A legislação brasileira obriga empresas por onde pode correr dinheiro sujo, fruto do narcotráfico, seqüestro, contrabando e coisas do gênero, a repassar ao governo informações referentes a operações que indiquem atividades ilícitas, realizadas para lavar o dinheiro. Toda operação feita em dinheiro vivo com valores acima de R$ 10 mil ou feita em nome de empresas situadas em paraísos fiscais, por exemplo, deve ser comunicada ao Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda responsável pela fiscalização.

Mas os dados do Coaf indicam que grande parte das empresas parece dar de ombros para a obrigação. Desde que a Lei 9.613/98, da lavagem de dinheiro, foi regulamentada, em 1999, não houve uma só empresa de compra e venda de objetos de arte e antiguidades, setor muito utilizado para limpar o dinheiro, que tenha encaminhado a declaração de operações suspeitas. Os casos mais preocupantes, no entanto, estão nos setores imobiliário e de factoring, por serem os mais utilizados para trazer para a legalidade dinheiro de atividades ilegais.

Para conseguir atingir esse mercado, o governo está fechando o cerco, ampliando a rede de informação e as estratégias de cruzamentos de dados. Além dos dados já estarem totalmente informatizados, o Coaf está investindo R$ 120 mil em um superprograma de computador para afunilar ainda mais os caminhos do ilícito. Em dois meses, o conselho fez dez averiguações em dez empresas de factoring e duas em imobiliárias. De acordo com Caramuru, das informações encaminhadas ao Coaf anualmente, cerca de 360, que correspondem a 2% do total, são denunciadas ao Ministério Público.

A fiscalização envolve troca de informações com o Banco Central, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a Receita Federal, a Polícia Federal, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e o Ministério Público.

O presidente do Conselho Federal de Corretores de Imóveis, João Teodoro, concorda com o aperto às imobiliárias. “Também queremos a legalidade”, diz ele. Mas acha que a legislação deve ser revista. “Se você for informar todas as transações acima de R$ 10 mil vai informar cem por cento das transações. E quem movimenta R$ 10 mil, certamente não é um lavador de dinheiro. Hoje os imóveis de R$ 30 mil não são encontrados nem no interior”, pondera, sugerindo que o limite mínimo de operações em espécie exigido pela lei para a obrigatoriedade da declaração seja ampliado para R$ 50 mil.

João Teodoro também sugere que o Coaf torne mais eficiente a fiscalização, elegendo regiões do país mais visadas pelos criminosos. “É exagero imaginar que todas as imobiliárias estariam correndo o risco de estarem transacionando imóveis propensos a lavagem de dinheiro. É muito difícil, por exemplo, um investidor interessado em fazer lavagem de dinheiro investir no interior”, avalia.

Caramuru confirma que as grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, são as mais utilizadas para a lavagem de dinheiro. E informa que o Coaf deverá ampliar o valor das transações, no próximo ano, quando a lei da lavagem de dinheiro deve passar por uma revisão. “Mas nada disso exime esses setores da obrigação de nos reportar”, enfatiza.

Fiscalização

Para incrementar a fiscalização, a Receita Federal criou a Declaração de Informação sobre Atividades Imobiliárias (Dimob), obrigando empresas do setor a prestar informações, todos os anos, de atividades de compra, venda e aluguel de imóveis realizadas no ano anterior. Mas a primeira edição não foi bem sucedida, com 22.168 documentos entregues. “Algumas imobiliárias foram contra a Dimob por conta do volume de trabalho que teriam. Principalmente com relação aos dados do ano passado. As normas foram instituídas no final do ano para serem cumpridas no começo do ano seguinte e as imobiliárias não tinham se preparado tecnicamente para fornecer essas informações”, explica Teodoro.

No caso das empresas de factoring, a investigação é ainda mais complicada, porque, além da atividade não estar regulamentada, possui um conceito abrangente e trabalha com uma infinidade de clientes. “Factoring é uma atividade complexa, que parte do pressuposto de se tratar de prestação de serviços que vão desde a administração de matéria-prima até do próprio caixa de outras empresas”, comenta o presidente da Associação Nacional de Fomento Mercantil – Factoring (Anfac), Luiz Leite.

A Anfac tem sido parceira permanente do Coaf, segundo atestam Luiz Leite e Marcos Caramuru. “Tanto é assim, que o cadastramento no Coaf é uma das principais exigências que fazemos quando uma empresa deseja se filiar à associação”, diz o presidente da Anfac. Segundo Leite, existem hoje 800 empresas filiadas, prestando serviços a 80 mil pequenas e médias empresas em todo o país.

Só que as empresas na mira do Coaf são exatamente aquelas que não querem se sujeitar a qualquer tipo de associação ou obrigação legal. “São empresas que praticam atividades de agiotagem travestida de factoring”, afirma Leite, acrescentando ser impossível estimar o número de pessoas em atividade nesse ramo. (ABR)

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