Ronaldo Rogério de Freitas Mourão
Arquivo / O Estado |
No ano passado, o Furacão Rita atingiu e destruiu boa parte da região de Nova Orleans, nos Estados Unidos. |
O fenômeno do El Niño ocorre em dois terços dos mares tropicais quentes, geradores da maior parte da evaporação sobre a Terra. Os impactos climáticos e econômicos são enormes. Sua influência alcança regiões muito afastadas do local de sua ocorrência. As zonas de ação podem deslocar-se um pouco em função das estações. Quando da ocorrência do El Niño, os efeitos globais se distribuem por regiões muito afastadas. Ocorrem inundações ao oeste do Chile e do Peru, na Califórnia e sobre o "corno" da África. A seca e por vezes os incêndios ocorrem sobre o norte do Brasil e da Austrália, na Bolívia, na Índia, na Indonésia, e no Sul da África. Não existe influência nítida sobre o clima europeu.
Alguns países, como Equador, já declararam estado de emergência antes da chegada do fenômeno. No Pacífico, a distribuição dos ciclones sofre uma grande alteração: dos 18 ciclones que alcançaram a Polinésia Francesa no período de 1971 a 2000, 14 deles ocorreram durante o período do El Niño.
O El Niño de 1972-1973 tornou-se célebre, pois a pesca ao longo do Peru sofreu uma queda de 50% e o estoque de pescados não pôde ser jamais reconstituído.
O El Niño de 1982-1983 foi denominado o fenômeno do século. Inundações e secas recordes causaram milhares de vítimas com centenas de milhares de pessoas sem abrigo ou sem teto. Nos EUA, onde os seus prejuízos foram estimados em 2 bilhões de dólares, deu-se uma economia de 500 milhões de dólares que seriam gastos em aquecimento de suas casas, pois esse inverno foi o mais quente, fenômeno que não ocorria há 25 anos. Os habitantes das Ilhas Galápagos tiveram mais seis semanas de chuvas, o que não ocorria há 6 anos. Os 17 milhões de pássaros que viviam nas Ilhas Galápagos e nas Christmas morreram de fome ou desapareceram na procura de alimentos, abandonando os seus ninhos. As colônias de pássaros das ilhas subantárticas e da Antártica ficaram quase desertas, mas como todos os anos do El Niño, o condor dos Andes se alimentou com os numerosos cadáveres de focas.
O El Niño de 1997-1998 foi o mais intenso desses últimos anos, além das inundações catastróficas no Equador, Peru e Colômbia, a seca provocou na Indonésia uma série de incêndios que cobriam de fumaça uma parte do sudeste da Ásia. Os efeitos do aquecimento dos mares sobre os corais tem sido com freqüência fatal, notadamente nas regiões sudoeste do Oceano Índico.
As ocorrências do El Niño depois de 1976, tendem a ser mais intensas, acreditando que isso poderá reforçar o efeito estufa.
Em 1993, uma seca muito forte associada ao El Niño provocou conseqüências muito sérias na região amazônica. No entanto, a seca registrada em 1998, devido ao fenômeno El Nino 1997-1998, provocou enormes incêndios na Floresta Amazônica. Desde o início do mês de outubro de 2005, o Rio Amazonas – com os seus 7025 km, desde a sua nascente nas geleiras de Huasca, no Peru, a sua foz no Brasil, o Amazonas é o maior rio do mundo – atingiu o seu nível mais baixo depois de 30 anos na região de Iquitos, no Peru. Aliás, desde setembro desse ano as florestas bolivianas e peruanas têm registrado incêndios gigantescos que varreram várias dezenas de milhares de hectares. No Peru como no Brasil, as populações dessas regiões tiveram as suas comunicações com o resto do mundo interrompidas, pois os barcos – único meio de transporte na floresta tropical -, não puderam mais navegar. Todos esses fatos foram causados pela seca. Uma seca que ultrapassou o esperado pelas mentes, que no imaginário coletivo considera Amazônia como sinônima de chuvas e inundações indescritíveis.
