Tecnologia e desigualdade

Em todo o planeta, mais de 600 milhões de pessoas acessam a internet e se beneficiam de seus recursos educativos, comerciais e de entretenimento. O salto de conectividade é impressionante, pois eram 16 milhões os usuários em 1995 e a expectativa é de haja 1 bilhão de internautas em 2005, segundo os dados da “Nua Internet Surveys”.

Os Estados Unidos da América possuem 166 milhões de usuários, o que representa 59% da população daquele país, onde as inovações tecnológicas vêm ampliando a capacidade humana e auxiliando em novas descobertas na indústria, na agricultura e na medicina.

No Reino Unido, 57% da população acessa a internet; na Alemanha, 39%; na Itália, 33%; e na França, 28%. A penetração das tecnologias digitais na Europa, além de estender os horizontes de mais de 190 milhões de cidadãos, vem contribuindo para a redução de diversos desníveis sociais, em cada país.

Não se trata portanto de exagerada tecnofilia, nem por parte dos americanos nem dos europeus, mas de resultados efetivos na produtividade, renda e cidadania Å esta última fundamental, tendo em vista que as inovações tecnológicas permitem uma maior participação do cidadão nos aspectos sociais, econômicos e políticos de sua comunidade.

No Brasil, o governo FHC – apesar dos incontestáveis avanços sociais que proporcionou – concluiu o mandato com apenas 6% dos municípios dispondo de infra-estrutura local para a internet, refletindo uma política neoliberal que foi nefasta para o desenvolvimento e a penetração de novas tecnologias no país. Do total da população brasileira, não mais do que 11% possui um computador, sendo que cerca de 14 milhões de brasileiros se conectam à internet, o que representa apenas 8% da população. Dessa pequena parcela, 16% pertencem à classe C e somente 4% à classe D.

Além disso, atualmente cerca de 90% dos internautas brasileiros acessam a rede através de conexão discada, ou seja, por meio de linha telefônica convencional. O usuário se conecta ao seu provedor de acesso e paga à operadora de telefonia de acordo com o tempo de conexão, da mesma forma que uma ligação local, caso o provedor esteja na mesma cidade, ou ligação interurbana, caso o provedor esteja em outra cidade.

Como apenas 6% dos municípios possuem provedor local, atingindo por volta de 56% dos usuários que utilizam conexão por linha discada, o custo telefônico estimado para um usuário que utiliza a internet durante 30h/mês é de R$ 50,00. Entretanto, como 94% do total dos municípios não possui provedor local, fazendo com que cerca de 44% dos usuários que utilizam a conexão discada façam interurbano para se conectar à internet, os usuários da grande maioria dos municípios pagam ainda mais, dependendo da tarifa cobrada no DDD. Nessa situação, o custo aproximado é de R$ 150,00 para as mesmas horas mensais de acesso.

Tais dados são perversos, pois é como se uma significativa parcela da população fosse obrigada a dirigir com o freio-de-mão puxado, tendo em vista que o amplo acesso às tecnologias digitais é, hoje, condição fundamental para o desenvolvimento dos cidadãos, pela decorrente criação de novas oportunidades de trabalho e renda, bem como pela capacitação técnica e intelectual que essas tecnologias proporcionam.

Portanto, a chamada “exclusão digital”, que limita o acesso às tecnologias digitais Å incluindo computadores, internet e celulares Å de acordo com a geografia e a posição social, econômica e cultural dos grupos populacionais, colabora para acentuar os contrastes existentes em nosso país e para agravar ainda mais os processos de exclusão social.

Desta forma, é imprescindível a implantação de uma nova política tarifária de telefonia que seja específica para o acesso à internet, com conexão ilimitada, mensalidade fixa e de valor mais adequado à realidade financeira de nossa população, de modo a favorecer a penetração das tecnologias digitais de informação e comunicação em todos os níveis e camadas da sociedade.

