Psicotrópicos como forma de controle

O uso de remédios psicotrópicos para controlar o comportamento de adolescentes em conflito com a lei faz parte de um longo histórico nas unidades de internação brasileiras.

Histórico que deveria ter sido deixado para trás a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas essa forma de controle parece persistir no sistema nacional de tratamento desses adolescentes.

Só no Rio Grande do Sul, em torno de 80% dos adolescentes em conflito com a lei são medicados com psicotrópicos ou submetidos a ações psiquiatrizantes como forma de controle sobre esses jovens.

Esse índice consta no relatório sobre inspeções às unidades de internação feitas pelo Conselho Federal de Psicologia e pela Ordem dos Advogados do Brasil em variados estados e divulgado na semana passada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi).

Junto com o Rio Grande do Sul, o relatório cita os estados do Paraná, Minas Gerais e Piauí como os que fazem uso dessa prática. “De acordo com equipe de saúde que realizou as visitas, a principal queixa dos adolescentes é de ansiedade quando as drogas não são utilizadas”, cita boletim da Andi.

A desconfiança dos profissionais que visitaram os estados é de que os medicamentos estariam sendo usados nos adolescentes para mantê-los calmos e evitar tumultos.

Segundo informações do coordenador de socioeducação da Secretaria de Estado da Infância e da Juventude (SECJ), Roberto Bassan Peixoto, menos de 10% dos adolescentes que estão nas 18 unidades de internação no Paraná usam medicação, o que só acontece após indicação de médico psiquiátrico.

“Isso só ocorre como recurso para tratamento mental, não para contenção química, o que seria cometer uma ilegalidade, além de um equívoco como técnica de contenção”, afirma.

Mais que o uso dos medicamentos, a preocupação de profissionais da área está no que é chamado de “psiquiatrização do processo” no tratamento de adolescentes nessas unidades pelo Brasil afora, que é uma explicação muito mais psiquiátrica que social para o comportamento dos adolescentes em conflito com a lei.

“Há uma tendência ao uso da ciência para esse fim, o que individualiza o processo, pois trata apenas o infrator”, ressalta a psicóloga e coordenadora da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), Fernanda Lavarello.

Outro questionamento levantado pela psicóloga é sobre quem está ministrando os medicamentos aos adolescentes, o que só é permitido a enfermeiros, depois de receitado por um médico.

“Um educador não pode fazer isso. E com qual periodicidade é feita a regulação do medicamento por um psiquiatra, nos casos necessários? Qual é o controle disso?”, pergunta a psicóloga.

Nova pesquisa abordando o assunto está sendo feita pelo Ministério da Saúde e deve ser divulgada nos próximos meses. Por enquanto, o Ministério não adiantou dados sobre o tema.

Medicamento pode causar efeito contrário

O uso prolongado de psicotrópicos pode causar hipersensibilidade e perturbação do cognitivo-intelectual, conforme esclarece o psiquiatra Miguel Roberto Jorge. Além disso, a dose ministrada aos adolescentes geralmente é baseada na que se usa em adultos, o que nem sempre é recomendado, alerta o psiquiatra.

O medicamento pode causar uma reação contrária e, ao invés de acalmar, deixar o jovem mais agitado. “Se o adolescente que receber o medicamento já tiver um perfil de uso de drogas, obviamente ficar dando medicamento é estimular essa dependência química”, explica.

Se não for para controlar comportamentos causados por transtornos psiquiátricos, com quadro de agitação psicomotora, irritabilidade ou excitação, o médico reafirma que não se deve usar medicamentos de natureza psicotrópica.

“Particularmente ,com adolescentes, o que a gente sabe é que há muito abuso por parte das autoridades para uso de medicações como camisa de força química”, diz.

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