Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) poderá servir de base para o tratamento de pacientes que passaram por transplantes de fígado, em decorrência da hepatite C. O estudo, que comprova as grandes chances de ações recidivas do vírus HCV em transplantados, mesmo após tratamento antiviral, mostra que a recorrência da doença é similar entre receptores de transplante hepático de doadores falecidos e vivos.
A pesquisa, realizada com pacientes operados em um período de oito anos, mostra que, em média, 70% dos transplantados voltam apresentar os sintomas da hepatite C. O estudo concluiu, contudo, que a recorrência do vírus é similar tanto em receptores de transplante hepático de doador falecido quanto de doador vivo. Segundo o estudo, dos 55 transplantes hepáticos de doadores falecidos, 37, ou 69,3%, apresentaram recidiva da doença. A porcentagem de recorrência da enfermidade se confirma na mesma proporção, atingindo sete, ou 70%, dos dez transplantes de doadores vivos.
A pesquisa coloca em xeque a tese de parte dos pesquisadores brasileiros, que ressaltam o resultado de estudos anteriores que, ao contrário do que evidencia a análise da UFPR, sugerem que a recorrência é mais precoce e agressiva após transplantes de doadores vivos do que os com doadores falecidos.
Ao todo, os pesquisadores analisaram 333 transplantes hepáticos realizados no Hospital de Clínicas (HC) da UFPR. Do total de pacientes avaliados, 279 (83,8%) receberam o fígado de doador falecido, enquanto outros 54 (16,2%) de doador vivo. O estudo também apontou que, em todos os casos, a hepatite crônica causada pelo vírus da hepatite C foi a enfermidade mais comum tanto em transplantados de doador falecido (82 pacientes) como de doador vivo (19 pacientes).
Para o chefe do Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Transplante Hepático do HC, Júlio Cezar Coelho, a informação é importante em função da disparidade entre a fila de espera para o transplante e o número de doações. “O resultado da pesquisa mostra que o transplante do órgão de falecidos não é vantajosa. Pelo contrário, a doação de vivos evita que o paciente fique anos na fila de espera por um transplante”, afirma.
Base
Segundo Coelho, a pesquisa, que é pioneira no Brasil, pode servir de base para outros hospitais e pesquisadores. “Essa pesquisa traz um fato novo. Para a nossa surpresa, a recidiva do vírus foi elevada em todos os casos. Isso pode redirecionar o desenvolvimento de novos métodos de tratamento contra a hepatite C”, diz.
Além de comprovar a similaridade da porcentagem de reincidência dos HCV entre os tipos de transplantados de doadores, o estudo também comprova que a recorrência da doença é alta. O especialista conta que um terço dos pacientes podem apresentar recidiva precoce, num prazo aproximado de um ano. “Como o índice de recorrência do vírus é alto, dois terços dos transplantados por causa da hepatite C terão a recidiva em 10 anos”, afirma Coelho.
Coelho explica que a recidiva do vírus da hepatite C em pacientes transplantados é alta porque, mesmo após o tratamento, o VCH fica encubado em outros órgãos do paciente durante meses. Com o passar do tempo, a chance de o paciente voltar a desenvolver a doença é grande.
Segundo Coelho, nos primeiros meses pós-operatórios, a recorrência da hepatite C em menos de um ano é explicada pela baixa resistência imunológica do paciente transplantado, devido à medicação para evitar a rejeição.
A pesquisa da UFPR foi publicada na revista de publicação nacional, Arquivos de Gastroenterologia. O artigo publicado tamb&,eacute;m alerta para fato de que o reaparecimento do vírus após o transplante, além de freqüente, pode evoluir para cirrose e perda do enxerto em um elevado número de pacientes.
Maioria da população ainda não sabe que tem o problema
Daniel Caron |
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Essa pesquisa traz um fato novo. Para a nossa surpresa, a recidiva do vírus foi elevadA em todos os casos. Júlio Cezar Coelho, do Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Transplante Hepático do HC. |
De acordo com o chefe do Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestivo e Transplante Hepático do HC, Júlio Cezar Coelho, cerca de 2% da população mundial tem hepatite C. Segundo o especialista, há uma dificuldade em reduzir essa porcentagem, já que, ao contrário da hepatite B, não existe uma vacina para conter a proliferação do vírus. Por isso, o médico alerta para que as formas de contaminação sejam evitadas. “Se contrai hepatite C ao entrar em contato com sangue contaminado. Isso acontece frequentemente com usuários de drogas injetáveis, por exemplo”, afirma. Coelho ressalta, contudo, que atualmente os tratamentos contra a doença são eficazes. Segundo ele, pelo menos dois terços das pessoas que contraem o HCV encontram a cura após o tratamento. Para que isso se confirme, entretanto, o médico ressalta que é fundamental diagnosticar o vírus de forma precoce. De acordo com Coelho, ainda na fase aguda, o tratamento pode reduzir significativamente o risco de evolução da hepatite para um estágio crônico. Neste caso, a cronicidade pode se traduzir em cirrose ou câncer de fígado.
Por outro lado, 90% das pessoas que adquirem Hepatite C e não são submetidas ao tratamento vão evoluir para a cronicidade. “As chances de cura sem o tratamento são de apenas 10%”, afirma. Por isso, o especialista chama a atenção para que a população procure a indicação para o teste do HCV nos eventuais hemogramas. Para Coelho, a identificação da hepatite C sem um exame deliberado é remota, já que a maior parte dos casos são assintomáticos. “A maioria das pessoas não sabe que tem a doença. Alguns só passam a saber da contaminação quando a doença chega no estado crônico”, afirma.
O período de tratamento se estende entre 6 a 12 meses, dependendo do estádio da doença e do tipo do vírus. Coelho informa que os medicamentos são fornecidos gratuitamente pelo Ministério da Saúde. “Esse tratamento é realizado à base de antivirais. Geralmente usamos o interferon por um período superior a seis meses”, destaca o médico.