Além disso, faz-se necessária a mobilização de esforços coordenados de empresas de telecomunicações e tecnologia, governo e sociedade civil, para a criação de uma série de condições que são igualmente importantes para a redução da “exclusão digital”. Uma maior capilaridade das infra-estruturas de rede é fundamental, sendo que nesse sentido a utilização da atual fiação que transporta energia à população, para que também transporte dados, pode vir a ser uma solução para a rápida democratização da internet no Brasil. Equipamentos eletrônicos mais baratos precisam ser desenvolvidos, sendo imperativo o lançamento do “PC Popular”. A disponibilidade de mais locais de acesso público à internet deve ser buscada, o que pode ser alcançado através da ligação em rede das escolas, bibliotecas e museus públicos. A demanda, principalmente oriunda dos municípios do interior do país e dos bairros mais carentes e isolados das grandes cidades, pela maior oferta de cursos de capacitação que sejam ministrados em locais e horários compatíveis e a preços condizentes com as possibilidades dos diversos grupos sociais, deve ser atendida.

Outras questões, igualmente de grande relevância, dizem respeito ao desenvolvimento de um número maior de softwares educacionais voltados especificamente para as necessidades brasileiras, e à produção de maior conteúdo na língua portuguesa. Esses dois itens poderiam progredir muito se fossem incluídos na Lei da Informática, que só contempla incentivos ao hardware. Com a convergência tecnológica, não há mais como dissociar os setores de hardware e software, sendo que ambos devem merecer incentivos, que além de colaborarem enormemente para a redução da “exclusão digital”, poderão estimular o crescimento da indústria local e o aumento das exportações.

Essas são algumas das lacunas identificadas, e que poderão preenchidas pelo empenho do setor público, apoiando e formulando políticas de universalização e incentivos, e do setor privado, realizando os investimentos necessários não apenas por uma questão de responsabilidade social, mas pela percepção empresarial de que em paralelo a essas carências há um enorme potencial de lucro, a ser alcançado pela penetração das tecnologias em todas as classes sociais, e não somente nas de maior poder aquisitivo. Isso ocorrerá na medida em que houver a percepção de que o retorno financeiro também pode ser alcançado pelo volume de negócios e não somente pelo mais alto valor unitário de uma quantidade menor de vendas realizadas.

O esforço deve também vir dos centros de pesquisa e tecnologia, buscando desenvolver soluções eficientes e de menor custo, bem como das universidades, gerando conteúdo para a população, com teor educativo-informativo e no idioma nacional.

Deste modo, estaremos criando uma oportunidade única à população brasileira, proporcionando-lhe acesso à utilização de ferramentas de ponta, em benefício de seu próprio desenvolvimento.

Nesse contexto, é essencial que se perceba que a “exclusão digital” é uma questão de natureza intermediária, que deve ser tomada como base para se pensar em processos nos quais as tecnologias sirvam de meio para transformações mais substanciosas no conjunto da sociedade. Do ponto de vista político, o objetivo de usar tecnologias digitais com todos os níveis e camadas populacionais, indistintamente, não é superar a “exclusão digital”, e sim estimular um processo de inclusão social. Para atingir este objetivo, é necessário que se foque sempre na transformação, não na tecnologia.

Esta abordagem permite que se analise a questão da penetração das tecnologias digitais não somente pelo prisma da distribuição adequada dos recursos, mas como um instrumento valioso para se alcançar, de maneira mais rápida, mais barata e com maior eficiência, melhores condições de vida para a população.

As tecnologias digitais, se focadas em si próprias, podem servir como instrumentos de subdesenvolvimento e aumento das desigualdades, mas se forem bem utilizadas e voltadas aos cidadãos, trarão novas oportunidades e promoverão o desenvolvimento e a inclusão.

Marcos de Lacerda Pessoa

é engenheiro, mestre em engenharia, mestre em filosofia, Ph.D., pós-doutor em engenharia e pós-doutor em gestão tecnológica. e-mail:
marcos@pessoa.com.

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