Durante a semana, as atenções do mundo voltaram-se para a fronteira entre a Suíça e a França, na Europa, onde foi ativado, na última quarta-feira, o Grande Colisor de Hádrons (ou LHC – Large Hadron Collider). Motivo de polêmicas, o maior acelerador de prótons já construído – um túnel circular de 27 quilômetros no subsolo – foi acusado de ser capaz de provocar até o fim do mundo, já que pode causar a formação de pequenos buracos negros, que alguns acreditam que poderiam engolir a Terra.
A polêmica, que gerou até processos que tentavam impedir a ativação do equipamento, foi motivo de brincadeiras entre alguns cientistas, e deve reacender em algumas semanas, quando o acelerador começar a funcionar a todo vapor – até agora apenas testes estão sendo realizados.
Cientistas de todo o mundo participam do projeto do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern). Apesar de não haver nenhum acordo direto com o governo brasileiro, cientistas daqui, é claro, não poderiam faltar. Há, inclusive, um curitibano. É o físico Guilherme Nunes Hanninger, de 26 anos. Depois de concluir o segundo grau na capital paranaense, em 1999, ele foi aprovado na Universidade de São Paulo (USP), onde graduou-se em Física, em 2003. No ano seguinte, ele foi para a Alemanha, onde cursou, na Universidade de Bonn, o que equivale a um mestrado na matéria e, desde março do ano passado, faz doutorado na mesma instituição. Em 2006, Hanninger passou a ser membro do experimento de detecção de partículas batizado de Atlas – um dos seis em curso no LHC. O portal Paraná Online conversou com o físico sobre o experimento e sua vida na Europa.
Como é a sua participação no projeto?
Guilherme – Trabalho no experimento Atlas, em particular no grupo Higgs, que é o grupo responsável pela análise de dados e pela procura pelo boson de Higgs. A procura desta partícula é um dos principais objetivos do experimento e é extremamente desafiante. Por segundo, esperamos ter 100 milhões de colisões e precisaremos de três anos para confirmar com certeza a existência (ou não) desta partícula. Além disso, a quantidade de informação para ser estudada também é enorme. Cerca de 100 mil CDS por segundo! A colaboração toda envolve 159 institutos do mundo inteiro. Portanto, trabalho diretamente com dezenas de colegas de diversas nacionalidades.
Como você ingressou na Universidade de Bonn?
Guilherme – Eu pretendia desde cedo fazer minha pós-graduacao no exterior e me candidatei a um programa de mestrado oferecido pela Universidade de Bonn. Felizmente tive a sorte de ser selecionado.
E seu ingresso no projeto, como foi, e quando?
Guilherme – No Cern, foi através da Universidade de Bonn. No Instituto de Física (da Universidade), temos alguns grupos de pesquisa que mantêm colaboração com o Cern a muitos anos e, em especial, eles trabalharam ativamente na construção do detector Atlas. Atualmente, o grupo de Bonn está envolvido nos primeiros testes que estão sendo realizados, na tomada de dados e análise.
Como tem sido o dia-a-dia desde que entrou no projeto?
Guilherme – Muito trabalho! Mas extremamente gratificante!
Até quando você fica no projeto – se é que há prazo para ficar?
Guilherme – O doutorado deve durar mais um ou dois anos. Quando eu terminar a tese, o experimento estará ainda na fase inicial. Portanto, seria muito interessante continuar no projeto como pós-doutorando.
E quais são as suas expectativas?
Guilherme – São as melhores possíveis! Foram 20 anos de muito trabalho na construção deste experimento e agora, com o funcionamento do LHC, as portas para o desconhecido acabaram de se abrir! É uma experiência &uac,ute;nica como cientista, e este é certamente um momento histórico da ciência. O mais interessante são as expectativas de, além de tentar comprovar as previsões teóricas, descobrirmos processos e partículas totalmente novas. E, quem sabe, estas “surpresas” explicariam o mistério da matéria escura no Universo.
O que achou da polêmica sobre a recriação de um novo Big-Bang?
Guilherme – Este é realmente um dos objetivos do LHC. Quando as partículas extremamente energéticas se colidirem, elas atingirão temperaturas 100 mil vezes maiores que a do Sol. Nessas condições, recriaremos o estado semelhante a como o Universo era logo após o Big-Bang. Esse estudo é, por exemplo, um dos objetivos do Experimento Alice (outro dos seis experimentos).
É verdade que a polêmica em relação ao buraco-negro virou motivo de brincadeiras entre os cientistas?
Guilherme – Infelizmente, eu saí junto em uma matéria (da Folha de São Paulo) que falava sobre brincadeiras com relação ao Buraco Negro. Mas não conheço o colega que fez esta afirmação, nem estava presente na entrevista quando isso foi discutido. Portanto, não acho que isso seja motivo de piada. O único fato que julgo relevante é que o LHC é completamente seguro neste sentido e nenhum buraco negro irá engolir a Terra.
O que achou dos primeiros testes? Em quanto tempo o LHC deverá funcionar “a todo vapor”?
Guilherme – Os primeiros testes foram um sucesso incrível! Conseguimos passar o feixe, que tem a espessura de um fio de cabelo e viaja a uma velocidade muito próxima à da luz, ao redor do acelerador inteiro que tem 27km. Agora, estamos fazendo milhares de testes e, como anteriormente planejado, deveremos ter as primeiras colisões dentro de um ou dois meses.