Salvador – Indústrias criativas. Essa expressão deve se tornar corriqueira. Assim pensa o ministro da Cultura, Gilberto Gil, e representantes de 50 países que criaram este mês em Salvador, o Centro Internacional das Indústrias Criativas (Ciic). Elas representam 7% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e devem crescer com a melhor distribuição de filmes, livros, discos e programas de computador. O órgão pretende derrubar barreiras e ampliar a circulação e reúne funções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial de Propriedade Industrial (Ompi) e da Unesco. Por isso, deve mediar muitos interesses conflitantes.
?Atividades que dependem mais da inventividade humana que de equipamentos ou de capital físico são indústrias criativas?, explicou o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e mentor do Ciic. ?As áreas ligadas à comunicação, ao conhecimento e à criatividade se espalharam por outros setores e tornaram-se uma atividade em si, que gera emprego e renda?, diz Gil.
Aí, começaram os conflitos, já na criação no Ciic. Porque se trata de evitar que cinema, música, livros e softwares dos países desenvolvidos sufoquem a produção dos países em desenvolvimento. E de discutir como as novas tecnologias promoverão a diversidade e a circulação da cultura e do conhecimento, no lugar de dificultar esses processos, como ocorre atualmente.
?Os países pobres têm muita riqueza cultural e pouco acesso às tecnologias para divulgá-la?, cita Gil. O diretor-executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o Brasil e Suriname, Arlindo Villaschi, adianta: ?Quase todos os países fazem filmes, mas só vemos a produção de Hollywood. Assim é na música, livros e software.?
O representante da Inglaterra (e membro do Unctad), John Hawkins, reclama da falta de dados sobre produção, circulação e rendimento dos produtos culturais, mas o peruano Francisco Sagasti garante que estatísticas não faltam, falta interpretá-las e, principalmente, melhorar a forma de pagar a quem vive da cultura (ou da criação). ?É preciso novo modelo para o direito autoral porque a sociedade e os canais para se expressar a criatividade mudaram.?
O músico Marcelo Yuka aponta outro detalhe. ?A discussão se foca na economia, estão esquecendo das barreiras políticas e religiosas?, critica. ?Há desde músicos cubanos impedidos de tocar nos Estados Unidos a moradores de favela carioca que não podem assistir a shows em outra comunidade porque o tráfico não deixa. A economia é importante, mas a livre circulação da cultura é mais.?
Há discordâncias, mas também consenso sobre a necessidade de regular as atividades criativas e sua circulação. ?O mundo hoje é um só, todos se falam e as pessoas dizem que é importante organizar esse setor econômico num instituto para além dos governos, empresários e artistas? lembra Gil. ?Bens culturais trazem benefícios, mas estimulam conflitos e desconforto sobre hegemonias e linguagens dominantes. O Ciic é o fórum de debate dessas questões.?
Se tudo é indústria criativa, do artesanato ao blockbuster americano, quem é o profissional dela e qual sua importância econômica? ?Na Inglaterra é a principal, emprega 10% da força de trabalho. Nos EUA, a exportação de filmes e programas de TV só perde para os eletrônicos?, cita Ricupero. ?Os países anglo-saxônicos são modelares, com seus incentivos e parcerias público-privadas. O problema da indústria criativa não é falta de dinheiro, mas de mentalidade, de considerá-la importante. Os ingleses sabem disso e inovaram em música, moda, design como nenhum outro país.?
No Brasil, segundo Gilberto Gil, é 1% de PIB, mas no Rio e Salvador, sobe para 7%. A pesquisadora Maria Cristina MacDowell, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) tem um levantamento de 1985 a 2001, usando a contribuição previdenciária como parâmetro.
Concluiu que há mais homens que mulheres no setor e que a porcentagem na economia brasileira dobrou nos anos 90 (de 2,5% para quase 5%). ?A predominância masculina se explica pelo peso do audiovisual, com poucas mulheres nas funções técnicas?, explica. ?Já o crescimento pode ser devido à abertura do mercado brasileiro. Muita coisa que era importada passou a ser feita aqui. Mas ainda não podemos concluir nada sobre esses números.?