Telescópio espacial Hubble registra o nascimento das galáxias. |
A maior parte dos cosmólogos acredita que o universo surgiu de um ponto muito pequeno, muito quente, muito denso (singularidade) que explodiu, dando origem ao espaço-tempo, há mais ou menos 15 bilhões de anos. Logo em seguida, o universo foi se resfriando e se tornou transparente – aproximadamente com 300 mil anos de existência – devido à criação de fótons. Essa é a idéia do Big Bang (grande explosão).
Com freqüência, os leigos consideram o Big Bang como tendo origem num ponto central situado em qualquer parte do universo. Essa representação só tem sentido se o espaço existisse antes do Big Bang. Com efeito, o espaço foi criado ao mesmo tempo em que o Big Bang e, logo depois da explosão primordial, o cosmo continuou sendo criado. Não existe vazio entre as galáxias.
O fato que observamos as galáxias se afastando da Via Láctea, nossa galáxia, não quer dizer que esta esteja no centro do universo. Com efeito, os habitantes das outras galáxias verão também todas as outras fugirem (se afastarem). Tudo é centro e nada é centro.
Quando o relógio cósmico marcou 10-43 segundos, a temperatura era de 1.032 graus Kelvin – mais quente do que todos os infernos que Dante poderia ter imaginado na Divina Comédia – para se apresentar atualmente com uma temperatura de 3º Kelvin, ou seja, 270º centígrado abaixo de zero. Essa é a temperatura que poderíamos medir se estivéssemos no espaço entre as galáxias.
História do universo
A história do universo é o relato de como a matéria se tornou cada vez mais complexa. Na realidade, o universo surgiu de um vazio cheio de energia. A energia deu origem à matéria, na forma de uma sopa cósmica de quarks e de elétrons e de suas antipartículas. Os quarks se reuniram de três em três para formar os nêutrons e os prótons, os elementos fundamentais da matéria.
Após os três primeiros minutos, três quartos da massa do universo eram constituídas de hidrogênio e uma quarta parte restante de hélio. Não havia ainda os elementos pesados que fossem constituir a base da vida. Foi necessário esperar 3 a 4 bilhões de anos e a invenção das estrelas que, graças a sua maravilhosa alquimia nuclear, fabricaram o carbono, o nitrogênio (azoto), o oxigênio e todos os outros elementos pesados dos quais somos feitos e que constituem o mundo que nos envolve.
Há quatro bilhões e meio de anos, entre centenas de bilhões de outras galáxias que povoam o universo, em uma delas, denominada de Via Láctea, uma nuvem interestrelar se condensou para se transformar em estrela: o Sol. Ao redor deste astro se formou um conjunto de nove planetas. Em um deles, a Terra, há três bilhões e meio de anos, organismos unicelulares fizeram a sua aparição. Uma evolução darwiniana de alguns bilhões de bilhões de anos transformou esses elementos unicelulares em células mais complexas, origem da vida que iria povoar o planeta. Há cerca de quatro milhões de anos surgiu um ser suigeneris – protótipo do homem -, capaz de sentir e admirar a beleza e a harmonia do universo; sua consciência crítica permitiu que viesse questionar sobre a origem e a razão da existência do cosmos, assim como a sua própria.
Como um astrônomo pode reconstituir a história do universo?
Ele se serve dos seus telescópios para recuar no tempo. Isso é possível, pois a luz leva algum tempo para nos alcançar. Quando observamos os objetos celestes, estamos sempre contemplando-os com um certo atraso: a Lua que vemos agora é a de uns 2 segundos atrás; o Sol é o de 8 minutos atrás; a estrela mais próxima é de 4 anos e a luz que recebemos da galáxia Andrômeda – a galáxia mais próxima de nós e muito semelhante à Via Láctea – é aquela que partiu há 2 milhões de anos, quando os primeiros homens surgiram sobre a Terra.
Tudo que vemos no universo, quanto mais fraco, em geral, se encontra mais afastado e, portanto, a luz que nos alcança é a do passado mais recuado. Na realidade, o astrônomo – como qualquer um de nós – ao observar o cosmos já está visualizando o passado, ou seja, as imagens mais recuadas no tempo; o que vai facilitá-lo no traçado da história do universo. Com os grandes telescópios de hoje, cada dia mais sofisticados, como, por exemplo, o telescópio espacial Hubble, pode-se recuar no tempo de até dois ou três bilhões de anos depois do Big Bang, e desse modo registrar o nascimento das galáxias.
Poderemos recuar no tempo até origem do universo?
