In vino veritas et longa vita

No final do verão/2006 os vinhos foram notícia intensa e daí retomá-los neste inverno/2007. Nos anos 80 cunhou-se a expressão ?paradoxo francês?, baseada na longevidade de franceses sulistas, não obstante o consumo abusivo de carnes gordurosas e marcado tabagismo, hábitos que deveriam predispor para alta incidência de doenças cardíacas coronarianas. A explicação aventada foi o co-consumo de vinhos tintos e um mágico polifenol ali presente – o resveratrol – derivado da casca da uva escura, seja na forma livre seja combinado à glucose (piceído).

Nos anos 90 abundou a literatura nos efeitos benéficos do resveratrol para a saúde humana, a partir do primeiro registro bibliográfico inequívoco de resveratrol em videira, Vitis vinifera {Sieman, E.H. & Creasey,L.L (1992) Am. J. Enol. Vitic., 43(1), 49-52}. Mais de uma década depois, outra publicação de impacto foi a comprovação dos efeitos antiinflamatórios do resveratrol em células epiteliais de vias áreas humanas feita por L. Donnelly no Imperial College London (Am. J. Physiol. Lung -Cell Mol. Pysiol., June, 2004), preconizando pois mais um tratamento não-esteroidal para tais males respiratórios.

Ainda mais recentemente (2006), a dupla D.K. Das e N. Maulik, da Faculdade de Medicina da Universidade de Connecticut (EUA), em função das propriedades estrogênica, antiplaquetária e antiinflamatória do resveratrol estabeleceu-o como uma alternativa válida de composto farmacológico para a cardioproteção através de um mecanismo de precondicionamento do órgão.

Na natureza – como bem documentado em uvas – a biossíntese desta importante fitoalexina fenólica é uma resposta defensiva do vegetal diante da infecção por fungos. Há, todavia, bibliografia que indica que a mais rica fonte de resveratrol seja a raiz do ruibarbo – Polygonum cuspidatum (Ko-jo-kon ou Hu Zhang), intensamente cultivado na China e Japão e desta informação se valeram pesquisadores da PUCRS (A. A. Souto e G. Cunha) para desenvolver um método de enriquecimento do princípio bioativo e depositar a conseqüente patente. O mesmo grupo, examinando um elenco variado de vinhos tintos, apontou os varietais Merlot (safras 1997-98) e Sangiovese (safra 1993) como os mais ricos em transresveratrol (até 5,43 ou 5,75 mg/litro, respectivamente). Os derivados da casta Pinot Noir seguem muito próximos.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR no depto. de Farmácia; pesquisador 1.º do CNP (1996-2006) e prêmio paranaense em C&T (1996).

Tudo a ver com a longevidade

Foto: Arquivo

Doses elevadas: vida longa.

E o que o resveratrol teria com o o projeto mais ferrenhamente sonhado de qualquer ser vivente, qual seja a vida mais longa possível? Tendo em conta que a longevidade tem certas coordenadas metabólicas fundamentais, tais como baixos níveis de glucose e insulina sanguíneas, baixo ganho de peso durante a meia idade e baixa temperatura corporal – sumariamente restrição calórica -, o polifenol parece ter tudo a ver. É o que persegue a Sirtris Pharmaceuticals, nova empresa de biotencologia yankee, baseada na parceria de D. Sinclair e C. Westphal, os dois sequer quarentões, o primeiro uma estrela na constelação de cientistas da Harvard Medical School (USA) e o segundo um ás na multiplicação de capital e finanças.

Um dado laboratorial surpreendente é a capacidade do resveratrol em estimular a gênese de novas mitocôndrias, as organelas citoplasmáticas responsáveis pelo aparato bioquímico gerador de energia das células, com a ressalva de que uma exacerbada atividade mitocondrial ?respiratória? (consumidora de hidrogênio e oxigênio para gerar água) e produtora de ATP – adenosinatrifosfato ou ?euro das moedas energéticas do metabolismo? – também significa maior co-geração de radicais livres ou espécies reativas do oxigênio, ou seja, agentes eficientes do envelhecimento celular.

Sinclair, a partir de 2003, tem demonstrado que doses – por vezes elevadas, ou seja, muito acima da capacidade de ingestão até do melhor tinto francês – promovem um prolongamento da vida (saudável) de tênias, moscas, leveduras, peixes e camundongos, cinco interessantes e convincentes modelos biológicos. Postula ele que o alvo primordial (mas provavelmente não único) do resveratrol seja uma enzima designada de sirtuína (SIRT-1) ou ainda mais propriamente induzindo os genes que codificam para a família de sirtuínas. Estas seriam proteínas ?guardiãs? da integralidade e funcionalidade celular, retardando o processo antagônico de envelhecimento e morte programada, a apoptose. Bioquimicamente, uma sirtuina é uma desacetilase, dependente do coenzima NAD, que atua em histonas ou proteínas catiônicas em íntima associação com o DNA, fortemente aniônico.

Havendo inaptência para o vinho se pode apelar para o amendoim, outra fonte de resveratrol, com o alerta de que o grão fungado pode sê-lo por conta de Aspergillus flavus, produtor de aflatoxinas ou toxinas carcinogências.

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