Microelementos e macroconseqüências metabólicas

Tomando-se por base um adulto humano de 70 quilos, o oxigênio (O) é o elemento mais abundante, com 43 quilos, na maior parte comprometido na água (H2O), que perfaz 61% do peso. O oxigênio, entretanto, também integra a estrutura química das proteínas, dos carboidratos e lipídios, ou seja os blocos moleculares dominantes, além dos ácidos nucléicos. Seguem-lhe o carbono (C; 16 kg), hidrogênio (H; 7 quilo) e nitrogênio (N; 1,8 quilo). No que tange a massa óssea, principalmente cálcio (Ca; 1 quilo) e fósforo (0,78 quilo) são os macroconstituintes de maior relevo. Dos 114 elementos conhecidos, 59 são detectáveis no corpo humano pelas sensíveis técnicas analíticas. Em comparação, encontra-se o ferro (Fe; 4,2 g) enquanto o tungstênio (W) é o elemento menos abundante: apenas 20 microgramas e sem função biológica conhecida, enquanto o cobalto (Co), com 3 mg, é constituinte da vitamina B12. 

Os elementos que ocorrem nos seres vivos em reduzido percentual são designados de microelementos. Alguns microelementos atuam como grupos prostéticos (i.é, não protéicos, mas fortemente ligados) para várias proteínas e enzimas. É o caso do ferro, essencial para o transporte de oxigênio pela proteína vermelha das hemácias, a hemoglobina, e que também co-participa das reações redox catalisadas pela enzima citocromo c oxidase das mitocôndrias. O molibdênio (Mo) integra a estrutura da nitrato redutase, importantíssima para o metabolismo vegetal. Já o magnésio (Mg) acompanha o grupo das quinases, enzimas que adicionam fosfato aos açucares e outros substratos. Algumas proteínas e enzimas fixam o cobre (Cu) e são essenciais na homeostase, transporte de elétrons, transporte de oxigênio e reações redox graças à transição entre os estados Cu3+ (cúprico) e Cu2+ (cuproso) do cátion cobre. Uma dessas enzimas contendo cobre é a lisil oxidase e sua ação catalítica é o entrecruzamento (cross linkage) das moléculas de colágeno e elastina, o que as converte em tecido conectivo forte e flexível, condição essencial para tecidos como o coração e vasos sangüíneos. Ao nível de sistema nervoso central, outra cupro-enzima, a dopamina-b-monoxigenase catalisa a conversão da dopamina em nor-epinefrina, um neurotransmissor e hormônio. Tirosinase, outra cupro-enzima, transforma o aminoácido tirosina em melanina, o pigmento escuro protetor dos cabelos, pele e olhos. Dada sua facilidade de receber e doar elétrons, o cobre iônico está presente também na estrutura da SOD – SuperÓxido Dismutase, uma enzima antioxidante que converte (e destrói) o radical livre superóxido ([O2]- ) em água oxigenada (H2O2). As duas formas desta enzima (intra e extra celular) são abundantes nos glóbulos vermelhos e nos pulmões. Um sinal clínico da deficiência de cobre no organismo é a neutropenia (contagem anormal baixa das células sangüíneas brancas chamadas de neutrófilos). A ocorrência de osteoporose pode decorrer também de deficiência de cobre e portanto do trabalho ineficiente da lisil oxidase e seu resulante colágeno / lisina interligados essenciais para arquitetura global dos ossos. Boas fontes de cobre são o fígado bovino, ostras, caranguejos, sementes de girassol, lentilhas e champignons. A doença decorrente do excesso de absorção de cobre é rara, mas neste caso se administra penicilamina, que seqüestra o íon metálico e permite sua rápida excreção urinária.

São conhecidas 11 proteínas que incorporam selênio (Se) na estrutura. Estas selenoproteínas têm atividade enzimática. A mais bem estudada delas é glutationa peroxidase que coverte água oxigenada (tóxica) em água e que converte também alguns hidroperóxidos lipídicos em alcoóis inertes. Um importante, pois, mecanismo de detoxificação dos fluidos corporais.