Os climatologistas descobriram que a Floresta Amazônica já havia conhecido, desde o último degelo, importantes perturbações climáticas em virtude das fortes anomalias no seu regime de águas. Desse modo, a queda no fluxo de águas no Amazonas não constitui uma novidade para os especialistas, tendo em vista que o fluxo de água do Rio Amazonas está relacionado a uma pluviometria muito influenciada pelas variações das temperaturas de superfície dos oceanos Pacífico tropical e Atlântico tropical. Na realidade, a região Nordeste da Amazônia reage muito intensamente aos fenômenos El Niño e La Niña, enquanto o sudoeste da região está mais sob a influência do Atlântico tropical norte. Ora, o que ocorreu em 2005 foi que a temperatura da superfície dessas águas oceânicas ultrapassou o normal de 0,5ºC a 1ºC, um desvio positivo e significativo, provável causa da seca registrada. Esses valores muito elevados da temperatura da superfície dos oceanos correspondem às regiões de pressões atmosféricas mais baixas, o que enfraquece os ventos alísios e diminui o fluxo das monções em direção à Amazônia. Ao mesmo tempo, ao norte, as águas quentes alimentaram a energia de uma série de furacões como o Katrina, Rita e Vilma – que desde agora constituem importantes fatos na história da meteorologia norte-americana – e, por outro lado, ao sul, as mesmas águas que são normalmente quentes impediram as monções de trazer a umidade de chuvas a regiões amazônicas.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, escreveu mais de 75 livros, entre outros, Anuário de Astronomia e Astronáutica 2006. Consulte a homepage: http://www.ronaldomourao.com
Há dúvidas sobre o reaquecimento climático
Arquivo / O Estado |
A queda do fluxo do Rio Amazonas corresponde a uma tendência |
As variações de temperatura superficial no Atlântico Norte parecem associadas a uma variabilidade natural do oceano, com períodos decenais e pluridecenais. Apesar das últimas pesquisas na região, os climatologistas não são ainda capazes de determinar se existe realmente uma ligação entre as variações de tempertura da superfície do Oceano Atlântico tropical norte e o reaquecimento climático.
A queda no fluxo atual do Amazonas corresponde a uma tendência registrada desde 1999. Medidas realizadas na estação brasileira da cidade de Óbidos – situada na margem do Rio Amazonas a 800 quilômetros do Atlântico – em colaboração com pesquisadores franceses, dentre eles Jean-Loup Guyot, do IRD – Institut de recherche por le développement, em Toulouse -, mostraram uma diminuição sensível no fluxo líquido e na altura da água do rio desde essa data.
Realmente, o volume máximo de água que flui pelo rio alimentado pelos afluentes que nasceram no Peru, pelo Rio Madeira, na Bolívia, e pelo Rio Negro, passou de 267 mil metros cúbicos por segundo em 1999 para 226 mil metros cúbicos por segundo em 2003. Em conseqüência, a profundidade de água máxima do Amazonas de 70 metros no período de cheias em Óbidos, registrou uma baixa de 1,10 metros entre 1990 a 2004. Durante as estações de seca, quando a chuva diminui, o nível do rio baixa ainda de cerca de 6 a 7 metros.
Enquanto o débito do fluxo de água do Amazonas está diminuindo, a quantidade de sedimentos transportados vem aumentando desde 2000 a 2003. Esse aumento da ordem de 900 milhões de toneladas por ano é causado pela erosão mais importante dos afluentes andinos do rio Solimões, provocadas em parte pelo desflorestamento maciço no Peru e na Bolívia. O desflorestamento é causado pela exploração da madeira – 90% ilegal -, e a transformação de grande parte das terras da região em áreas agrícolas. A situação do curso das águas poderá ter uma repercussão danosa na vida de algumas populações de animais já ameaçadas de extinção, como, por exemplo, em duas espécies já sobre proteção: o boto – um pequeno golfinho de água doce – e o peixe-boi – uma espécie de mamífero que vive nas águas do Amazonas. (RRFM)