Um habitat alternativo para espécies marinhas e, ao mesmo tempo, um fator que impede a pesca industrial de arrasto. É o que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) pretende implantar, de uma vez só, em outubro, no litoral paranaense. A instituição conseguiu, recentemente, liberação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) para instalar quase 9,5 mil recifes artificiais de concreto e mais de 700 unidades antiarrasto. O projeto, batizado de Rebimar (Recuperação da Biodiversidade Marinha), também está abrindo as portas para ações parecidas em toda a costa brasileira.
“Nosso mar tem uma limitação, que é a falta de habitat, ou seja, de locais para a biodiversidade marinha se fixar”, diz o professor do Centro de Estudos do Mar (CEM) da UFPR, Frederico Brandini, coordenador do Rebimar. “Então o projeto tem o objetivo de criar esse habitat artificialmente, que as comunidades marinhas colonizam, formando uma nova teia alimentar”, continua. “Isso alivia o impacto do homem, oferecendo novas alternativas. Assim, os habitats naturais também começam a se recuperar.”
O oceanógrafo da UFPR, André Cattani, que também participa do projeto, explica que os efeitos dos recifes artificiais costumam ser rápidos. “A craca, os mariscos e as algas colonizam rapidamente os recifes. E a médio prazo já ocorre uma sucessão ecológica”, diz, referindo-se à população marinha que é atraída pelo farto banquete encontrado ali. Segundo Brandini, em uma semana, os peixes já começam a aparecer nos recifes. E, em seis meses a um ano, já se forma uma teia alimentar. Cattani diz também que esses organismos, quando ainda estão em estágio de larvas, podem ter, com os dispositivos, maiores chances de sobrevivência, pois ganham uma proteção que é rara em nosso litoral.
Roberto Baracho/Projeto RAM |
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Mero, que pode pesar mais de 400kg, é uma das espécies ameaçadas. |
De acordo com Cattani, o concreto usado para confeccionar os recifes é diferente do comum, pois precisa ter um pH específico para ser habitável pela vida marinha. E Brandini explica que as unidades são cubos de 40x40x40 cm, que têm 120 quilos cada. A cavidade no meio, que possibilita o que ele chama de “recrutamento larval”, tem o formato de um trevo de quatro folhas. São dois os motivos: “Assim, tem 30% a mais de área do que se fosse circular. E também porque dá sorte”, brinca o professor.
Contra a pesca predatória
Frederico Brandini, coordenador do Rebimar, lembra também de outra parte da ação, que visa coibir a pesca de arrasto, extremamente prejudicial ao ambiente marinho. Em busca de camarão, os pescadores utilizam o equipamento, que funciona como “um verdadeiro arado”, capturando e destruindo tudo pelo caminho. Depois, só se aproveita o camarão – o resto é descartado. “É como se arrastassem a Floresta Amazônica só para pegar tatu”, compara o professor. Ele explica que o litoral do Paraná tem todas as características que propiciam esse tipo de pesca predatória, pois tem solo arenoso e muito camarão.
Com as unidades antiarrasto, podem ser criadas áreas de exclusão desse tipo de pesca.
As áreas onde as unidades serão depositadas foram escolhidas -como orienta o Ibama – em conjunto com as comunidades de pescadores da região, e vão ser devidamente sinalizadas. O início dos trabalhos de instalação está previsto para o dia 19 de outubro. O projeto é financiado pela Secretaria de Estado de Ensino, Ciência e Tecnologia e conta com o apoio de associações de pescadores, prefeituras e a ONG Associação MarBrasil de Pontal do Sul. Os locais de lançamento foram divididos em cinco setores: Ma,tinhos – entre as Ilhas Currais e Praia de Leste -, Pontal do Paraná, Guaratuba, Guaraqueçaba e Paranaguá – Ilha do Mel. (HM)
Material inerte e não poluente
Recifes artificiais, normalmente vistos como a salvação de algumas espécies marinhas, nem sempre são bons para a natureza. Projetos pelo mundo já usaram até pneus em tentativas de criar ambientes favoráveis à proliferação de vida no mar. Por esse motivo, o Ibama decidiu criar regras para o assunto. O resultado foi a Instrução Normativa 125/2006, que proíbe, por exemplo, a instalação dessas estruturas em fundos de corais ou lagunas, e exige que o material usado seja inerte e não-poluente, com vida útil maior do que 30 anos.
O professor do Centro de Estudos do Mar (CEM) da UFPR, Frederico Brandini, e coordenador do projeto Rebimar, participou do grupo que ajudou a elaborar a norma. Isso graças a um bem-sucedido projeto que a própria UFPR promoveu, entre 1998 e 2002, no litoral do Paraná. Na época, foram assentadas 2,7 mil estruturas semelhantes, que ajudaram na exclusão de áreas para a pesca industrial e também na preservação de espécies, como o mero. Pertencente à mesma família das garoupas e badejos, o peixe pode medir até 2,7 metros de comprimento e pesar mais de 400 kg. Conhecido na época pela sigla RAM (Recifes Artificiais Marinhos), o projeto concorreu com outras 20 propostas no Programa de Apoio e Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia, e ganhou o primeiro lugar. (HM)