O Vaticano e a Astronomia através dos tempos

O atual Observatório do Vaticano (Specola Vaticana), fundado pelo papa Leão XIII no fim do século XIX, constitui a versão moderna dos sucessivos observatórios papais que desde o século XVI efetuaram pesquisas astronômicas subordinados ao pontífice. O primeiro observatório papal foi o estabelecido pelo papa Gregório XIII na Torre dos Ventos, na parte oeste do Palácio do Vaticano, em 1572, por recomendação do Concílio de Trento. Com efeito, quando esse concílio se dissolveu, em 1563, além de discutir as bases de uma nova reforma do calendário, sugeriu a fundação de um observatório.

As observações realizadas nesse observatório foram usadas pelo astrônomo jesuíta Christovam Clauvius (1538-1612) e, em especial, pelo astrônomo Aloisius Lilius (1510-1576), para determinar os erros do calendário juliano e, desse modo, preparar o caminho que permitiu a introdução do atual calendário gregoriano, em 1582. Na época, Gregório XIII fez saber a todos os chefes de Estado cristãos que desejava empreender a reforma do calendário, uma vez que, após o Concílio de Nicéia, a festa da Páscoa, que deveria ser comemorada no primeiro domingo que se segue à lua cheia, depois do dia 21 de março, vinha avançando continuamente ao longo do ano, com sérios prejuízos para a agricultura.

Em suas epístolas relativas à reorganização dos observatórios astronômicos, os Papas Leão XII, Gregório XVI e Pio IX não se referem jamais à Specola Vaticana, mas aos observatórios do Collegio Romano e ao do Capitólio, dois estabelecimentos da mesma natureza que existiam em Roma subordinados ao pontífice até o fim do século XIX.

No século XIX, o astrônomo-jesuíta Ângelo Secchi (1818-1878), nomeado diretor do Observatório do Collegio Romano, então situado ao lado da igreja Santo Inácio, realizou importantes observações. Uma das principais foi a elaboração da primeira classificação espectroscópica das estrelas. Seus estudos sobre espectroscopia estelar e solar tiveram um importante papel nos fundamentos da astrofísica moderna. Após a morte de Secchi, a tradicional colaboração entre a astronomia e administração papal sofreu uma interrupção durante alguns anos.

Um notável ressurgimento ocorreu, quando o papa Leão XIII fundou, em 1889, o atual observatório, com o desejo expresso de demonstrar, como então dizia, que ?todos deveriam saber que a Igreja não se opõe à pesquisa científica genuína, sendo seu desejo promove-la e apoiá-la com todos os meios a sua disposição?.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão. Astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, escreveu mais de 85 livros, entre outros, Anuário de Astronomia e Astronáutica 2007. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com

Jesuítas integram o observatório

Em 1933, o Observatório do Vaticano foi transferido das suas instalações originais nos jardins do Vaticano para os jardins da Cidade Papal, em Castelgandolfo, a 26 quilômetros do centro de Roma. A escolha desse sítio pelo papa Pio XI está associada ao reequipamento do observatório com instrumentos maiores e mais modernos, assim como de um departamento de astrofísica capaz de desenvolver estudos da estrutura e evolução da Via Láctea.

Desde 1981, os astrônomos do Vaticano mantêm um centro de observações em Tucson, Arizona, para onde foram transferidos os equipamentos mais modernos, depois que a névoa e as luzes da cidade tornaram quase impossível a observação astronômica na área de Roma.

A equipe do Observatório do Vaticano é constituída por sacerdotes da ordem dos jesuítas. Ela se compõe de uma dezena de astrônomos com doutoramento e uma grande experiência em nossa galáxia e a evolução estelar. Seu programa inclui pesquisas fotométricas e espectroscópicas sobre aglomerados estelares; estudo da distribuição espacial das estrelas de diferentes tipos espectrais; órbitas de estrelas duplas; produção de atlas de espectro de interesse astrofísico; etc.

Quase todos os papas têm tido preocupações com a ciência, em especial com os conhecimentos do cosmo. Inúmeros astrônomos de inestimável valor científico foram religiosos católicos.

Em 1927, o padre belga George Lemaître (1894-1966), professor da Universidade de Louvain, propôs a hipótese do átomo primitivo – a atual e quase universalmente aceita teoria da grande explosão (Big Bang) -, que procura explicar a origem do universo.

Em 3 de outubro de 1981, em audiência aos participantes da semana de estudos sobre ?Cosmologia e Física Fundamental?, organizada pela Pontifícia Academia de Ciências, no Castelgandolfo, o papa João Paulo II, assim se referiu à origem do universo: ?Toda hipótese científica sobre a origem do mundo, como aquele de um átomo primitivo do qual derivaria o conjunto do universo físico, deixa aberto o problema relativo ao começo do universo?.

E concluiu: ?A cosmogonia e a cosmologia têm sempre suscitado um grande interesse entre os povos e as religiões. A própria Bíblia nos fala de origem do universo e de sua constituição, não para nos fornecer um tratado científico, mas para precisar as justas relações do homem com Deus e com o universo?.

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