Fatos históricos na busca de antibióticos

É atribuída a Sir Alexander Fleming, em 1928, a descoberta do efeito antibiótico, observando in vitro um halo de inibição do crescimento de uma bactéria patogênica (estafilococo; v. figura) acidentalmente contaminada com o fungo Penicillium notatum em uma placa de Petri. Foi o primeiro registro da produção de penicilina por um fungo. O médico Fleming era um cientista nato, uma vez que, já em 1920, descobrira e descrevera uma enzima antibacteriana nas lágrimas, a lisozima.

Um outro médico, C.G. Paine, ao uso de uma cultura de Penicillium cedida por Fleming, seu ex-professor, levou a cabo, a partir de 1931, os primeiros experimentos terapêuticos de uso de penicilina bem sucedidos, tratando crianças com infecção ocular por gonococos, transmitidos pelas mães. A esperada cegueira dos bebês pôde então ser evitada graças à aplicação dos ?filtrados? de uma cultura de Penicillium.

A próxima proeza de Paine foi a cura da infecção por pneumococos no olho de um capataz de minas, ferido por um estilhaço de pedra. Apenas em 1940, H. Florey e E.B. Chain infectaram camundongos com estreptococos letais, tratados ou não com penicilina purificada, para produzir um bem sucedida publicação em The Lancet. Um ano depois, em 1941, M.H. Dawson, do outro lado do Oceano Atlântico, em Nova York, informou à Society for Clinical Investigation a respeito do tratamento bem sucedido de 12 pacientes com penicilina. Estava aberta a corrida para a produção industrial de penicilina, sobretudo para atender a demanda dos militares durante a 2.ª Guerra Mundial.

Como o reconhecimento do mérito é circunstancial, cabe o registro de que o verdadeiro pioneiro no efeito antibiótico da penicilina foi o médico francês E.A.C. Duschene, a partir de 1896, com a tese de 56 páginas intitulada Uma contribuição ao estudo da luta para a existência de microorganismos: antagonismo entre fungos e micróbios (bactérias). Fleming, Florey e Chain compartilharam um Prêmio Nobel de 1945 em Fisiologia e Medicina, por suas descobertas sobre a penicilina. Em setembro do mesmo ano, Fleming, em palestra na Academia de Lyons reconheceu que sua (re)descoberta fora ditada pelo acaso, enquanto a pesquisa de Duschene metódica. A grande diferença é que Fleming havia publicado seus resultados numa revista de gabarito.

Noutro lado da história, em 1932, químicos da fábrica alemã Farben desenvolveram um novo azo-pigmento vermelho para tingir bactérias (Staphylococcus aureus) com mais eficiência, o Prontosil. G. Domagk resolveu testá-lo no tratamento de infecções, mas utilizando animais de laboratório. Um camundongo infectado com estreptococo hemolítico foi salvo pelo Prontosil, enquanto que o controle (infectado mas não tratado com a droga) morreu em quatro dias. O próximo experimento bem sucedido de Domagk foi na própria filha, morrendo de septicemia após ter um dedo perfurado com uma agulha infectada. Em 1935, três anos após os testes iniciais com Prontosil, a ação antibiótica da droga foi cientificamente documentada no Deutsche Medizinesche Wochenschrift. Nem um ano se passou, e o casal Jacques e Therese Trefouel (França) descobriu por que o Prontosil era ativo em animais mas não in vitro. A droga era cindida em duas partes e uma delas, a sulfanilamida, era o verdadeiro bioativo.

A descoberta da penicilina e suas ulteriores modificações químicas (variações no radical ?R? da figura) permitiram curar uma série de infecções que assolavam a humanidade, como os casos de septicemia, pneumonia, meningite, difteria e febre escarlate. Doenças sexualmente transmitidas (DST) como a sífilis e a gonorréia igualmente foram praticamente banidas.

Persistia todavia um micróbio renitente: o bacilo da tuberculose. A solução veio de um isolado bacteriano a partir da garganta de uma criança infectada por Streptomyces griseus. A pesquisa de isolamento da estreptomicina foi feita por um russo microbiologista de solo, Selman Waksman, que emigrou para os Estados Unidos em 1910, num trabalho em parceria com um brilhante estudante, Albert Schatz. A outra estudante, Elizabeth Bugie, foi confiado o trabalho de conhecimento da biologia do estreptomiceto.

O primeiro paciente de tuberculose tratado e curado com estreptomicina data de novembro de 1944, na Clínica Maio em Rochester, em Minnesota. Em março de 1950, os royalties advindos de uma patente em estreptomicina já somavam mais de U$S 1 milhão de dólares, mesmo tempo em que se iniciou a querela entre Waksman e Schatz por conta do dinheiro. Ambos ganharam bastante, mas Waksman, isoladamente, foi recipiente do Prêmio Nobel de 1952.

Hoje existem cepas de Mycobacterium tuberculosis resistentes à estreptomicina e admite-se que cerca de 1/3 da humanidade seja portadora, mas apenas os imunodeprimidos (Aids; álcool; drogadictos), pacientes de câncer ou muito mal nutridos são os grupos de risco em desenvolver a doença que todavia cresce de maneira impressionante no mundo (cerca de 8 milhões de casos ao ano).

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador 1A do CNPq e 11.º prêmio paranaense em C&T. 

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