Não. Existe um muro de conhecimento que impede que alcancemos o período que vai desde o início do universo até 300 mil anos depois do Big Bang. Este intervalo de tempo vai de 10-43 segundos até o ano 300 mil anos, quando o universo era completamente opaco. Com efeito, como o universo era excessivamente quente, os átomos não puderam se constituir. O universo era formado por uma sopa cósmica de prótons, elétrons e fótons. No entanto, como estas últimas partículas portadoras da luz tentavam encontrar um caminho que os permitissem atravessar a floresta de elétrons e prótons, não o conseguiam em virtude da enorme densidade reinante nessa sopa cósmica. Uma vez que não existia a propagação da luz, não se poderia registrar além desta barreira. Portanto, existe um muro opaco que impede o recuo no tempo. Os mais aperfeiçoados telescópios não poderão jamais ver o universo numa época anterior a 300 mil anos. A mais velha imagem do universo foi obtida em 1992 pelo satélite Cobe (Cosmic Background Explorer) da Nasa: é uma imagem da radiação fóssil emitida 300 mil anos após o Big Bang. Ela é extraordinária, pois permite ver as pequenas sementes de galáxias que vão germinar mais tarde para dar origem as mais belas galáxias que povoam atualmente o universo nos últimos bilhões de anos.
Mas se os telescópios se chocam com esta barreira de 300 mil anos depois de Big Bang, como se pode conhecer o universo anterior a esse período?
É possível fazê-lo utilizando um outro instrumento. Antes do ano 300 mil, o universo é um imenso acelerador de partículas, com prótons, elétrons que se deslocam com alta energia. Com efeito, se é possível reproduzir o estado físico do universo nos grandes acelerados de partículas, como aquelas do Cern, em Genebra na Suíça, ou em Firmilab, nos Estados Unidos, será possível usá-los para reproduzir o que ocorre a alguns centésimos de segundos depois do Big Bang.
Para recuar ainda mais longe no tempo seria necessário construir aceleradores cada vez maiores e caros. Para reproduzir as condições reinantes, no momento que o relógio cósmico marca 10-43 segundo depois do Big Bang – um intervalo de tempo incrivelmente pequeno (o flash fotográfico é maior e mais longo bilhões e bilhões de vezes) – será necessário construir um acelerador que se estenda até a estrela mais próxima, o que no momento não é factível. Na impossibilidade de fazê-lo, os cosmólogos e os físicos de partículas utilizam as equações matemáticas.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins. Escreveu mais de 80 livros, entre outros, Do Universo ao Multiverso -uma nova visão do Universo. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com
Como ultrapassar esta nova barreira do conhecimento?
Para compreender essa barreira do conhecimento, é necessário saber que existem duas teorias físicas que descrevem o universo: a relatividade de Einstein, que explica o universo no infinitamente grande, e a mecânica quântica, que o descreve no infinitesimalmente pequeno.
Nas últimas décadas, os físicos se ocuparam em desenvolver uma teoria capaz de unificar as quatro forças conhecidas na natureza: a gravidade, a eletromagnética e as duas forças nuclear forte e fraca, pois acredita-se que no momento de criação do universo, a temperatura esteve muito quente e denso de modo que as quatro forças constituiriam uma única.
Quando o relógio cósmico bateu 10-43 segundos, o universo todo era milhões e milhões de vezes menor do que um átomo. O infinitamente grande se associava ao infinitamente pequeno. Para descrever essa situação, é necessário unificar as duas teorias, ou melhor, quantificar a relatividade. Ora, essa unificação não foi possível de ser realizada e, em conseqüência, somos limitados por esse muro do conhecimento que se chama Muro de Planck. Não se pode, portanto, extrapolar além do instante 10-43 segundos depois do Big Bang.
Não somos capazes de descrever com nossas equações o instante exato da criação do universo. No entanto, existem várias tentativas para perfurar esse muro do conhecimento. Alguns físicos dizem que além do Muro de Planck, as partículas se transformam nas pequenas extremidades de uma corda, o tempo perde o seu aspecto familiar e o espaço possui 11 a 26 dimensões. Essas teorias que são, no momento, completamente matemáticas, não podem ser verificadas experimentalmente, pois não dispomos de um acelerador que se estenda até a estrela mais próxima.
As teorias cosmológicas têm aplicação prática imediata?
Não. No entanto, acredita-se que as concepções filosóficas do mundo, que adquirimos através da cosmologia, são tão importantes como qualquer outra descoberta científica. Nelas se procura a nossa situação no universo. Aliás, essa procura de um sentido para nosso destino é que distingue o homem dos animais. A história do universo nos conduz a uma visão mais completa do universo e a uma posição mais importante. Não é por acaso que as estrelas e as galáxias provocam enorme impacto sobre o público. Através dela estamos procurando as nossas origens. Ao reconstruir a história dos 15 bilhões de anos passados, conseguimos transcender a gravidade dos nossos corpos que nos ligam a esse pequeno planeta – a Terra – e a brevidade de nossa vida.
Acredito que exista uma realidade do mundo independente dos nossos modos de pensar. Nesse sentido, estamos num campo oposto ao de Platão, para quem as idéias constituíam verdadeiros universos e os objetos físicos, uma pálida sombra da realidade. Isso quer dizer que não penso que possamos ter acesso à realidade total, pois ela é transformada às vezes pelos instrumentos de observação e pelo cérebro do observador. O astrônomo moderno, com os seus instrumentos (telescópios, calculadoras, cada vez mais sofisticados e complexos), se afasta mais da realidade e da objetividade. Ela é filtrada através dos circuitos eletrônicos. Ela é manipulada, digitalizada e reconstituída graças a possantes computadores, depois de complexos tratamentos matemáticos sofisticados. O astrônomo deve procurar saber o que existe realmente no céu e afastando-se da imagem artificial criada pelos seus instrumentos de medida. Em teoria, a realidade poderá ser tornada a mais objetiva possível; se só considerarmos a visão que temos do universo através das máquinas, só poderemos repetir as observações ou verificá-las por outros equipamentos.
