O Carnaval e a ciência

Há alguns anos venho procurando mostrar que nos desfiles das escolas de samba, existem fundos de cultura científica em alguns enredos. Realmente, desde o início do aparecimento da escola de samba, conceitos científicos, tais como a origem dos cometas (quando em 1910 ocupou-se da aparição do cometa de Halley), o infinito, a grande explosão (Big-bang) etc., foram empregados.

Um dos grandes sucessos foi, sem dúvida, o que ocorreu em 1997, quando Joãosinho Trinta conseguiu, com sucesso notável, transmitir de modo genial ao grande público do sambódromo a concepção do que teria ocorrido por ocasião dos primeiros instantes da criação do universo, ao associar o preto e branco dos componentes da Escola do Viradouro, à idéia da matéria e da antimatéria, transformando aquele momento numa indescritível explosão de alegria.

"Lá vem a Viradouro aí,
meu amor!
É Big-bang, coisa
igual eu nunca vi!
Que esplendor.
Vem  das trevas tudo
pode acontecer,
A noite vira dia, luz
de um novo amanhecer!
Vai, meu verso, buscar
a Terra em embrião,
Da poeira do universo
Desabrocha a natureza
em expansão."

Em 2002, o Salgueiro e a Beija-flor consagraram as vitórias de Santos Dumont, ao recordar os balões, os dirigíveis e os mais pesados do que o ar – do primeiro biplano, o 14-Bis, ao elegante monoplano Demoiselle -, no que, aliás, foram muito felizes.

Em 2004, a Unidos da Tijuca brindou-nos com este indivisível enredo, cujo título já é uma obra- prima de concepção "O sonho da criação e a criação do sonho: a arte da ciência no tempo do impossível". Aproveitando a concepção de H.G. Wells da máquina do tempo, o carnavalesco Paulo Barros conduz o povo a uma viagem através de idéias que marcaram a história da ciência nos últimos tempos desde a Renascença, passando pela idéia da luta de Frankenstein pela vida contra a morte, até os dias atuais, com referências à clonagem, aos transgênicos, ao DNA, etc..

"Na arte da ciência
A busca continua
Na luta incessante
para vencer o mal
E no vai e vem dessa história
O velho sonho de ser imortal"

 

Em 2005, em Sobral, onde a teoria da relatividade geral foi confirmada durante o eclipse de 1919, a Escola de Samba Unidos das Pedrinhas, com apoio da Universidade do Vale do Acaraú, organizou o samba enredo, A lei da relatividade 100 anos (1905-2005):

"Dos estudos da ciência
o mundo revolucionou
Einstein, e suas teorias
pôde a lei consolidar
com o eclipse de Sobral
tudo pode comprovar"

Não devemos esquecer que nestes últimos anos, os carnavalescos têm contado com o apoio dos cientistas que consideram a divulgação científica como fundamental. Realmente, os cientistas não podem nem devem se afastar do povo.

É feliz o País que tem cientistas que se preocupam com a associação da ciência com o povo. É nada melhor do que o Carnaval – a festa máxima do povo brasileiro – para alcançar a meta de levar a ciência à sociedade. Finalmente, gostaria de lembrar este texto pouco conhecido de Albert Einstein:

"Os homens não vivem só de pão. É possível que as pessoas não versadas nas ciências atinjam uma parcela da beleza e virtudes inerentes ao pensamento, com a condição de que este pensamento lhes seja tornado assimilável. Não devemos exigir que a ciência nos revele a verdade. Num sentido corrente, a verdade é uma concepção muito vasta e indefinida. Devemos compreender que só podemos visar à descoberta de realidades relativas. Além disso, no pensamento cientifico existe sempre um elemento poético. A compreensão de uma ciência, assim como apreciar uma boa música, requer em certa medida processos mentais idênticos. A vulgarização da ciência é de grande importância, se proceder duma boa fonte. Ao procurar-se simplificar as coisas não se deve deformá-las. A vulgarização tem de ser fiel ao pensamento inicial".

 A leitura desse trecho seria suficiente para eliminar um pouco a incompreensão da importância da divulgação científica, mas Einstein continua:

"A ciência não pode, é evidente, significar o mesmo para toda a gente. Para nós, a ciência é em si mesma um fim, pois os homens de ciência são espíritos inquisidores. Mas não devemos esperar que todos comunguem das nossas concepções, e assim os profanos em matéria de ciência devem constituir objeto de uma especial consideração. A sociedade torna possível o trabalho dos sábios, alimenta-os. Tem o direito, portanto, de lhes pedir por seu lado uma alimentação digestiva".

Assim como Einstein acreditou que a sociedade pede aos que guardam segredos a sete chaves, sejam científicos ou de natureza política, que liberem-na de uma forma algo bem digestível.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é astrônomo, criador e fundador do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro, autor de 75 livros, dentre eles Anuário de Astronomia 2006. Consulte: www.ronaldomourao.com. 

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