Microbiologia em debate na Argentina

A capital portenha foi palco, na semana de 17 a 22 de outubro de 2004, do XVII Congresso Latino-americano de Microbiologia (CLAM). Centenas de participantes. Dentre os convidados estrangeiros, Claude Leclerc, uma agitada dama do Instituto Pasteur, magnetizou por mais de uma hora (sem que a própria mesa coordenadora disto apercebesse) um atento, lotado e questionador auditório. Seu feito foi, dentro de uma produtiva geno-proteômica de resultados, inserir um peptídio anulador na subunidade catalítica da toxina adenilato-ciclase de Bordetella pertussis (a bactéria causadora da tosse cumprida ou coqueluche) ou seja, torná-la atóxica, mas sem perda da alta capacidade penetrante que tem em tecidos humanos.

Mais que isso, exímia nas técnicas de Biologia Molecular, no mesmo "trem imunizador" em construção, a pesquisadora francesa inseriu fragmentos inteligentes capazes de provocar a completa inativação de um vírus causador do câncer cervical, um dos mais terríveis a afrontar o sexo feminino. O estágio de pleno sucesso em cobaias faz antever boas chances de sucesso na etapa de avaliação que ora se planeja para humanos.

No campo da Microbiologia que não se vê, a dos solos, o agrônomo Alberto Scande do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA), contou do isolamento de uma Pseudomonas fluorescente, a qual, reinoculada, na rizosfera de tomateiros, resulta em praticamente num aumento de 100% na produtividade do legume, medida em número de frutos e não em peso / fruto. Embora ainda não se tenha atingido o estágio de plena reprodutibilidade nos ensaios de campo aberto em Balcarce (é provável que coexista algum outro mecanismo favorável tipo sinergismo com fungo micorrízico ao nível da raízes) o resultado é, realmente, muito animador para os micro e pequenos agricultores.

Na ponta oposta, ou seja, aquela Microbiologia cujos resultados biotecnológicos "estão escancarados no rosto", falou e ainda mais insistentemente foi perguntado, o Dr. José Fusillo, quem há mais de uma década e meia estuda a aplicação de toxina botulínica para fins terapêuticos tais como a correção de seqüelas musculares motoras em pacientes de acidentes vasculares. Impossível que as poucas (e necessárias) inserções de referência aos usos estéticos da botox (correção de rugas) por ele feitas deixassem de açular a curiosidade dos presentes e o rosário de perguntas que se seguiu. Chamou por demais a atenção o uso mais recente que o neurocirurgião tem feito da toxina, qual seja a bem-sucedida extinção (temporária, por 3 a 6 meses, após cada injeção) da terrível dor de cabeça tipicamente conhecida como enxaqueca. Como essas não são acompanhadas das alterações musculares que normalmente estão presentes nas paralisias faciais ou mesmo nas mais inocentes rugas advindas do natural avanço da idade, um novo mecanismo de ação da toxina botulínica parece estar em revelação.

Na visita rápida, em paralelo, que pudemos fazer ao Instituto de Investigaciones Bioquímicas Fundación Campomar, agora rebatizado no Parque Centenário de "Instituto Leloir" (fr., "leluár") em homenagem ao Prêmio Nobel de Bioquímica de 1970, Luis F. Leloir, pudemos assistir ao seminário de horário de almoço brindado por Marcelo Tolmasky, um de seus ex-alunos, ora na Califórnia. Contou dos avanços no entendimento do mecanismo de ação dos antituberculostáticos kanamicina (de Streptomyces kanamyceticus; 1957) e de seu análogo mais moderno, amikacina (acetilação in vitro da kanamicina; 1972) frente à tríplice estratégia enzimática que as micobactérias patogênicas acionam para inativar ditos antibióticos aminoglicosídicos.

No Instituto então no bairro de Belgrano estas sessões de seminário (todos os dias) eram realmente de tirar o apetite pois a seqüência de perguntas ao docente ou doutorando que expunha seu trabalho ou fazia referata de algum avanço da bibliografia era equivalente a um corredor polonês. Todos questionamentos eram séria e obviamente bem-intencionados na direção da verdade científica e seu mister de ensinar, esclarecer e convencer.

Vacinas

No mais, o XVII CLAM se pautou com bastante profundidade no tema de vacinas, nas quais a comunidade científica e tecnológica portenha tem um reconhecido domínio. Durante uma sessão de avaliação do Centro Brasileiro-Argentino de Biotecnologia (CBAB) (onde nosso grupo de pesquisa tem projeto financiado e em andamento com colegas da Universidad Nacional de Tucuman), levada a cabo de 27 a 30 de agosto de 2003, em Puerto Iguazu, pudemos ouvir de vários colegas argentinos comentários a respeito dos avanços da Imunologia naquele país. Tal informação foi então repassada à presidência do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) no sentido de estimular parcerias. A julgar pelo relatório de final de ano/2003 da Diretoria de Produção, uma interação estava gerando um novo produto no portfolio local de imunobiológicos.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor sênior na UFPR, orientador de mestrado e doutorado nos Departamentos de Farmácia e Bioquímica/Biologia Molecular, 11.º Prêmio Paranaense em C&T e Pesquisador 1A do CNPq.

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