No entanto, isso é incontornável, pois a mente humana molda o universo que observamos. A realidade do mundo exterior é transformada pelo mundo interior. Os cientistas utilizam as teorias e modelos que eles desenvolvem para interpretar a realidade que eles observam. Para evitar cair no delírio metafísico completo, os cientistas devem constantemente confrontar seus modelos teóricos com as observações.
A teoria do Big Bang não é um mito, pois suas previsões têm sido verificadas de maneira espetacular pelas observações. Só o Big Bang pode explicar as observações aparentemente tão contraditórias como a existência de uma radiação fóssil que banha todo o universo, a composição química das estrelas e das galáxias.
Há possibilidade de se retroagir até alcançar a singularidade?
Não. A dimensão da bolha do universo observável (hoje 10-29 centímetros) é inferior a 10-3 centímetros (correspondente, segundo os modelos atuais, a um tempo muito pequeno de 10-43 segundos). A relatividade geral clássica perde todo o seu poder, pois os efeitos quânticos se tornam preponderantes. Uma teoria da gravitação quântica se torna imperativa, exigindo uma unificação completa das quatro formas de interação física (eletromagnética, forte, fraca e gravitacional). No entanto, essa teoria não existe em virtude das dificuldades fundamentais associadas às necessidades de redefinição de conceitos tais como o espaço, o tempo, a casualidade, o papel do observador, etc. Numerosas proposições têm sido elaboradas: as supercordas, introdução de dimensões suplementares, etc.
Uma solução seria a cosmologia quântica, resultante da aplicação dos princípios da mecânica quântica à descrição do universo e seu conjunto. Ela tenta responder de maneira racional às questões da origem (de onde viemos?) e de contingência (porque existem as coisas no lugar de nada?). A descrição dinâmica do universo em escala quântica foi inicialmente proposta nos anos 1960, por John Wheeler e Bryce de Witt: no nível microscópio, a geometria do universo se torna indefinida, comparável a uma espécie de minúsculas partículas constantemente agitadas por pequenas flutuações quânticas. A cosmologia quântica só pode ser desenvolvida por modelos muito simples, o que reduz as ambições teóricas originais. Duas aproximações originais são aquelas de Wheeler, Hawking e de Linde. Em resumo, o modelo quântico de Hartle e Hawking não possui fronteiras nem limites com uma superfície de uma esfera, mas duas dimensões suplementares. Por outro lado, o universo será finito não somente no espaço (seu volume total será finito), mas também no tempo. A problemática da singularidade inicial desaparece: o universo não teria início nem jamais teria fim. No entanto, esta nova ?eternidade do tempo? só será encontrada se abandonarmos o tempo cósmico real (medida pelos relógios ou pela expansão das galáxias) a favor de um tempo imaginário (no sentido matemático do tempo). Um modelo quântico onde o universo não passa de uma bolha no meio de um mousse (musse) composto por um número infinito de bolhas, cada uma delas tendo a sua própria lei física.
Multiverso
Uma versão bem diferente foi desenvolvida por A. Linde, que supõe condições iniciais caóticas. Qualitativamente, Linde apresenta sua solução (não exata) sob a forma de um gigantesco universo eterno e auto-reprodutor, constituído de um mousse de universos. Cada bolha deste mousse teria as suas próprias características: constante física, número de dimensões espaciais e uma dinâmica própria. O nosso universo observável não seria mais do que uma ínfima parte desta bolha, de dimensões imensuráveis provocadas pela inflação. Nessa hipótese, o ?universo global? também não teria nem começo nem fim, ainda que as bolhas individuais, como parece ser o nosso universo, possam nascer e morrer.
O universo tem algum sentido?
As descobertas recentes da cosmologia contemporânea podem sugerir que o homem e o universo vivem em estreita simbiose: se o universo é como ele é, é porque o homem está lá hoje para observar e propor questões. A existência do ser humano está inscrita nas propriedades de cada átomo do universo, em cada uma das leis físicas que governam o cosmo. O universo parece ter muito exatamente as propriedades necessárias para criar seres capazes de possuir consciência e inteligência. É o princípio antrópico (do grego antropos que significa homem).
Existem duas escolhas possíveis. A primeira consiste em considerar que não existe regra e que tudo ocorre ao acaso. O nosso universo seria um entre uma multidão de outros universos, os multiversos. A grande maioria dos universos seria infértil, salvo o nosso, onde – por acaso – a combinação das leis físicas saiu vitoriosa. A segunda escolha rejeita o acaso: o universo, além de ser único, obriga a existência de regras extremamente precisas elaborada por um princípio criador.