Se você está cansado da programação normal do rádio, não agüenta mais ouvir os ?clássicos? do rock ou a imposição jabazeira dos primeiros colocados das paradas nas FMs, o mais novo filhote da geração web oferece uma saída: o podcast. O formato, que começou como uma experiência, é a mais nova mania na rede, sendo apontado como possível substituto dos blogs. Basicamente são programas de ?rádio? que os próprios internautas gravam e disponibilizar para download ou streaming. Tudo, claro, em arquivos de mp3.
Como a maioria das pessoas envolvidas até agora é ligada à indústria musical independente ou à tecnologia de ponta, muita coisa do que se ouve no dial virtual é de excelente qualidade e grande relevância. E devido às possibilidades que os softwares atuais oferecem, os podcasts estão longe de soar artesanais aos ouvidos. A tecnologia é tão democrática que o podcaster mais ouvido do Brasil é dono de uma agência de turismo em Campinas. ?Sempre acompanhei novas tecnologias, e descobri os podcasts em agosto do ano passado?, diz Antônio Guilherme de Paula Leite Neto, conhecido na web como Gui Leite, que edita semanalmente dois programas, o Gui Leite Podcast e o Quitanda Digital.
O principal sinal de que as rádios como as conhecemos hoje estão mudando vem dos Estados Unidos, onde diversas empresas tradicionais do ramo andam mal das pernas, perdendo anunciantes, com algumas até fechando as portas. Em compensação, outras só dedicadas à web estão indo de vento em popa, já que, na internet, a única fronteira é a conexão. Como por lá só se usa alta velocidade, as pessoas não vêem mais sentido em ouvir a mesma música todos os dias, repetidamente. ?Assim que as empresas perceberem o potencial do podcast, a mudança de padrão deve ser rápida?, aposta Leite.
Além disso, a rede acaba com a questão da localidade que as rádios normais não têm como extrapolar. ?Imagine chegar a um anunciante e dizer que a marca dele estará, virtualmente, à disposição de ouvintes no mundo todo??, propõe o maestro Billy Umbella, que faz programas diários para o formato em seu estúdio em São Paulo, o ADD (Antes, Durante e Depois) e o AAA (Antes, Antes, Antes). Billy conta que já tem cerca de 250 ouvintes diários em todo o País. O mesmo acontece com Leite. ?Tenho ouvintes até do México que se correspondem comigo.?
Portátil
Assim como o mp3 decretou mudanças na indústria musical, o podcast pode decretar o fim das rádios jabazeiras dentro em breve, já que as opções de qualidade estarão a apenas alguns cliques de distância. Para isso, o formato pega carona no sucesso internacional de vendas do iPod, o mp3 player da Apple, emprestando até mesmo um pedaço do nome, para se popularizar. Como os podcasts contêm muita música e informação em arquivos relativamente pequenos (um programa de uma hora de duração tem, em média, apenas 30 MB), num IPod Photo, por exemplo, que tem 60 GB, o usuário pode gravar mais de 100 mil programas de rádio.
Outro fator que está dando impulso ao podcast é a perseguição da indústria musical ao mp3 ilegal. Imagine encher o mesmo IPod com 60 GB de música baixada legalmente. Inviável, mesmo que o usuário coloque toda a sua coleção de discos no aparelho. Como não existe restrição legal aos podcasts, o ouvinte pode ter programas baixados legalmente, contendo os últimos lançamentos da música e ainda leva para onde quiser e ouve na hora em que quiser.
A Apple, antecipando-se às demais concorrentes, adicionou na última versão do iTunes um agregador de conteúdos de podcast. A versão 4.9 do produto possui tudo o que os usuários necessitam para descobrir, assinar, gerenciar e ouvir os podcasts, entregues automaticamente em seus computadores e iPod. Em apenas dois dias depois de disponibilizada a versão, a Apple anunciou que foram assinados mais de um milhão de podcasts no novo iTunes.
Ex-VJ da MTV foi o precursor da tecnologia
Trabalhando em uma rádio na Holanda, com dinheiro de sobra e uma grande paixão pela tecnologia, Adam Curry, um ex-VJ da MTV americana, queria mais liberdade de criação para seus programas. Fuçou e aprendeu sozinho Applescript, linguagem de programação da Apple. Fez um primeiro esboço do que se tornaria o iPodder – o primeiro agregador de podcast. Como o resultado não saiu como o esperado, Adam colocou o código do iPodder na rede, que aos poucos foi sendo melhorado e hoje se tornou um portal de conteúdo (diretório), só com podcasts.
Resultado da peripécia do moço: a BBC inglesa, diversas rádios norte-americanas e até mesmo a Radio Virgin já têm programas em podcast. Outros usos também têm aparecido: existem missas no formato, museus gravam podcasts para suas visitas monitoradas e até uma escola inglesa usa gravações para ajudar as crianças em aulas de línguas estrangeiras.
O podcaster Gui Leite explica que, no Brasil, existem duas correntes de pensamento sobre a legalidade dos podcasts: a primeira, prega que utilizar música com copyright nos programas é pirataria. A segunda, amplamente utilizada, baseia-se na legislação do Ecad sobre transmissão de rádio na internet: caso haja arrecadação nos programas, 2,5% do faturamento deve ser dado à entidade. ?Como os podcasters no Brasil ainda não ganham nada com isso, alguns advogados com quem falei aconselham manter um relatório do que se tocou em cada programa, para, se houver cobrança posterior, em caso de faturamento, o produtor provar o que tocou?, explica. Caso a pessoa não queira ganhar nada com o podcast, não há empecilho legal.
Leite explica que, para todas as músicas que coloca em seus programas, envia um e-mail pedindo permissão ao autor. ?Claro que só toco músicas de bandas pequenas e de gravadoras independentes. E até hoje todo mundo respondeu sim aos meus pedidos.? O maestro Billy, que trabalhou em rádios em São Paulo durante 15 anos e foi um dos idealizadores do programa Pânico, diz que para esses músicos, o podcast significa mais exibição de graça. ?Não acho que o podcast vai matar a rádio comercial, mas essa indústria deve se adequar à nova tecnologia?.