Padre Landell, o inventor gaúcho esquecido

À direita, esquema do telefone sem fio, uma das invenções patenteadas por Padre Landell.

Quando se fala de comunicação interestelar, é comum fazer referência a cientistas estrangeiros que, como homens de sabedoria notável, previram essa comunicação. Contudo, esquecemos um grande inventor porto-alegrense, Padre Roberto Landell de Moura (1861-1928), que antes das experiências do italiano Guglielmo Marconi (1874-1937), em Pontechio, perto de Bolonha, em 1895, já efetuava com sucesso experiências de transmissão e recepção sem fio, da voz, a uma distância de cerca de oito quilômetros. Algumas dessas experiências ocorreram da Avenida Paulista ao alto de Santana, na capital paulista, entre os anos de 1893 e 1894. No início do século, depois de obter patentes de seus inventos nos EUA, em 1904, voltou Landell de Moura ao Brasil, quando o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, consagrou em entrevistas as suas invenções e descobertas.

Graças à intervenção do almirante José Carlos de Carvalho, que havia assistido às experiências de Landell de Moura nos Estados Unidos, o então presidente da República Rodrigues Alves (1848-1919) recebeu-o em audiência em março de 1905. No encontro, Landell de Moura solicitou dois navios da nossa Marinha com o objetivo de demonstrar o alcance de seus inventos. Interessado em servir ao cientista, Rodrigues Alves determinou mais tarde que um de seus oficiais de gabinete se ocupasse do assunto e procurasse saber a que distância desejava o padre que estivessem os dois navios.

Ao solicitar a informação, o oficial recebeu a seguinte resposta de Landell: ?A distância máxima possível. As que quiserem ou puderem. Os meus aparelhos podem estabelecer comunicação com quaisquer pontos do planeta, os mais afastados que estejam uns dos outros. Isto atualmente, porque no futuro servirão até mesmo para comunicações interplanetárias.?

O oficial de gabinete olhou-o de alto a baixo, dizendo que iria transmitir a informação ao presidente. Chegando ao Palácio, o assessor presidencial confidenciou: ?Excelência, o tal padre é totalmente maluco. Imagine que ele chegou até a falar-me em conversar com habitantes de outros planetas?.

No dia seguinte, uma carta muito amável da Secretaria da Presidência da República informava que no momento era impossível atender o pedido, devendo o padre no entanto aguardar uma ocasião mais oportuna.

Hoje, quando se fala de comunicação interplanetária e mesmo interestelar, o nome mundialmente citado é o de Marconi, que além de ter tido à sua disposição, em 1902, cedida pelo governo italiano, a belonave Carlos Alberto, obteve, mais tarde, o auxílio da esquadra italiana com o objetivo de testar o alcance de seu invento.

Foi notável a iniciativa do professor Hamilton Almeida, de escrever Padre Landell, o inventor sem glória, a mais completa biografia hoje conhecida do padre-inventor gaúcho Landell de Moura, um dos pioneiros da telecomunicação, que ficou totalmente esquecido após o trabalho de Ernani Fornari – O incrível padre Landell de Moura (1960) -, autor da primeira mais completa biografia, cuja existência tomei conhecimento através da revista Ciência Popular, nos anos de 1960, Depois de ler a obra de Ernani Fornari, decidi que um dia faria um estudo biográfico o mais completo possível desse nosso genial inventor quase totalmente esquecido pela sociedade brasileira. Hoje, depois de ler a obra de Hamilton Almeida, senti-me realizado, pois o autor desse livro conseguiu realizar uma proeza difícil, que foi a de reunir a mais completa documentação e redigir a mais valiosa biografia de Landell de Moura, toda ela baseada em depoimentos e documentos, a maior parte deles, até então desconhecidos.

Na realidade, o nosso Landell de Moura foi uma mente aberta às mais diferentes questões; realizou estudos sobre hipnotismo e espiritismo, pesquisando em um Gabinete de Antropologia Experimental, instalado ao lado da igreja da paróquia de Nossa Senhora do Rosário em Porto Alegre. Esse seu procedimento causou-lhe uma repreensão da Igreja.

Como muito bem expôs Hamilton Almeida, o pensamento científico de Roberto Landell de Moura consistiu no estudo da transmissão acústica da voz articulada ou fonografada, a certa distância mediante uma corrente de ar enviada numa mesma trajetória percorrida pela voz ao natural, com objetivo de reforçá-la; da transmissão acústica luminosa através de um feixe de luz; da transmissão elétrica da voz humana através de um feixe luminoso produzido por um arco voltaico ou outra fonte de irradiação. Além do receptor, sua descoberta – uma cápsula selênica que só funcionava sobre ação dos raios actínicos – conseguiu realizar a transmissão eletromagnética do sistema fônico, harmônico, luminoso e da voz humana mediante a suposição da existência de vibrações elétricas e irradiantes, tendo, com essa finalidade, utilizado uma lâmpada de três eletrodos e um aparelho de sua invenção.

Em 2004, ocorreu o centenário dos registros das patentes dos inventos do Padre Landell de Moura: transmissor de onda (em 11/10/1904), telégrafo sem fio (em 22/11/1904) e telefone sem fio (em 22/11/1904), todos eles registrados no United States Patent Office. Seria fundamental que réplicas dessas invenções fossem feitas, como está sendo realizado com relação à aeronave 14-Bis de Santos Dumont.

O nosso padre cientista foi um homem do seu tempo, um incansável pesquisador que procurava respostas para as suas dúvidas, sabendo muito bem separar a fé da ciência, como demonstra a sua devoção à Igreja e a sua fé na ciência.

Em dezembro de 2004, ao visitar o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, em companhia do seu presidente, o professor Gervásio Rodrigo Neves, encontrei a mais ampla documentação original de Roberto Landell de Moura, cuidadosamente organizada, dos manuscritos e diários referentes a todas as áreas que se dedicou, dentre elas, a ciência, a filosofia e a religião. Esse arquivo, doado ao IHGRS por Ernani Fornari, em 1961, compreende 230 documentos, totalizando 4470 páginas. Nesses últimos 45 anos, vários documentos foram anexados por pesquisadores que estudaram a obra deste padre cientista, dentre eles Benedito Hamilton Almeida, autor do livro Padre Landell de Moura – um herói sem glória que deve ser lido por todos brasileiros, principalmente pelos estudantes, pois constitui um estímulo sobre toda espécie de reflexão mais profunda acerca das condições humanas do cientista no Brasil. Sua leitura agradável e atraente é um convite para melhor entender a importância desse gaúcho incompreendido na época em que viveu.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins. Escreveu mais de 75 livros, entre outros,  Anuário de Astronomia e Astronáutica 2006. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com

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