A glândula tireóide libera diminutas quantidades de um hormônio biologicamente ativo e importante para o metabolismo em geral, a T3 ou triiodotironina, juntamente com quantidades bem maiores de uma forma inativa deste hormônio, ou seja a T4, tetraiodotironina. Para bem atender as necessidades do organismo T4 deve perder um iodo (I; outro microelemento) e se converter em T3. Este trabalho catalítico é feito pela selenoenzima designada de iodotironina deiodinase. Existe uma ocorrência localizada de cardiomiopatia (doença de Keshan) que afeta uma limitada população chinesa, atingindo principalmente mulheres jovens e crianças. A deficiência de selênio na dieta foi identificada como a causa de tal enfermidade. As melhores fontes de selênio na dieta são carnes, frutos do mar e arroz escuro. Uma só castanha do Pará de solo brasileiro rico em selênio pode conter até 100 microgramas (um décimo de miligrama) de Se. Uma forma farmacêutica de suplemento que é melhor absorvida do que os selenatos (sais) é a selenometionina. Outra forma de suprimento natural de Se é a levedura enriquecida neste elemento estratégico.

O desempenho metabólico do zinco (Zn) é exercido em três níveis: a) catalítico, sendo que mais de uma centena de enzimas o envolvem como cofator dentre as quais a anidrase carbônica, a aspartase, a transcarbamilase e a álcool desidrogenase. No caso da anidrase carbônica, responsável pela hidratação do anidrido carbônico (CO2) ou pela desidratação do bicarbonato resultante (HCO3-), o zinco com valência fixa em 2+ atua como um ácido de Lewis e acelera sobremaneira a catálise e esta enzima se torna uma das mais velozes do metabolismo humano (processa 1 milhão de moléculas por segundo como turnover); b) estrutural, orientando a estrutura terciária e quaternária de enzimas detoxificantes como a superóxido dismutase, e c) regulatório, quando se liga ao DNA e modula a expressão de genes ou quando regula o curso da apoptose, ou seja, a morte celular programada. A deficiência severa de zinco gera a doença acrodermatite enteropática, acarreta a diminuição do crescimento e imaturidade sexual. As melhores fontes naturais de zinco são mariscos e carnes vermelhas. O zinco presente nos grãos inteiros é menos absorvido e biodisponibilizado por conta de outro composto natural, o ácido fítico, um quelante eficiente.

O manganês (Mn) é essencial para a atividade de enzimas-chave do metabolismo, tais como a superóxido dismutase mitocondrial (as mitocôndrias são organelas celulares onde se consome 90% do oxigênio), piruvato-carboxilase e fosfoenolpiruvato carboxiquinase (enzimas essenciais na produção de carboidratos a partir de aminoácidos, ou seja, a gluconeogênese) e arginase, enzima importante no ciclo da uréia ou seja eliminação da tóxica uréia do organismo. Outras enzimas nas quais há co-participação do Mn são as glicosiltransferases que catalisam a formação de proteoglicanas das cartilagens e ossos. As fontes preferenciais de Mn são grãos inteiros, nozes, vegetais folhosos e chás. Abacaxi e uvas-passas são boas fontes, também.

A cebola (Allium spp.) é um caso interessante de suprimento potencial de microlementos. A espécie A. flavescens acumula cromo (Cr), níquel (Ni), cobre (Cu), zinco (Zn) e selênio, além de ferro (Fe), cobalto (Co) e manganês (Mn) {F.V. Golubev et al. (2003) Appl. Biochem. Microbiol.}. A limitação é que esta ocorrência se concentra nas folhas e não nos frutos.

Pesquisa de investigadores argentinos {J. Perea et al (2002) Proc. 7th Intl. Coll. Paratuberculosis), indicou que a deficiência de selênio, cobre e molibdênio na dieta de gado o leva a predisposição para a paratuberculose ou doença de Johne (causada por Mycobacterium avium subsp. Paratuberculosis).

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito na UFPR junto ao Depto. de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T. 

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo