Tecnologia: vilã ou mocinha

Há até poucos anos especialistas e psicólogos se enfrentavam em suposições sobre as conseqüências do aparecimento de jovens "viciados" em tecnologia, fosse na vida cotidiana, fosse na vida escolar. Hoje, se ao menos não se sabe ao certo quanto da tecnologia é vilão e quanto é mocinho, já se pode discutir com mais propriedade. Na China, por exemplo, um total de 13,2% dos adolescentes é "viciado" em internet e outros 13% são "dependentes", segundo um estudo da Associação de Internautas Adolescentes da China. O estudo indica que apenas em Xangai cerca de 100 mil menores entram diariamente em cibercafés, o que é ilegal no país.

Um ponto negativo do acesso à rede, diz a imprensa oficial daquele país, é que 43% dos estudantes do ensino fundamental, segundo uma pesquisa recente, admirem os chamados hackers, e que 33% pretendam ser como eles algum dia. A China hoje é o segundo mercado mundial de usuários de internet, com 111 milhões de usuários – atrás apenas dos Estados Unidos.

Por causa disso, o governo chinês precisou até mesmo licenciar clínicas médicas para tratamentos rígidos, muita vezes com choques elétricos, para pessoas consideradas viciadas em internet. Entre os alvos dos tratamentos, claro, estão principalmente adolescentes e jovens. De acordo com médicos chineses, a maioria dos jovens viciados na grande rede sofre de depressão, estresse, angústia, indisposição para outras atividades, agitação, síndrome do pânico, distúrbios do sono e até tremores.

Mas esse é apenas um dos extremos. O mexicano Guillermo Orozco, mestre e doutor em Educação pela Universidade Harvard, enxerga um panorama totalmente diferente. Para ele, crianças e adolescentes que jogam muito videogame e não saem da internet têm inteligência superior aos demais. Os jogos, diz, fazem com que eles aprendam a utilizar métodos científicos, onde é preciso descobrir as regras, trabalhar com hipóteses e achar soluções. "O jogo é estimulante e gratificante porque o desafio é permanente", diz.

Orozco, no entanto, acha que qualquer tecnologia – inclusive a televisão – deve ser afastada de bebês de até 2 anos. "Eles precisam viver uma etapa sem representações tecnológicas do mundo, têm de ver a vida com seus próprios olhos". Professor da Universidade de Guadalajara, Orozco afirma que o problema é que a maioria das pessoas ainda acredita que "educativo é apenas aquilo que se ensina". "É preciso abandonar a ênfase no ensinamento e colocá-la na aprendizagem. Na internet, para buscar as coisas e clicar aqui ou ali tem de se tomar decisões. A criança aprende a pensar logicamente".

Geração celular

Para a psicóloga Suzy Zveibil Cortoni, hoje os jovens são caracterizados como a Geração Digital (formada por pessoas que nasceram em meados dos anos 80s). "Quando tecnologias como a internet e celulares começaram a surgir, eles ainda eram muito novos para que se fizesse uma avaliação. Agora que já têm idade suficiente para tomar suas próprias decisões, fica mais visível quem são, e a forma como estão se definindo as novas regras de seu consumo", explica Cortoni, que é diretora da ComSenso Agência de Estudos do Comportamento.

Assim como os representantes mais velhos da Geração X (seus antecessores), segundo Cortoni, a Geração Digital (também definida/conhecida como Geração Y) está identificada com o forte uso da tecnologia. "Mas enquanto o computador era o maior ícone dos jovens de ontem, os de hoje já incorporaram intensamente esse equipamento ao seu cotidiano, elegendo, pelo seu lado, o telefone celular como símbolo deste novo momento", avalia a psicóloga.

E o resultado é que atualmente, em qualquer lugar, sozinhos ou em grupo, estes jovens estão manuseando, falando, testando e descobrindo novas formas de interagir entre eles através do seu aparelho. "Por meio do celular, além do objetivo básico que é falar, também é possível enviar mensagens, jogar, assistir a programas de TV, tirar fotos, filmar, ouvir rádio, receber notícias, acessar internet, entre muitas coisas. E com a chegada de uma nova geração tecnológica, esses recursos certamente serão ainda mais ampliados".

Bom exemplo do jovem da Geração Digital de Cortoni é a estudante Fabíola Pacheco Reis. Com 14 anos, a adolescente diz que não vive mais sem o celular. "Não dá para fazer muita coisa com o meu aparelho porque ele é pré-pago. Mas como o que eu e minhas amigas mais fazemos é mandar mensagens e tirar fotos, o dinheiro não importa muito", revela. De fato, segundo dados do site Teleco, especializado em dados de telefonia, o SMS corresponderá a mais de 70% dos serviços não voz das operadoras brasileiras em 2006.

Além disso, espera-se que 60% dos usuários das operadoras utilizem estes serviços, a maioria, jovens. "É difícil usar o celular para ligar. Receber tudo bem. Minha mãe sempre quer saber onde eu estou. Já com os amigos, quando não nos comunicamos por celular, é por MSN", conta a estudante. O MSN é o instant messenger da Microsoft, outra coqueluche entre os adolescentes.

"Estranho hoje é não ter um Playstation 2", diz garoto

Mas e o computador nessa história toda? "Olha, computador para mim é como televisão. Faz parte da casa", aponta o estudante Diego Ribas Cachoeira, de 16 anos. "Estranho hoje é não ter um Playstation 2", acredita, referindo-se ao videogame da Sony, recordista de vendas no mundo e líder na preferência dos brasileiros. Para Guillermo Orozco, os pais acham que os filhos ficam três ou quatro horas jogando videogame porque estão viciados. "Mas o que acontece é que o jogo é muito estimulante e gratificante porque o desafio é permanente. Claro que qualquer excesso é negativo, que não podemos apenas ficar jogando videogame, mas nem sempre é um vício".

E como lidar com o conteúdo muitas vezes violento dos jogos? "Há pesquisas que mostram que o menos importante de um videogame é o conteúdo, ele é apenas um pretexto para a ação. A narrativa não importa muito. Por outro lado, há sim jogos violentos. Mas há também os que se desenvolvem em cenários democráticos. Já a violência na TV é diferente porque nela o que importa é o conteúdo, o narrativo", aponta.

Outra unanimidade apontada tanto por Diego quanto por Fabíola é não viver mais sem o site de relacionamentos Orkut. "Conheço pouco o site aqui no México, mas vejo algo mais positivo que negativo. É a mesma idéia dos blogs, que permitem uma socialização da intimidade e até ajuda de maneira terapêutica. Mas temos de advertir as crianças sobre os perigos, de que não se deve dar informações muito pessoais para qualquer um. No entanto, um professor pode abrir um blog com um tema e pedir aos alunos para opinar nele, assim se aproveita a tecnologia. Se isso emociona tanto os jovens não se pode perder a oportunidade de usá-lo na educação".

 

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