Kefir, um hábito alimentar caseiro

É freqüente encontrar pessoas do ambiente caseiro que cultivam e consomem variadas formas de kefir, uma bebida cremosa, levemente ácida e com odor lembrando levedura ou cerveja. O nome deriva da palavra turca keif (?bem-estar?). A cultura caseira é levada a cabo em açúcar mascavo ou leite. O 2.º hábito advém de tribos muçulmanas habitantes das montanhas do Cáucaso Norte (fronteira sul da Rússia). Registros internéticos apontam a russa Irina Sakharova como portadora, em 1908, da ?jóia probiótica? (kefir) em Moscou, de onde a benesse se espalhou pela Rússia.

A bebida em si é obtida tal qual se procede com o iogurte, ou seja, há sempre uma ressemeadura de um inóculo em substrato (leite; água açucarada) fresco. Com o fim do prazo de fermentação (mais eficiente se o frasco é tapado, o que força uma microaerofilia), são distinguíveis duas fases, os grãos de kefir (semelhantes a couve-flor) e uma fase líquida viscosa, que por vezes pode gelificar. O conteúdo dominante é a kefirana, um polissacarídio constituído de quantidades aproximadamente equivalentes de glucose e galactose (Glu : Gal 1:1). É interessante frisar que, diferentemente de uma fermentação alcoólica, no caso do kefir convivem harmonicamente duas subpopulações. Uma de bactérias lácticas (Lactobacillus, Lactococcus, Leuconostoc, Acetobacter e Streptococcus spp) e outra de leveduras (Kluyveromyces, Torula, Candida e Saccharomyces spp), todas curiosas e felizmente benéficas. Duas espécies, Lactobacillus kefiranofaciens e L. kefiri são as mais produtivas na elaboração da kefirana, em parte responsável pela assembléia de microorganismos e polímeros na forma de grãos (que exauridos da fase líquida atuam como semente ou inóculo para uma nova cultura).

Os lactobacilos são reconhecidos probióticos, que tonificam a flora intestinal e minimizam a concorrência por parte de outras bactérias inertes ou mesmo patogênicas. Implícito no nome, quando fermentam carboidratos, produzem ácido láctico e menor proporção de outros ácidos orgânicos. Provavelmente por conta da subpopulação de leveduras, o kefir também contem uma certa porcentagem de álcool etílico (até 0,5%), além de um conteúdo variável de proteínas, aminoácidos, lipídios e vitaminas.

. . . (-Glu [1-:2] (Gal [1-:4] (Gal [1-:3] (Gal [1-:4] Glu . . . ( [6 -:1] (Glu fragmento repetitivo do polímero kefirana).

Pesquisa recentemente realizada por M. Schneedorf e col. da Universidade de Alfenas (MG) (International J. Antimicrobial Agents, 25(5), 2005, 404-408) comprovaram a eficácia tanto de kefir quanto de kefirana como antimicrobianos (especialmente contra um infectante hospitalar, Streptococcus pyogenes). Igualmente comprovada a atividade cicatrizadora com eficiência comparável ao controle com neomicina / clostebol. O mesmo autor com outras parcerias testou a atividade antiinflamatória do kefir, também dito de ?fungo tibetano? (Pharmacol. Res., 47(1), 2003, 49-52). Maeda, X. et al (Biofactors, 22(1-4), 2004, 197-200 ,comprovaram que em ratos superalimentados o kefiran impede a elevação da pressão sanguínea, reduz o nível de glucose circulante e melhora o estado de constipação por umedecer o bolo fecal. Uma avaliação reológica levada a cabo por pesquisadores japoneses (Mukai, T. et al., J. Food Science 56(4), 1991, 1017-1018) mostrou que uma solução a 3% de kefirana na presença de 8 a 10% de etanol forma gel com consistência equivalente a gelatina a 3% e daí sua indicação como aditivo em alimentos. A pesquisa de Vinderola, C.G. (Argentina) em parceria com Matar, C. (Canadá) comprovou que tanto kefir fresco (mais eficaz) quanto pasteurizado foram capazes de incrementar o sistema imunomodulador em ratos (citocinas e em particular o interferon gama).

Ainda quanto à prática caseira de se consumir o líquido filtrado ou coado do kefir, não obstante o respaldo histórico, por se tratar de uma população heterogênea de microorganismos, cuidado há que se ter com qualquer alteração do curso da fermentação (aparecimento de cor, odor, sabor ou consistência estranhas) pois isto configura risco de contaminação com outros ?hóspedes? cujo efeito sobre a saúde do degustador pode implicar em risco.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito junto ao Departamento de Farmácia da UFPR, pesquisador 1A do CNPq e 11.º prêmio paranaense em C&T.
Maurício Passos é biólogo, doutor em processosbiotecnológicos e servidor técnico-administrativo da UFPR no Departamento de Farmácia. 

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