Marcos Roberto Luim ficará na história do Judiciário brasileiro por um fato nada invejável: na última quarta-feira (5), a Vara Criminal de Santos, em São Paulo, condenou Luim por pirataria de filmes na internet brasileira. Essa é a primeira vez que alguém sofre uma condenação como essa no País. Ele deverá cumprir pena de dois anos de reclusão, além de ter que pagar multa por comercializar, através de um site, encomendas de cópias de CDs e DVDs. Não se trata do mesmo tipo de ações que a Riaa (sigla em inglês para a Associação das Gravadoras da América) move contra usuários nos Estados Unidos e Europa, já que Luim comercializava os produtos, mas na opinião de Márcio Cots, advogado e professor de Direito da Informática da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), é uma condenação simbólica.
?Claramente foi um recado, uma decisão emblemática para mostrar que o governo, através do Judiciário, está atento para a questão?, diz o jurista. Luim gravava os discos com as músicas e filmes solicitados em sua casa e as enviava pelo correio para usuários do País inteiro. Para a Justiça brasileira, ele feriu o 1.º parágrafo do artigo 184 do Código Penal, que prevê punição por lucro com venda de material pirata. Para Cots, depois desta decisão, o País poderá ver desencadeada uma série de outros processos referentes ao compartilhamento de material pirata on-line, como já tem acontecido em diversos países.
?Apesar de a prisão de usuários por compartilhamento ilegal de obras protegidas por direitos autorais não ser totalmente novidade, a condenação do praticante e fornecedor de pirataria via web é um passo importante para o Brasil no combate a internautas que vêem na rede mundial a garantia da impunidade?, comemora Carlos Alberto de Camargo, diretor da Associação de Defesa da Propriedade Intelectual (Adepi), responsável pela investigação do caso. Para Camargo, trata-se de um marco para a investigação de pirataria no Brasil, já que raramente acontece a efetiva condenação do acusado, especialmente em casos de venda pela internet. Luim ainda pode recorrer da decisão.
?Devido à dificuldade da Justiça em condenar operadores de esquemas ilegais na internet, os usuários acabam encarando a web com um território livre, que garante o anonimato e onde não existe punição para atos contrários à lei. Essa sensação de impunidade se deve em grande parte à dificuldade de localização de servidores com conteúdo brasileiro pirata fora do País, o que retarda as investigações. É preciso lembrar, porém, que a internet é só um meio para se praticar um crime e que 95% dos atos ilegais cometidos no mundo virtual têm tratamento na lei atual?, explica Cots.
Para o especialista, apesar da condenação de Luim ser emblemática, ele acredita que as punições de crimes eletrônicos não virão apenas por novas leis ou adequações da legislação atual, mas por meio da própria tecnologia. ?É necessário um aprimoramento de juízes, advogados e até da polícia para lidar com a legislação. Mas a legislação dificilmente conseguirá regularizar todas as mudanças pelas quais as novas tecnologias passam. A regulamentação virá através da auto-educação dos usuários e pelo aprimoramento da rede pelos programadores?, aponta.
Para Cots, um bom exemplo é o site de relacionamentos Orkut: depois de muita gente passar por diversos mal-entendidos e até grandes desentendimentos devido a recados e visitas indesejadas, grande parte dos usuários já deleta o que for indesejado ou inconveniente no seu perfil. ?Os programadores do site também acabaram de implantar um mecanismo que permite ao usuário ver as últimas visitas. Mesmo que dependa de bom senso, este tipo de iniciativa evita muita dor de cabeça?.
Licenças: alternativa à ilegalidade
Durante o julgamento, Luim alegou à Justiça estar desempregado e que praticou o crime por necessidade. Mas a juíza responsável pelo caso considerou inadmissível que, em uma sociedade organizada, aqueles que suportem dificuldades financeiras ou econômicas busquem superá-las através de atividade criminosa, lesando patrimônio alheio. ?Mas às vezes é preciso levar em conta que a pirataria também tem seu viés social?, opina a professora de propriedade intelectual do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carolina Rossini, lembrando que ambulantes às vezes são presos e nem sempre estão distribuindo material pirata.
Juntamente com outras entidades, a FGV há dois anos toca a versão nacional do Creative Commons (www.creativecommons.org.br), um sistema construído com base na lei de direitos autorais que possibilita às pessoas compartilhar suas criações e utilizar música, filmes, imagens e textos que estejam marcados com uma licença da entidade. ?Quase tudo na internet hoje é uma cópia, até mesmo por causa das características da rede. Por isso o Creative procura mudar as bases do direito da propriedade intelectual?, explica Rossini.
A idéia é a seguinte: já que alguém vai utilizar sua obra de qualquer maneira, por que não licencia-lá por motivos diferentes do que o dinheiro? ?A opção voluntária de alguns autores de licenciar sua obra pelo Creative Commons é tomada em função de marketing pessoal a até mesmo no altruísmo?. O fato é que a rede de licenças conta hoje com mais de 140 milhões de obras, e tem adesões de gente como o ministro Gilberto Gil, que licenciou algumas músicas através do site.
Radicais?
A discussão sobre até onde vão os direitos autorais pela internet já toma proporções políticas, ao menos na Suécia. Lá, um grupo de ativistas liderados por Rick Falkvinge fundou um partido político e deseja eleger os seus representantes ao congresso para defender as suas idéias. A Suécia é considerada um país liberal no que diz respeito a leis de proteção à propriedade intelectual. No país escandinavo é desenvolvido provavelmente o mais famoso site com links para programas piratas, o The Pirate Bay.
Rick Falkvinge explica que, antes de fundar o seu partido, procurou o apoio de outras forças políticas na Suécia, mas não obteve êxito e decidiu fundar sua própria agremiação. O ?Partido Pirata? deseja reformar as leis que protegem a propriedade intelectual no país, reduzindo a abrangência e duração do copyright na Suécia. Outra meta é impedir que a Suécia adote as regras de direito de autor definidas pela Diretiva de Software da União Européia.
