduo de adenina do RNA 28S ribosomal (a arquiestrutura nucleotídica onde normalmente se dá a biossíntese celular de proteínas). Nestas condições, o RNA depurinado e defeituoso já não pode acomodar bem as peças necessárias para a síntese protéica (e.g., os fatores de elongação da cadeia protéica em crescimento). Impossibilitada de renovar a síntese protéica, a célula invadida então morre.

Fonte: C. K. Schmitt, K. C. Meysic, & A. D. O?Brien

Uniformed Services University of the Health Sciences, Bethesda, Maryland, USA

José Domingos Fontana é professor Emérito da UFPR junto ao Depto. de Farmácia , pesquisador 1A do CNPq e 11.º Prêmio Paranaense em C&T.

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