O arranque notável do biodiesel

O diesel (consumo anual de mais de 40 bilhões de litros no Brasil) é uma fração de petróleo de composição multivariada em hidrocarbonetos. Ali se encontram hidrocarbonetos nobres como o hexadecano ou cetano (C16H34) com combustão limpa mas também contém uma família de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs), de difícil combustão e que acumula na emissão veicular como matéria particulada ou ?fumaça negra?. Um exemplo temível é o benzo-alfa-pireno, implicado na geração de tumores em ensaios com animais de laboratório. Contém ainda o diesel duas fontes de compostos sulfurados: enxofre orgânico e inorgânico. Na combustão são oxidados até dióxido de enxofre (SO2), o que gera a chuva ácida (ácido sulfúrico ou H2SO4). Genericamente, no diesel predomina uma mistura de hidrocarbonetos de C10 até C19 (ca. 42% de hidrocarbonetos parafínicos lineares e ramificados + 32% de cicloparafinas + 25% de hidrocarbonetos aromáticos).

Óleos vegetais (líquidos) e gorduras animais (sólidas), ou seja, triglicerídios, triacilgliceróis ou triésteres de glicerina tratados com álcool etílico (ou alternativamente com metanol), na presença de uma reduzida quantidade de soda, na reação dita de transesterificação, permitem o deslocamento da glicerina e a recuperação dos ácidos graxos sob a forma de mono-ésteres etílicos (ou metílicos). Isto é o biodiesel (mistura de monoésteres), o qual adicionado tão somente na proporção de 2% ao diesel já garante para este segundo um aumento de 50% a 100% na lubricidade (capacidade lubrificante correlacionada à vida longa do motor). Este é o plano brasileiro com meta a ser atingida em 2008: B-2 ou 2% de biodiesel em todo diesel consumido no País.

Misturas mais ricas de biodiesel em diesel (B-10, B-20) garantem uma combustão muito mais limpa (e.g., pela redução da emissão de monóxido de carbono, CO), mas a adoção (por lei) destas misturas mais ambiciosas seria, no momento, totalmente irrealista simplesmente pela falta de matéria-prima oleaginosa. A mais abundante delas, a soja, tem colheita estimada em 51 milhões de toneladas mas seu conteúdo em óleo é de apenas 18%. Daí o risco, como antevisto pelo Prof. Francelino Grando, da ?canibalização? da soja. De qualquer forma, o grande bônus da utilização de biodiesel, desde B-2 até B-100, é a combustão mais limpa e, portanto, a proteção ambiental.

Muito se discutiu, a partir de 2003, tanto ao nível de órgãos governamentais (MCT, MME, ANP, Petrobras, Universidades e Secretarias de C&T estaduais) quanto de potenciais empreendedores empresariais a instalação, no Brasil, da indústria de biodiesel. Agora, em 2006, o cenário se consolida como uma realidade surpreendente. Conta-se um total de 63 usinas produtoras de biodiesel no Brasil (www.biodieselbr.com.br), 22 construídas, 26 em construção e 15 planejadas. No Paraná são 6 unidades, incluída a planta-piloto em construção no Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná), a qual entra em funcionamento agora no segundo semestre de 2006.

Uma novidade que surpreendeu profundamente o cenário combustível nacional foi o anúncio da Petrobras de que três de suas refinarias de gasolina / diesel, entre elas a Repar (Refinaria Presidente Getúlio Vargas; Araucária-PR), passam a produzir uma nova variante de ?biodiesel? ou H-Bio. Trata-se de produto industrial totalmente diferenciado do biodiesel antes definido, segundo o Prof. Donato Aranda. O H-Bio é gerado a partir de óleos vegetais num processo térmico enérgico (70 atmosferas e 300oC) designado de ?hidrotratamento? em que o hidrogênio converte as cadeias de ácido graxo insaturadas em saturadas. Paralelamente, se dá um processo de ?hidrodeoxigenação? (mediado por catalisador), ou seja, os oxigênios oriundos tanto da glicerina quanto do grupo carboxila terminal dos ácidos graxos são removidos na forma de água. O efeito líquido é que as duas partes dos triglicerídios originais (glicerina e ácidos graxos) são convertidas em hidrocarbonetos (propano; cetano, octadecano). Sumariamente, o H-Bio tem uma estrutura química similar à fração combustível nobre do diesel, mas não sendo oxigenado como o biodiesel não pode oferecer combustão tão limpa nem lubricidade. O H-Bio, por conta do custo dos equipamentos, é atividade industrial para grandes refinarias (além do fato de que sua concepção e metodologia de produção é objeto de pedido de patente por parte da Petrobras). Como detalhe adicional, a produção de 1 tonelada de H-Bio requer 27 Kg de hidrogênio cujo custo é estimado em US$ 2.500 / tonelada.

O vigor de mercado para o biodiesel, na ótica de macro-negócios, transparece no 2º. leilão de compra de 170 milhões de litros a serem entregues até o final de junho de 2007 para a Petrobras e vencido por seis empresas que detém o selo ?combustível social?, ou seja, comprometimento com a inclusão social ou compra de sementes oleaginosas de agricultores familiares: Ponte di Ferro, Brasil Biodiesel, Renobrás, Granol, Biocapital e Binatural. Da Petrobras o biodiesel será transferido pela rede de distribuidores para a mistura (B-2) com o diesel convencional. Estão em curso o 3º. e 4º. leilões do MME / Petrobrás.

Embora a tecnologia básica de produção do biodiesel seja simples (reagentes ao alcance de qualquer leigo: óleo vegetal + etanol + soda), o mesmo não se pode dizer dos requisitos de qualidade para o produto (Resolução ANP 42 de 24.novembro.2004): as especificações para biodiesel B-100 demandam 26 análises. A glicerina (único subproduto de valor da produção de biodiesel, já que a pequena quantidade de sabões é descartada) é um bônus (se comercializada após destilação para usos finos, como o farmacêutico), mas a tendência progressiva é de depreciação de preços pelo acúmulo da oferta. Vale ainda lembrar que a estimativa dos pesquisadores do USDA (o ?Ministério da Agricultura? dos USA) situa na matéria-prima (óleos vegetais) 88% do custo da produção de biodiesel.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.

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