Um dos maiores mitos da tecnologia moderna é o de que jogos eletrônicos prejudicam o desenvolvimento de crianças e adolescentes. As razões apontadas são as mais variadas: uns dizem que os games causam isolamento e déficit de atenção, outros que estimulam a violência. Mas pesquisas que mostram o lado bom dos jogos, já comuns no exterior, estão começando a ganhar destaque no Brasil. E os resultados podem ajudar a derrubar muitos desses mitos.
Uma delas, divulgada no mês passado, apontou que adolescentes que jogam videogame se saem melhor em testes de atenção. A autora é a psicóloga Luciana Alves, que desenvolveu o trabalho como dissertação de mestrado para a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
Para fazer a pesquisa, a psicóloga observou 30 adolescentes pobres, de uma cidade mineira de médio porte. Parte deles nunca tinha tido contato com jogos eletrônicos de qualquer tipo. “Foi difícil encontrar esse pessoal, já que isso é raríssimo”, diz. A psicóloga então aplicou um teste de atenção sustentada.
Paralelamente, foi aplicado o mesmo teste nos jovens acostumados aos games, que se saíram melhor ao responder à tarefa proposta. O primeiro grupo, então, passou a jogar regularmente dois games e, após um período, foi feito um novo teste. “O desempenho deles melhorou em relação à situação anterior”, aponta.
A conclusão do estudo é que a exposição aos jogos eletrônicos fez com que houvesse alterações na atenção das crianças. E nem só isso: apesar da pesquisa ter focado nesse aspecto, na revisão da literatura sobre o assunto ela encontrou que os jogos de videogame melhoram a memória, a habilidade vísio-espacial e a velocidade no processamento de informações, por exemplo. Para ela, ainda, todos podem se beneficiar com os games, sejam crianças, adultos e até idosos.
As habilidades cognitivas não foram as únicas que acabaram tendo alterações positivas. Luciana também acabou detectando um avanço na sociabilidade dos jovens. O que prova que nem sempre existe relação entre o tempo gasto em jogos e a falta de convívio social. “A possibilidade de socializar é uma das motivações para a atividade”, diz, lembrando que os adolescentes se ajudavam uns aos outros para, por exemplo, passar por níveis mais difíceis dos jogos.
Segundo Luciana, a noção de que os games isolam as crianças pode esconder problemas que a criança já apresentaria naturalmente. “Muitas pessoas passam a vida atoladas em livros, não saem de casa para ficar lendo. Mas ninguém fala que o livros têm o poder de tirar as pessoas do convívio social. Não podemos deixar que o videogame seja um novo tabu”, alerta.
Cuidados
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Luciana Alves: games não podem ser transformados em novo tabu. |
Contudo, a pesquisadora não nega que os jogos também exigem alguns cuidados. Na questão do tempo que as crianças passam jogando, a dica de Luciana para os pais é ser maleável. “Pesquisas dizem que o ideal é que o tempo seja igual ou menor a uma hora. Mas tem jogos que, para passar de uma fase, demoram muito mais tempo que isso”, admite. Assim, a solução seria alternar os games, jogando, por exemplo, os mais complicados só nos fins de semana.
A psicóloga também mostra que diálogo e bom senso podem ser as melhores formas dos pais controlarem o que seus filhos jogam. “Vale até sentar e jogar j,unto, para ver como o filho percebe o conteúdo do jogo”, explica. Dessa forma, a criança pode até jogar games não indicados à sua idade, como os da temida série Grand Theft Auto (GTA), onde o jogador encarna num marginal. “Os games fazem parte do desenvolvimento das pessoas, e não são mais só diversão, mas também servem para educar e reabilitar. Então, é preciso que os pais tenham um pouco menos de medo de lidar com essa tecnologia”, conclui.
Jogando para aprender
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Aluno em partida de Guitar Hero em escola de música: percepção de ritmo. |
Músicos mais conservadores podem torcer o nariz para a idéia, mas um exemplo prático de como os games podem ajudar no aprendizado pode ser encontrado em uma escola de música de São Paulo. Recentemente, a instituição inaugurou uma sala equipada com videogames Wii e jogos como Guitar Hero, American Idol
e Rock Band. E a intenção não é descontrair, mas sim, ensinar.
A idéia, adotada na EM&T – Escola de Música e Tecnologia, surgiu por acaso: um aluno que tinha dificuldades no aprendizado voltou das férias escolares bem mais estimulado em aprender algumas canções. Questionado, respondeu que tinha jogado, durante todas as férias, o game Guitar Hero, no qual o jogador usa um controle que simula o formato de uma guitarra para acompanhar o ritmo e alguns acordes de músicas.
O professor Alex Rodriguez, guitarrista há 15 anos e professor na escola há sete, concorda que o jogo não ensina a técnica da guitarra, mas colabora na percepção do ritmo, “que é um elemento fundamental para o músico e que o Guitar Hero, assim como os antigos tapetes de dança, exigem.” Para ele, o game só prejudica o aprendizado se o aluno deixar de tocar seu instrumento periodicamente para jogar. O repertório do game, segundo ele, também ajuda, pois tem músicas mais antigas, nas quais a guitarra possuía um destaque diferente: “O jogo possibilita esse contato com a guitarra em outras épocas”, diz.
Simulação corporativa
O uso de games para desenvolver habilidades não é exclusividade de escolas ou lares. No ambiente corporativo, jogos eletrônicos também têm sido usados, com sucesso, no treinamento de funcionários. E não só nas companhias aéreas, que há décadas usam simuladores de vôo para treinar pilotos. Empresas como Natura, Coca-Cola e McDonalds usam jogos empresariais para melhorar – ou avaliar – as habilidades de seus profissionais.
“Os games podem simular diversas situações que um vendedor, por exemplo, pode enfrentar no dia-a-dia”, diz Leonardo Reis, sócio-diretor da Aennova, empresa que desenvolve simuladores empresariais, também chamados de business games. “É uma atividade mais engajante, que dá resultados muito melhores. Muita gente quer até levar o jogo para casa”, observa. Para ele, grande parte das pessoas que recebe esse tipo de treinamento faz parte da geração que cresceu jogando algum game, o que ajuda a tornar a ferramenta cada vez mais popular.
Segundo Reis, a melhora no desempenho dos profissionais é clara, sem falar no melhor aproveitamento de tempo. “A pessoa absorve mais conhecimento em um menor número de horas”, aponta, ressaltando que os simuladores são customizados, de acordo com as necessidades de cada empresa. Os preços podem ir de R$ 50 mil a R$ 600 mil.